sexta-feira, agosto 22, 2008

QUANTO MAIS CRESCEM MAIS TROPEÇAM EM SI MESMOS


Sei perfeitamente que alguns dos meus visitantes, ou mesmo muitos, olhará com desdém para esta fotografia. Digo de propósito desdém, pois todos os que cumprem a quotidiana liturgia do consumo e da competitividade, próprios da civilização contemporânea, têm vindo a tornar-se um pouco maquinais, miméticos, falando em «novo paradigma» e assumindo atitudes de cada vez maior indiferença perante o que os cerca de facto, senhores, enfim, de uma visão do real em colapso de miopia ou culturalmente mais redutora. Sonha-se com o êxodo transitório, férias nas praias do Brasil ou noutras paragens do bem estar turístico, lugares da mornidão indutora do sono. As pessoas sabem que se morre todos os dias em quantidades avassaladoras, da guerra ou das pestes, numa linha que contradiz aquilo que erradamente se costuma chamar evolução, globalização, partilha, humanitarismo. É mentira que isso esteja a acontecer equilibradamente no mundo. Qualquer miserável F16 resolvia a iniciação coordenada, vital, de pelo menos cem famílias, uma aldeia ou uma pequena cidade.
Também não vale a pena classificarem a escolha da imagem, aqui oferecida à reflexão dos meus contemporâneos, como mero sintoma de morbidez. A morbidez atravessa, isso sim, o Iraque, o Afeganistão, o conflito entre paquistaneses e israelitas, as raivas fracturantes da antiga Jugoslávia, a Tetchenia, a Giorgia e os tumores que combate sem os tratar, tropas russas usando estratégias de avanço contra o inimigo que lembram o czarismo ou o stalinismo, arrasando tudo, bombardeando apenas com o critério de bater militares e milhares de civis. Do outro lado do mundo, tratando a interminável luta por meios nefastos, a Colômbia tem um país clandestino e canceroso dentro de si. Em África, o crime ou é brutal e ensurdecedor ou se inscreve na teimosia sonsa e ditatorial de senhores como Mugabe.
Mas o verdadeiro problema, que reside em estratégias de longo prazo para orientação dos povos em função da convivialidade, da verdadeira partilha, não da famosa competitividade e da espantosa ideia de que os mercados, livres, se equilibram pela «lei» da oferta e da procura, terá de criar meios para que não nos digladiemos por conveniências de riqueza e poder: isso é o suicídio a longo prazo, sem contar com uma tecnologia cujo ramo atávico rebenta com os eco-sistemas do planeta. Os objectivos terão de ser desviados para um outro azimute e por forma a que as religiões assim se direccionem. Até nesse campo, os modelos transformaram-se em males, numa cegueira apocalíptica capaz de rasgar muitos mais abismos; porque se juntam à política, à gestão da força e da manipulação das mentes, devorando-se umas às outras ou a si mesmas.
A foto aqui proposta regista um acontecimento que nem sequer resultou de qualquer atentado terrorista ou das emblemáticas batalhas pela justiça. Neste caso, cerca de 150 pessoas, com maioria de mulheres e crianças, além de 50 feridos, fora vítimas da sua insensatez. No domingo, 3 de Agosto, na altura em que uma multidão de crentes entrou em pânico, procurando fugir do templo hindu Naina Devi, no Estado de Humachad Pradesh, a 250 quilómetros de Nova Deli, Índia, indícios fortuitos levaram aquela massa humana à tragédia. Mais de 50.000 peregrinos estavam no templo a participar no festival religioso de nove dias que todos os anos atrai centenas de milhares de fiéis. A queda de um bocado de estuque e o boato de um deslizamento de terras chegaram para provocar esta enorme tragédia, o esmagamento de duas centenas de pessoas.
A fé e os rituais também devem ter as suas regras de segurança, a começar pela arquitectura dos edifícios de culto. Esta falta de rigor traduz uma perversidade intrínseca, desacredita os princípios sagrados, pode levar a alucinações monstruosas, de medo e matança, de fuga e descrença. Não é quanto mais melhor, ocultando os desastres principais. O que importa é descobrir a beleza do mundo, mas sem fundamentalismo, reforçando a consciência das feridas e da investigação para as curar.

