Sou um leitor assíduo de Clara Ferreira Alves. Quase não perco uma das suas crónicas no Expresso. No último número da revista, logo na primeira página como sempre, Clara brindou-nos com mais um belo texto que eu colocaria, nas minhas letras ou pinturas, com o já repetido título Desastres Principais. Ela repete o grito de uma sem abrigo de Nova Iorque, apelo brutal dito em plena rua sob uma temperatura de 23º negativos: "PRECISO DE UM MILAGRE" .
Depois de uma pungente narrativa sobre aquela cidade, ruas vazias e cobertas de neve ou gelo; depois de abordar o problema odioso do comportamento dos ricos perante os mais pobres dos pobres; depois, ainda, de descrever os montes de cartão, peças de embalagens, restos de coisas desconhecidas, mantas, ruídos de sonos apavorados ou silêncios de gente ali dormindo (talvez tentando) e outros porventura já incapazes de respirar, Clara Ferreira Alves dá-nos a ver e a ouvir o grito de uma rapariga nova, envelhecida pelo terrível sofrimento desta vida sem abrigo, noites de inferno, tempo que só Deus poderia reconsiderar.
O grito repetia-se: Preciso de um Milagre. Precisamos todos, uns mais do que outros, à medida dos paradoxos e das conflitualidades do mundo e dos desastres principais que parecem estar prestes a expulsar a humanidade de algum discernimento colectivo e por último do próprio planeta, pelo destino próprio e pela nossa ajuda demente.
O grito repetia-se: Preciso de um Milagre. Precisamos todos, uns mais do que outros, à medida dos paradoxos e das conflitualidades do mundo e dos desastres principais que parecem estar prestes a expulsar a humanidade de algum discernimento colectivo e por último do próprio planeta, pelo destino próprio e pela nossa ajuda demente.
Ainda cito o fim da crónica de Clara, porque esse direito lhe pertence e agora também a todos nós.
«Ninguém conseguiu ou quis resolver, ou tentou, o problema dos abandonados e vagabundos, os doentes mentais que Reagan resolveu despejar nas ruas e fechar os hospitais psiquiátricos, dos desempregados sem morada certa, dos drogados e alcoólicos, dos loucos de origem misteriosa, dos veteranos de guerra, dos negros, dos adolescentes e dos abusados sexualmente que fogem de casa, das mulheres violentadas e refugiadas nas ruas de todos os que cairam em desgraça e escaparam pelas malhas do sistema. (...) Muitos sem abrigo foram atirados para os subúrbios, despejados no tempo de Giuliani. Estão agora debaixo das pontes e nos vãos do Massachusetts ou de New Jerssy. Estão, finalmente mortos».