sexta-feira, janeiro 30, 2015

UMA INVULGAR PRIMAVERA NA GRÉCIA ACTUAL


ATENAS

Após um percurso combativo de vários anos, Alexis Tsipras, figura angular do Syriza, partido grego (até há pouco considerado de esquerda radical), alcançou, nas eleições antecipadas que se verificaram há dias naquele país, uma vitória a roçar a maioria absoluta. A Europa, cada vez mais soturna e dominada pelos países mais poderosos e mais amarrados ideologicamente à lógica da austeridade (austeridade sem complementaridades), estremeceu de desconforto, apesar do seu Banco Central já ter começado a trabalhar num processo financeiro capaz de reanimar as forças económicas, activando uma União afinal dividida. Absorvendo a dívida, o Banco tenta estimular a liquidez e as dinâmicas da produção, contra a anemia latente, deflaccionária, que tem sido protagonista de um dos maiores desastres desta zona do Globo. 
Primavera pode significar alegria, bem estar, sucesso; aqui não é tanto assim, mas o governo grego, formado em apenas dois dias e com uma pragmática coligação à direita, após recusas estratégicas, mostra-se decidido e coordenado por maior moderação do que a radicalidade anterior. Após um primeiro Conselho de Ministros, as prioridades anunciadas contemplam o ordenado mínimo, a imediata suspensão das privatizações em curso, fornecer electricidade grátis a 300.000 desfavorecidos, reverter o processo de despedimento de funcionários públicos, como os trabalhadores da área da limpeza, pessoal da antiga Televisão Pública, a ERT.
Estas e outras atitudes, coordenadas numa espécie de Estado de Graça, empenharam já o Ministro das Finanças a percorrer pontos cruciais da Europa a fim de explicar a medida do plano apontado, incluindo os termos da estruturação da dívida, sem arrogâncias nem arruaças. Uma única marca formal: todos os ministros operam como cidadãos comuns e não fazem uso da gravata.
Segundo lemos no «Diário de Notícias», este governo, contra a corrente mas refundador da soberania do país (assim parece querer), declarou:
«Temos um plano grego para fazer reformas sem criar défice, mas sem superáveis primários asfixiantes», declarou o primeiro ministro, numa altura em que as medidas previstas no programa económico do Syriza têm um custo avaliado em 12 mil milhões de euros. «Estamos aqui para acabar com o clientelismo político e com a corrupção, para pôr um ponto final num Estado que funcionava contra o que são os interesses da sociedade». Muitos dirão que estas palavras não passam de mera demagogia; contudo, o aperto feito aos países mais pobres, a maquinal suficiência da Troika, a desmontagem para os privados de forças estratégicas colossais, electricidade, controlo de produtos energéticos, venda dos grandes portos gregos, tudo isso desenha uma paisagem ao mesmo tempo com laivos conspirativos e «religiosamente» fixistas. A divisão artificial entre Europa do Norte, rica e trabalhadora, e Europa do Sul, pobre e desgovernada, parece coisa vinda de muito longe, ferindo, em nome do poder financeiro, a História e a criatividade de povos como os gregos, que nem experimentaram o efeito da ocupação Nazi. Tais crises foram ultrapassadas, mas é bem certo que o Norte, e especialmente a Alemanha, não se reabilitaram de um dia para o outro, após a guerra. O auxílio financeiro em grande escala e a solidariedade favoreceram muita coisa e delinearam um período de paz e prosperidade.

Alexis Tsipras

Sejam quais forem as perspectivas políticas e económicas do Syriza, sem ruptura trágica mas sobretudo revendo à frente aspectos de salvação do país e da Europa (apesar de nem tudo ser viável), os actuais contactos, a visita de ministros do aparelho europeu, a possibilidade de linhas de partilha e de compreensão mútua não parecem motivo para a habitual histeria dos credores e dessa rede de mercados, onde os computadores são mais do que seres humanos e o jogo bolsista cai todos os dias a pique, enquanto os juros da dívida grega (para falar só nessa) progridem em setas apontadas ao alto de forma cínica e demencial. É uma luta assimétrica e sobretudo baseada em organizações bloqueadoras do espaço e da criatividade, capazes de imensas conspirações obtusas, destrutivas e sem nexo para além do dinheiro de alguns), um efeito paralisante por um lado, de dominó tóxico por outro. O que há para desdobrar a este respeito, na miséria que a Globalização impõe, só pode concentrar-se numa vasta reconstrução dos dados, dos princípios, das inter-relações. E oxalá que sem guerras vinte vezes piores do que as últimas, sem contar com tudo o que se passa em muitas partes do mundo, agora, nomeadamente, através do islamismo radical e do uso indevido, mediático e impuro, das religiões e dos profetas e dos deuses, todos afinal míticos e pensados pelo imaginário humano como uma última salvação do Homem.


as ruas da esperança