sábado, agosto 24, 2013

O DELFIM E OS SÁBIOS DA LÍNGUA PORTUGUESA




«Andar a esconder adjectivos não tem sentido.»
  

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sexta-feira, agosto 09, 2013

CORTES, DESERTOS E AS REFORMAS POR FAZER


Chegou uma nau muito atrasada, trazia mortos a bordo de mistura com especiarias para venda aos outros impérios, sempre através de gente de travessias curtas e distribuições gananciosas, entre a Inglaterra e outras monarquias do Norte. Portugal tinha um Império, sempre mal gerido, é verdade, mas cheio de invenções e batalhas e descobertas. Desta vez ficámos à espera, mordendo enguias e fulanizando eventos nobres, outros populares, actos ímpios da Primavera. Mas a Europa estava por moldar e só depois do século XIX se viu, no avanço da revolução industrial, qualquer coisa de jeito, uns comendo outros, uns separando-se dos outros, era quase a Europa, a Península ainda dividida do lado de Castela, Portugal unificado mas empobrecido, a nobreza caçando, pintando, com gente pela rédea ou fazendo empobrecer o rei por se apalaçar cada vez mais. E assim matámos um rei e empurrámos a República para a rua, partidos, lutas, criações modernas, barafunda como hoje e pouco depois uma ditadura entre brandos costumes, gente remediada ou pobre, pagando indústrias maneirinhas, continentes à nossa mercê mas caros de frequentar para sempre. E vieram as guerras da Europa, Primeira e pouco tempo depois a Segunda, a Alemanha andava cheia de si, até amparou o Hitler, um agente não sabe de onde, que proclamava que a raça ariana iria conquistar o mundo por um longo período de mil anos. Morreram quarenta milhões de pessoas, o Hitler suicidou-se, os países aliados ocuparam o país, logo se arranjaram para deixar o que era justo e pagaram para que a Alemanha se construísse. Assim foi e continua, a leste do grande projecto da União Europeia, agora a falhar sob a tutela de Ângela Merkel, senhora da antiga Alemanha de Leste e que governa a unificada Alemanha, mais a própria Europa, ajudando a dissipar as solidariedades e os tratados de há 60 anos para cá, de tal sorte decidindo com Sarkozy (que já foi) as grandes assembleias entre países do euro, ministros todos, eles acima de Presidente e Banco central, ordenando não sei como, desbaratando a construção em desconstrução e países arruinados como a Grécia, Portugal, Espanha, Itália, Irlanda, Chipre, entre os que disfarçam. Países em resgate, troika igual para todos, cortes a sangrar, gente a pagar impostos, duas, três vezes, um governo roubado da grandeza socialista, com Sócrates e o PEC 4 a perecerem na última maravilha dos combóios dos 300 à hora. Era o desvario de não perder a honra entre tanto boato e tantos recuos sob o disparar das línguas no vento das fugas.
Vieram o Passos e o Portas e o Gaspar, os principais mareantes da nau que afinal se afundava e que já estava nas mãos, pela terceira vez, do FMI, um plano feroz de empobrecimento do país para correcção do déficit e abrir condições para iniciar o pagamento da dívida. O país rendeu-se, de joelhos, alguns voltados para Meca, comunistas e sindicalistas ocupando festivamente as ruas com manifestações engalanadas e muitas palavras de ordem. Parecia o PREC sem Copcon nem o povo é quem mais ordena. 
Havia dois anos de pelintrice, Gaspar (finanças) falando cada vez mais em cortes, (cortes enormes, colossais) até se ter demitido com uma carta cínica, de falência pessoal e dedo apontado a outros como um cata-vento. A enigmática figura da entretanto nomeada Ministra das Finanças, Maria Luis Albuquerque, foi logo acusada (por uma palavrosa e ensandecida oposição) de génio do neoliberalismo. E logo ela foi chamada à «Comissão dos swaps,» ali foi espadeirada pela Ana Drago durante quatro horas, na mais impiedosa e humilhante batalha de palavras que jamais me foi dado ver. Pensei logo, porque o Portas já se demitira por não gostar