segunda-feira, agosto 18, 2008

ANA TERESA: SÉRIE FOTOGRÁFICA NARCISA

foto Maria Teresa Vicente série Marcisa double life

As estratégias auto-representativas estiveram desde sempre ligadas à criação artística, com especial ênfase nos últimos quarenta anos. Desde as grutas de Altamira às representações egípcias, à escultura grega, a representação de si próprio ou do Outro, parece estar intrinsecamente ligada à génese da arte.
A obsessão actual com a corporalidade, com a relação entre o sujeito e a sua imagem, não é paradigma das artes plásticas, podendo ser encontrada tanto na literatura como na dança contemporânea. Na arte contemporânea podemos observar que preside um certo imaginário intrínseco de criação de um mundo próprio, o qual já não é mero espelho do mundo, obrigado a reflectir fielmente o que o rodeia, mimético, com uma estética que permita aceder a níveis metafísicos superiores mas sim a um mundo fragmentado, que gera novas visões, um relativismo de prspectivas, elegendo o corpo como tema que permite uma reflexão sobre o estilhaçamento do Eu e sobre a sua fragilidade. O espelho surge então como objecto que favorece a imaginação, o sonho. A transparência do espelho é comparável à superfície da água que, no mito de Narciso, «enuncia que o desejo de retorno uterino, quer o desejo de fusão no Uno, e a forma como estes coincidem com a morte». *
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*texto da própria Maria Teresa Vicente e itação de um ensaio de Margarida Medeiros
Uma outra questão é a narrativa ambígua que emana destas fotografias, quase de micro-narrativas dúbias, já que por vezes estas assumem um caráter quase poético, mas nas quais a tensão e a estranheza patentes se revelam nos pormenores e na presença, implícita ou não, de um segundo sujeito. É no indizível que a narativa ganha força, na construção e composição da imagem, bem como nas relações sugeridas entre os vários objectos e sujeitos que poviam estas imagens. Por não haver um sentido claro, cabe ao espectador a cumplicidade da produção de um significado.







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sábado, agosto 16, 2008

A CURIOSA FARSA DE UM CORTEJO MEDIEVAL


O título desta mensagem visual já explica quase toda a minha opinião acerca destes eventos, divertidos sem dúvida mas enviesados quanto à história, diversos tipos de iconografia, encenação ou cenografia. Estas jovens parecem-se pouco com os intérpretes de rua, o que não significa que a Idade Média não tivesse algo de semelhante. Mas loiras assim? Em tempos de luta com sarracenos e coisas semelhantes? Elas não vinham na frente do cortejo. Os homens a pé, com bandeiras, adagas e escudos, elmos e cota metálica, além de gente com tambores de ensurdecer, batendo, batendo, na pele esticadas dos tambores, esses sim, abrindo espaços, distanciavam os alaúdes, escondendo sons até que eles pudessem sustentar as danças das mulheres no terreiro do palácio. Uma farsa amável que percorreu várias vezes a cidade e honrou a princesa que vinha postar-se na varanda de todos os sonhos de outrora.


mouros antes, depois,
uns decepados ou fugidos,
outros para sempre partilhando
os nossos destinos

sexta-feira, agosto 15, 2008

SILVES: FEIRA MEDIEVAL OU ILUSÃO CÉNICA


A Feira Medieval de Silves é uma tradição recente. A iniciativa parece razoavelmente adequada à actividade comercial e à transacção de artesanatos. A dificuldade de estudar o assunto, sobretudo pela sua eventual configuração com a Idade Média, oferece ainda mais escolhos por se tratar da simulação de um espectacular evento decorrido (era o tema este ano) numa das mais florescentes cidades sob domíno árabe no século XI, coisa que mal foi sugerida, ao contrário dos outros anos, pois a presença dos mouros esteve praticamente nula e os trajes usados em 2007 escasseavam, quase todos eles haviam sido substituídos, em precariedade, por novas e raras peças. A estereotipação de modelos de barracas, lugares de venda de refeições, comércio a céu aberto, tudo isso, embora em áreas mais vastas, quase nada mostrava de recuperação icónica, de adereços ou acções históricas. Um esforço deste tipo poderia enquadrar (até para o futuro) maior fidelidace didáctica. Claro que a vertente comercial tem vindo a absorver a orientação das coisas: um mínimo de rigor, a par da extensão das coisas acaba dominado por comerciantes marroquinos, objectos artesanais sem modelos de autenticidade, argolas, pulseiras com vidrinhos, colares aos milhares, algum anedotário da cerâmica, coiros, adereços de ornamento e tecidos. O sucesso não é da simulação mas da mania das compras, vulgaridades que o português compra, aqui ou no estrangeiro. Trata-se pois de uma feira como outra qualquer, mais intimista, mas escandalosamente falsa na identidade cénica.



