sábado, dezembro 21, 2013

ACORDO ORTOGRÁFICO: FALSO AJUSTAMENTO

Miguel Sousa Tavares

Quando tentou cumprir o acordo ortográfico toda a sua imagem
ficou gravemente poluída por sucessivas perdas de corpo e alma

Cumpre-me saudar este jornalista e escritor por se ter mantido fiel à língua portuguesa. Ele sabia que uma língua, que é uma alma viva, não se «actualiza» na secretaria, com dicionários em volta, nem sob os imperialismos que bamboleiam a fonética lusa do outro lado do Atlântico.

     como lidar com estas palavras:
setor  |  sector

No primeiro caso, é claro que se trata de uma anómala abreviatura feita nas escolas, quanto ao professor, pelos alunos:  
Setor, como é que se transfere para o AO a palavra percepção?
Setor, porque é que está errada a palavra sector na frase sector dos arquivos arquitectónicos?

Miguel Sousa Tavares acompanha sempre a sua crónica no Expresso com uma nota final que reza assim: "Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia."

A Assembleia  da República tinha agendada para ontem a «apreciação» de mais uma petição contra a entrada em vigor do Acordo Ortográfico -- escreve aquele jornalista.
«Não sei bem o que possa significar, no léxico jurídico-parlamentar, uma «apreciação». Mas tratando-se do AO, não tenho dúvidas de que os deputados continuarão a fazer tudo para evitar uma votação. Alguns deputados (...) talvez se tenham atrevido a dizer que, de facto, ninguém quer o acordo entre a lusofonia -- nem Angola, nem Moçambique, nem o Brasil; ninguém em Portugal, que trabalhe com a língua (escritores, professores, editores, jornalistas) quer ou entende para que serve o AO, excepto umas raras sumidades académicas que não existiriam sem esta oportunidade; que, do ponto de vista linguístico, o AO é um delírio de aberrações e idiotices que nenhum dos seus defensores consegue sustentar numa discussão séria; e que, até juridicamente, o AO não pode entrar em virgor pois que o expediente inventado para o fazer sem o número requerido dos seus signatários viola o próprio tratado que o instituiu. Mas a maioria dos deputados aposto que terá ficado calada e não terá mostrado qualquer interesse na questão; uns por ignorância do que está em causa; outros porque acham que já é tarde para voltar atrás; outros porque acham politicamente correcto este acto de submissão colonial ao Brasil -- (onde os poucos que estão por dentro da questão sentem desprezo por nós); e outros, talvez a maioria, porque não está para se chatear com o assunto, E o assunto é apenas a defesa da língua portuguesa, que é um dos indicadores fundamentais da nossa identidade e da tal soberania, que Cavaco, Portas e Passos Coelho tanto apregoam. Também não encontro palavras para descrever a violência que é ver como a arrogância de tão poucos e a indiferença de tantos se consegue impor, por inércia ou por cobardia, a todos aqueles que fazem desta língua maravilhosa que herdámos o seu instrumento de trabalho. Quem lhes deu tal direito?»

esta crónica, de Miguel Sousa Tavares, foi citada do
jornal Expresso de 21-12-2013