desta gente e até do próprio teimosismo do Passos: isto vai mesmo para o maneta, dizia-se. Mas ainda não era a hora e o Presidente da República criou um jogo charada para os meninos se reunirem, incluindo o avesso Seguro (o homem que apitava eleições já), coisa que eles fizeram a contra-gosto, enquanto Cavaco saltitava soberania pelas ilhas Selvagens, cheias de ecossistemas e cagarras. Quando voltou só havia cábulas escritas, ouviu cada um dos parceiros, mandou que Passos reunisse o governo remodelado, revogada a irrevogável demissão de Portas: tudo feito em 24 horas e reiterado em 24 minutos.
Mas a malta comentadora, televisões, congressos, professores, toda a gente do Bloco e do PC, alguns independentes, todos barulhavam contra, governo podre, bancos exíguos, para a rua tudo, é preciso negociar a dívida, não aos cortes, que é isso de 4,7 mil  milhões de euros COMO  reforma do Estado?
Peço desculpa: era aqui que eu queria chegar: não há nada para fazer a reforma do Estado correndo com funcionários antes de se saber quantos os necessários, quanto custa refazer estruturas, ordem e graduação das gentes, o que fazem, para quê e para que país, incluindo uma constituição novinha em folha. Os 4,7 mil milhões é para o que quiserem (pagar juros, abrandar o déficit, juntar em espectáculo para recolher credibilidade nos mercados, tudo menos a reforma do Estado). O Estado é uma realidade nuclear do país, com a sua forma, a sua rede de serviços e prestações, tem de ser pensado, ajustado a um novo contexto e a novos objectivos, sobretudo desenhado, municiado, adestrado. Já ouviram falar em organogramas? O Estado não se monta sem ter primeiro o seu organograma e a narrativa técnica e filosófica dos seus conteúdos. Saber onde se organizam os pontos de projecto e decisão, os lugares da logística, os funcionários necessários e onde, no centro e no país em geral, com que ligações e mínimo gasto. Que serviços integra e presta. E, no fim de todo o projecto desenhado e narrado e calculado (quanto custa) poderá falar-se em números. E isto não deve ir em bruto para a Assembleia da República, onde se grita cada vez mais e os partidos cavam a própria sepultura na indigência teórica e populista a que chegaram. São clubes de futebol em dívida e a swapar jogadores. Fico nulificado quando vejo o bom Mário Crespo a ter no seu programa o tema dos swaps, durante oito dias seguidos, como agenda de trabalho, entre vozearias. A comunicação social atingiu, sem pensar a sério sobre nada, o vértice do pouco, sem reinventar os dados da reflexão.
E ainda uma coisa. Ao governo actual: se vão cortar pela segunda vez pensões, façam favor de ver se há constitucionalidade nisso. E sobretudo avisem por escrito as vítimas. Não recebi nada sobre tudo o que intempestivamente  me comeram de forma subreptícia e iníqua. em perda, enquanto os cortes da governança vieram sem notícia, deixando a fome alastrar pelas caves. É isto que querem fazer hoje. E as rendas? Não falo das PP. Falo das casas, habitação é um direito: as rendas têm de subir caso a caso, com percentagens que não matem mais gente e criem maiores assimetrias. Uma renda de 100 euros (prédio com vinte anos, duas assoalhadas, em Telheiras) não pode, é crime, subir para 1000 euros. Senhora Ministra das Finanças: gostei da sua velocidade a pensar e a falar com uma boa parte de razão; mas neste caso devia ser um pouco mais activa, picando os seus colegas e renegociando desde já a assombrosa lei das rendas.
Espero para ver. A nau que chegou ali perto do farol inclinou e parou: trazia mortos e vivos. E os vivos tinham salários cortados e em atraso, o capitão fora mandado fazer isso no «limite», dando apenas água aos desapossados jazendo nos porões. Em terra já fazem isso há que tempos, encolhendo os ombros aos que emigram cada vez para mais longe, para a enorme Austrália. E já viram portugueses doutores nos desabrigos de Detroit.