Miguel Sousa Tavares
Quando tentou cumprir o acordo ortográfico toda a sua imagem
ficou gravemente poluída por sucessivas perdas de corpo e alma
Cumpre-me saudar este jornalista e escritor por se ter mantido fiel à língua portuguesa. Ele sabia que uma língua, que é uma alma viva, não se «actualiza» na secretaria, com dicionários em volta, nem sob os imperialismos que bamboleiam a fonética lusa do outro lado do Atlântico.
como lidar com estas palavras:
setor | sector
No primeiro caso, é claro que se trata de uma anómala abreviatura feita nas escolas, quanto ao professor, pelos alunos:
Setor, como é que se transfere para o AO a palavra percepção?
Setor, porque é que está errada a palavra sector na frase sector dos arquivos arquitectónicos?
Miguel Sousa Tavares acompanha sempre a sua crónica no Expresso com uma nota final que reza assim: "Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia."
A Assembleia da República tinha agendada para ontem a «apreciação» de mais uma petição contra a entrada em vigor do Acordo Ortográfico -- escreve aquele jornalista.
«Não sei bem o que possa significar, no léxico jurídico-parlamentar, uma «apreciação». Mas tratando-se do AO, não tenho dúvidas de que os deputados continuarão a fazer tudo para evitar uma votação. Alguns deputados (...) talvez se tenham atrevido a dizer que, de facto, ninguém quer o acordo entre a lusofonia -- nem Angola, nem Moçambique, nem o Brasil; ninguém em Portugal, que trabalhe com a língua (escritores, professores, editores, jornalistas) quer ou entende para que serve o AO, excepto umas raras sumidades académicas que não existiriam sem esta oportunidade; que, do ponto de vista linguístico, o AO é um delírio de aberrações e idiotices que nenhum dos seus defensores consegue sustentar numa discussão séria; e que, até juridicamente, o AO não pode entrar em virgor pois que o expediente inventado para o fazer sem o número requerido dos seus signatários viola o próprio tratado que o instituiu. Mas a maioria dos deputados aposto que terá ficado calada e não terá mostrado qualquer interesse na questão; uns por ignorância do que está em causa; outros porque acham que já é tarde para voltar atrás; outros porque acham politicamente correcto este acto de submissão colonial ao Brasil -- (onde os poucos que estão por dentro da questão sentem desprezo por nós); e outros, talvez a maioria, porque não está para se chatear com o assunto, E o assunto é apenas a defesa da língua portuguesa, que é um dos indicadores fundamentais da nossa identidade e da tal soberania, que Cavaco, Portas e Passos Coelho tanto apregoam. Também não encontro palavras para descrever a violência que é ver como a arrogância de tão poucos e a indiferença de tantos se consegue impor, por inércia ou por cobardia, a todos aqueles que fazem desta língua maravilhosa que herdámos o seu instrumento de trabalho. Quem lhes deu tal direito?»
esta crónica, de Miguel Sousa Tavares, foi citada do
jornal Expresso de 21-12-2013
A Assembleia da República tinha agendada para ontem a «apreciação» de mais uma petição contra a entrada em vigor do Acordo Ortográfico -- escreve aquele jornalista.
«Não sei bem o que possa significar, no léxico jurídico-parlamentar, uma «apreciação». Mas tratando-se do AO, não tenho dúvidas de que os deputados continuarão a fazer tudo para evitar uma votação. Alguns deputados (...) talvez se tenham atrevido a dizer que, de facto, ninguém quer o acordo entre a lusofonia -- nem Angola, nem Moçambique, nem o Brasil; ninguém em Portugal, que trabalhe com a língua (escritores, professores, editores, jornalistas) quer ou entende para que serve o AO, excepto umas raras sumidades académicas que não existiriam sem esta oportunidade; que, do ponto de vista linguístico, o AO é um delírio de aberrações e idiotices que nenhum dos seus defensores consegue sustentar numa discussão séria; e que, até juridicamente, o AO não pode entrar em virgor pois que o expediente inventado para o fazer sem o número requerido dos seus signatários viola o próprio tratado que o instituiu. Mas a maioria dos deputados aposto que terá ficado calada e não terá mostrado qualquer interesse na questão; uns por ignorância do que está em causa; outros porque acham que já é tarde para voltar atrás; outros porque acham politicamente correcto este acto de submissão colonial ao Brasil -- (onde os poucos que estão por dentro da questão sentem desprezo por nós); e outros, talvez a maioria, porque não está para se chatear com o assunto, E o assunto é apenas a defesa da língua portuguesa, que é um dos indicadores fundamentais da nossa identidade e da tal soberania, que Cavaco, Portas e Passos Coelho tanto apregoam. Também não encontro palavras para descrever a violência que é ver como a arrogância de tão poucos e a indiferença de tantos se consegue impor, por inércia ou por cobardia, a todos aqueles que fazem desta língua maravilhosa que herdámos o seu instrumento de trabalho. Quem lhes deu tal direito?»
esta crónica, de Miguel Sousa Tavares, foi citada do
jornal Expresso de 21-12-2013