domingo, agosto 10, 2008

RUÍNAS ANTIGAS, CIVILIZAÇÕES PERDIDAS

Efeso

pelo Médio Oriente
e a força das gentes
convictas do poder divino








dos egípcios,
Karnak.
e um faraó
refém do
poder dos
sacerdotes







Não me lembro se visitei estes lugares, ruínas antigas, memória de trabalhos que duravam séculos. Mas tenho visitado documentos e legendas que se completam com um registo bem poderoso, o da fotografia, entre olhares de hoje para ontem. Nestas imagens mal lembradas, o registo fotográfico mostra-nos formas rigorosas, imensas por vezes, suspensas pelas forças arquitecturais e o belo traço da geometria, além de edifícios inteiros, nus, fortes, monumentais, inacreditavelmente assentes em terrenos arenosos, tudo no trânsito das civilizações, ou de gente que queimava vidas inteiras para apurar e sobrepor tantos materiais do puzzle ilusório, a eternidade procurada numa precariedade desconhecida. Mas a verdade é que nem os deuses são eternos, nunca sobreviverão ao apagamento das espécies, incluindo a humana. As ruínas antigas, de civilizações perdidas, são em parte a demonstração de que já não passam disso; são visitáveis pelos últimos homens, numa curiosidade mórbida de saber quem fomos há milhares de anos, mas não mais como última prece do seu poder, agora que os pedaços de templos e palácios só servem imagens parcelares do mundo outrora, o esforço e a inteligência de uma espécie, que é entretanto presumível, nem sequer sobreviverá aos insectos. Levo as fotografias para casa, para os filhos. Se calhar para os netos, ou para os netos dos netos, num tempo previsivelmente aquecido e tormentoso, em que as prioridades terão pouco que ver com o crescimento físico e o dinheiro, material de jogos e tentações avassaladoras.

sábado, agosto 09, 2008

SOLJENITSINE, DO GULAG ÁS HONRAS DE ESTADO

Alexandre Soljenitsine (1918-2008)

Alexandre Soljensitsine, escritor russo, Prémo Nobel da Litertura em 1970, faleceu no início da semana e foi lembrado em todo o mundo. Soljensitsine, um escritor russo nas suas grandes linhas de definição, consagrou-se em parte como os artistas apanhados pela violência da História, dotados de uma grandeza trágica ou heróica. Acabou por ser assim, depois de vinte anos de exílio, ao regressar à Rússia, louvado a vários níveis, herói enfim respeitado e que veio a morrer no princípio da semana, aos 89 anos. O regresso verificara-se em 1994. Passara entretanto exilado durante 20 anos, 17 dos quais nos Estados Unidos. O seu regresso foi também a persistência da voz profunda da Rússia, a Rússia imensa e mítica.

Soljenitsin não se identificava com a figura habitual do dissidente, tendo mantido uma nítida distância crítica em relação a Sakarov. Aliás permaneceu refractário à ideia da ocidentalização da Rússia. O seu discurso, para além disso, marcou quase todos aqueles que, com o «Arquipélago de Gulag», o glorificaram. O seu retorno envolveu um discurso religioso, otodoxo, acompanhado por posições nacionalistas ou a inegável expressão de um misticismo das raízes. A mágoa dos companheiros de outrora tinha as suas razões: não porque faltassem as provas, os documentos, os testemunhos, as análises do que se havia passado na pátria do «socialismo real. De facto, a obra de Soljenitsine, cujo primeiro volume se publicou em 1973, emprestava uma dimensão grandiosa e altamente documentada dos factos, altura em que o Gulag, afinal, se tornara uma palavra-chave da consciência ocidental acerca do que acontecera na União Soviética. Em boa verdade, o livro que consagrou o autor do ponto de vista literário foi uma novela extraordinária que se intitulou «Um Dia na Vida de Ivan Denissovith». Aí acopanhamos a jornada de um camponês num campo de trabalho soviético. Obra que reflecte a própria experiência do escritor, o qual passou oito anos como prisioneiro num desses sinsitros lugares, aliás amplamente multiplicados por Staline. Após a entrega do Nobel a Soljenitsine, o herói futuro, em vez de voltar ao seu país, acolheu-se significativamente a Estocolmo. O medo não poupa os heróis. O seu retorno à terra mãe, décadas depois, pode envolver cada emigrante qualificado na liturgia do reconhecimento e da grandeza. Soljenitsine, cumpridas as suas vontades, foi enterrado com a benção grandiosa do Estado.

