sexta-feira, dezembro 29, 2006

JANELAS PARA UM MEMORIAL DA INDÚSTRIA CORTICEIRA

fotografias

de Rocha de Sousa





AS JANELAS DO TESTEMUNHO

MEMORIAL DA INDÚSTRIA CORTICEIRA

AS BARCAÇAS FLUVIAIS

AS MIGRAÇÕES DOLOROSAS






As ruas ribeirinhas da pequena cidade do sul, tortuosas, recebiam as grandes vias verticais, radiantes, que desciam o monte arábico. Entre camiões velhos e artesanais carros de tracção aninal, os assalariáveis deambulavam por ali, horas a fio, à espera das barcaças que subiam o rio e vinham carregar fardos de aparas de cortiça. Portugal tem sido o maior produtor dessa matéria vegetal, em quantidade e qualidade. Fechado à exportação do produto virgem, a fim de segurar uma exclusividade transfirmadora, o país retirava deste sector parte importante das suas receitas, rolhas, bóias para redes de pesca, placas para a feitua de tapetes de banho, ariculáveis. Mas a grande concentração de operários, cerca de cinco mil, pelo menos, criava ali um polo de tensão. Nem sequer os salários eram a questão maior deste espaço social.
Manhosamente, oferecido a pressões exteriores e combatendo a força reivindicativa das unidades fabris do sul, o governo decretou no sentido de abrir ao mundo a exportação da cortiça em prancha, preciosidade arancada às árvores de nove em nove anos, com reservas de alternância durante esse tempo, e levada para os cargueiros que a esperavam perto das praias. As barcaças recnvertiam-se para este serviço, aliás praticamente igual, e apontavam, em vabas, aos costados dos navios. Por seu lado, os camiões, com ganhos relevantes, também transportavam as pranchas de cortiça, atadas em torre à caixa traseira do veículo, levando-a para o porto de Lisboa, mais seguro e operativo relativamente a estas operações de grande calado.

A crise fora desencadeada depressa, politicamente, e as fábricas assim acossadas começaram a arder, uma após outra. O material que detinham permitia provocar incêndios colossais, assombrosos, sem que se conseguisse descobrir de forma irrefutável a causa, um processo natural ou provocado. Tudo ardia a velocidade indiscritível e erfam chamados de todos os lados bombeiros para tais batalhas, não tanto a fim de apagarem o fogo mas de evitarem que ele saltasse para outras fábricas e casas em redor. Dias depois, com velhos rebuscando as ruinas fumegantes, os operários partiam para o note, para o Montijo e Alhos Vedros, entre outros sítios. Os donos da empresas deslocavam-nas, com o dinheiro do seguro, para lugares mais compatíveis com a competição dos custos de transporte. Entretanto, os trabalhadores migrados chamavam para junto de si a família, mulheres e filhos. Mas a sua vida profissional abreviava-se: hove bem depressa novos fogos e novas deslocações, fábricas repartidas em unidades menores, salários encolhidos. Na pequena cidade do sul, as ruas estavam desertas e nunca mais tocara o sino ao meio dia, nem se viram os grupos de trabalhadores deslocando-se então, na hora do almoço.

Os potugueses viveram longamente assim. Circularam amplamente nos mares e traziam para o país especiarias do Oriente. Mas não passavam desse lucro para o investimento na transformação e distribuição das novas matérias. Dois milhões de almas, apenas, fizeram o Brasil, usando tudo e todos os escravos possíveis.Quando se lê a história de Manaus, na área da borrecha, onde foi mesmo construído um teatro de ópera, com pedras trabalhadas idas de Lisboa, percebe-se que o sonho é grande demais para sobreviver aos poços que lhe seguem no tempo. Lá ficaram, no Brasil, cidadezinhas interiores, com a sua igrejinha, e engenhos e fazendas, porque, enquanto isso se fazia, o negócio intercalar absorvia toda a criação futura. Como os citrinos do Algarve, que os produtores, incapazes de criarem empresas absorventes da laranja local, bemcomo a sua distribuição, foram soçobrando aos intermediários e muitos deles vendem hoje nos mercados as pequenas e luzidias laranjas vindas de Espanha. Que farão eles, os espanhóis, das nossas belas laranjas?

Presos a uma crise, presos à cauda desta Europa mole e sonolenta de mordomias, os portugueses continuam a traficar: vem jogadores de futebol, com intermediários e tudo.

Rocha de Sousa