quarta-feira, dezembro 11, 2013

MORREU NADIR AFONSO, ARQUITECTO E PINTOR DE ESPAÇOS ONDE A GEOMETRIA SE TORNAVA PAISAGEM E SONHO


    Nadir Afonso,
    Arquitecto e pintor


Nadir Afonso Rodrigues nasceu em 1920 e faleceu hoje, dia 11 de Dezembro de 2013. Iniciou os seus estudos de arquitectura na Escola de Lisboa (Belas Artes) ainda segundo os termos da reforma de 32. Muito dotado para o entendimento das problemáticas relativas ao domínio das disciplinas do espaço e da cor, diplomou-se em arquitectura e trabalhou com Le Corbusier e Oscar Niemeyer, personalidades do conhecimento do  mundo, aliás de grande relevo no século XX. Além do mais, Nadir empenhou-se desde cedo no campo da representação votada ao espaço, à pintura, à memória urbana. Estudou pintura em Paris, tendo assumido uma aproximação de trabalho com Vasarely, o criador da arte op, além de personalidades como André Bloc e Fernand Léger. A dinâmica cinética devida aos estudos de Vasarely inspiraram bastante Nadir Afonso. Ele é visto, justamente, como um dos pioneiros da arte cinética. Daí, em boa medida, ter sido autor de uma teoria estética, publicando diversos livros nos quais sustenta que a arte é puramente objectiva e regida por leis de natureza matemática. Ele defende a ideia de que a arte não é um acto de imaginação mas de observação, percepção e manipulação da forma. Muitas vezes, esta tese envolveu ensaios contraditórios, sobretudo por não haver razão, nas razões apresentadas, para se excluir dos pressupostos indicados na teoria os factores derivados da imaginação.
Nadir Afonso foi considerado um espírito invulgar, mesmo em termos de reconhecimento internacional. Está representado em muitos museus e as suas obras mais famosas integram a série chamada Cidades, belas peças que, de início, o artista negava serem representações de carácter urbano. Em volta dele, na SNBA, num Salão de Arte Moderna, alunos de Belas Artes insistiam «não são mas parecem». E ficaram parecendo, brilhantemente até hoje, porventura pelos tempos fora ou da História. Lugares do mundo. Espaços onde a geometria se tornava espaço e sonho.

MORREU SOARES BRANCO, ESCULTOR E HOMEM AMÁVEL

SOARES BRANCO
Morreu no passado dia 4 o escultor Soares Branco. Tinha 87 anos e era escultor pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Escola onde leccionou durante largos anos, sempre nas disciplinas de índole artística ligadas à escultura e ao desenho. Era um colega sóbrio e de bom trato. Era um homem amável. 
Domingos de Castro Gentil Soares Branco foi aluno de Simões de Almeida (sobrinho) e de Lepoldo de Almeida, já na Escola de Belas Artes. Depois, concluído o curso, foi desenhador na Escola Médica de Lisboa, trabalho raro entre artistas com formação deste tipo. Foi então escolhido para Belas Artes. Ao longo do seu percurso como escultor foi 2º classificado do Prémio de escultura Soares do Reis, SNI. A sua obra teve altos e baixos, mas beneficiou de um tempo de encomendas que permitiu a muitos artistas desta geração desenvolver soluções de arte pública. Entre os colegas, Soares Branco foi sempre correcto e cumpridor, ganhando amigos mais novos à medida que o tempo passava. Tinha uma forte ideia desses valores e do fundo de artifício do seu diálogo com a Oficina.

quinta-feira, dezembro 05, 2013

MORREU MANDELA, ILUMINANDO A HISTÓRIA

Nelson Mandela

Morreu um dos seres humanos mais decisivos para que possamos apurar, com ele e depois dele, o verdadeiro sentido da nossa melhor natureza e do futuro. Prémio Nobel da Paz, preso durante longos anos por defender a paridade entre os homens, os seus direitos sociais e espirituais, no respeito pela grandeza civilizacional. Foi presidente da África do Sul, num testemunho exemplar, admirado por todo o Mundo. Contra a separação das raças e a discriminação perversa entre os povos, Mandela será sempre um símbolo maior da Humanidade, marcando para sempre o Continente Africano no sentido de honrar o fundo dos seus diversos materiais, em harmonia de perfil e partilha. Nelson Mandela, cuja raridade se conjugava com a força ética, fou e será um dos mais poderosos símbolos da luta contra o regime segregacionista do Apartheid, sistema racista, sem rosto, oficializado em 1948. Mandela foi um inimitável na sua postura de negação dessa força absurda, combatendo sobretudo através do seu perfil moral, ou, como disse o Presidente da ONU, «um dos maiores líderes morais e políticos do nosso tempo.» Morreu a 5 de Dezembro de 2013.