terça-feira, agosto 05, 2008

A ESTRANHA PEDAGOGIA NAS ESTRADAS


São estranhas, em Portugal, as campanhas das autoridades que têm a seu cago a vigilância, prevenção e acções pedagógicas no sector rodoviário de todo o teritório. Não é a primeira vez que abordo aqui esse problema, um dos mais sérios com que nos defrontamos nos noticiários, num clima especulativo e demagógico pela referência das imagens, bem como na repetição inconsequente das mesmas razões para os desastres, sem que, em sede de redacção, os jornalistas se detenham a examinar, noutras perspectivas, a regularidade, em números e desgaste, dos desastres que acontecem nas nossas auto-estradas, estradas e cidades.
Todos os anos, nas Festas e na abertura da temporada de férias correspondentes ao Verão, as brigadas de segurança às estradas, anunciam efectivos mobilizados na ordem dos milhares. E publicam, entre viaturas identificadas e viaturas não identificadas, uma cadeia de graduação de multas que chega a ser humilhante, tendo em conta o que se repete anualmente. A polícia de serviço nas rodovias têm formação adequada, segundo creio, mas nunca se nota a diferença de métodos quanto a situações também diferentes, nem um diálogo pedagógico com os condutores, ultrapassando a mera trindade do alcool, excesso de velocidade, incumprimento de regras.
A polícia, e os seus técnicas, ainda não se pronunciaram sobre questões como as seguintes:
>Terá o país dimensão e meios para os dois milhões de carros que andam por aí?
>Haverá algum curso de formação de instrutores e meios modernos de abordar matérias relativas à condução, à psicologia dos condutores, às diferentes situações que se lhes deparam, aos adequados preceitos de aprendizagem bem fundamentada do código da estrada?
>E esses instrutores estão capacitadas a abordar a quase totalidade dos problemas que podem surgir a um condutor, manobras agressivas mas necessárias, conhecimento do carro, da sua mecâmica e da mecânica em geral?
>A polícia estará habilitada a abordar os automobilistas na estrada, nos métodos de paragem, de pedir documentos, de espiolhar todas as desnessidades às quais eles são amarrados?
>A teoria inerente aos exames para obtenção da carta está bem exposta, não terá excesso de índices cuja matéria é facilmente esquecível? A perda do exame de código por «morte súbita», como nas séries com pistolas durante a guerra do Vietnam, não será desajustada do nosso temperamento e graus de relação com a realidade?
>Porque é que o ensino não usa simuladores e porque razão não se estuda, com base científica, a natureza de certos desastres, os mais típicos, os mais regulares, os de evidente continuidade?
>O patrulhamento do trânsito é fixo ou acompanhado, sobretudo em motocilos, cuja mobilidade e visibilidade permite tomar decisões preventivas a montante e a jusante das colunas?
>Porque não se procede ao reordenamento dos bloqueios, através das brigadas em motociclos?
>O que é que se ganha em agir ilegitimamente, com carros disfarçados, que chegam a disputar situações de velocidade e infringem claramente (num exemplo aos outros) as regras relativas à via contínua, estados de aproximação, tipos de sinais, entre outros?
>Porque é que, em vez da actual rotina e a baixa descida, em geral, de desastres mais ou menos graves e de mortos, não se opta pela ajuda em vez de infligir medo e mesmo terror aos automobilistas? O medo nunca foi bom conselheiro nestas questões. Conheço condutores que adquiriram traumas fóbicos ou de «fuga em frente» pelas inúmeras experiências desadequadas a que foram sujeitos pelo comportamento das autoridades. A polícia não faz por mal, acredito, mas a problemática das estradas, incluindo a mais iníqua das sinalizações dentro e fora das cidades, têm reunido um conjunto vastíssimo de comportamentos de risco a desabar sobre os condutores de viaturas ligeiras ou outras?
>Outro tanto se deve dizer quanto aos camonistas, entre o comportaento relativo aos ligeiros como no que se refere aos dispositivos de sinalização em viagem. Experimentei viajar de noite numa zona montanhosa de Espanha, onde fui encontrando vários carros pesados. Tais carros acendiam logo que se apercebiam da nossa presença, atrás, uma luz vermelha: assim eu era advertido de que não podia ultrapssar dadas as condições existentes. Pouco depois, o condutor do camião acendia o farolim amarelo, avisando-me que devia estar preparado para uma eventual ultrapassagem. Quando as condições estavam reunidas, o condutor acendia o farolim verde, apitando, encostando à direita e moderando a velocidade. Isto existe por aí? E será que não se percebe a vantagem (civilizada) do dispositivo?
>Não deverá a polícia distinguir o comportamento de acompanhar e coordenar o trânsito, em marcha paralela, quando são previsíveis grandes quantidades de veículos, das operações fiscalizadoras, propriamente ditas, aí sim, podemdo estar em brigadas estacionadas, em comunicação umas com as outras, usando de privilégio de mandar parar carros para verificar toda as condições que são devidas ao trajecto que o condutor esteja a cumprir?
Eu acho que basta pensar um bocadinho e asim evitar a repressão dantesca, com carros ilegais e multas de um valor absurdo, tanto para certos casos, como para o país, que não pode ser vampirizado desta maneira. O dinheiro ganha-se de outra forma. Penso eu (de que) e não tenho nenhum Boby...