terça-feira, dezembro 13, 2011

EXPERIÊNCIAS QUE BUSCAM A PARTÍCULA DE DEUS


LHC, o maior e mais potente
colisionador de partículas do mundo

O homem, pelos meandros das crenças e na positividade das ciências, jamais aceitou ficar só no Universo, sem estar preso às raizes de uma criação de si e das coisas em volta, até ao infinito. As posições a este respeito têm evoluído em vários campos de investigação, sobretudo no domínio da física quântica. A organização europeia de investigação nuclear (CERN) gastou mais de 10 anos para construir o LHC, o maior e mais potente colisionador de partículas do mundo, instalado num túnel de 27 quilómetros, debaixo do chão, a cem metros de profundidade. Está situado perto de Genebra, na fronteira franco-suiça. O LHC levou década e meia a conceber e a desenvolver, a construir e a montar, estando agora a operar, com resultados na física, desde Março do ano passado.
Esta estranha máquina, perante a qual a Ficção Científica parece coisa menor, tem em vista, por aceleração nuclear e velocidades calculadas para colisão de partículas sub atómicas, procurar o que a teoria parece ter estabelecido a fim de explicar o mundo material e as suas leis: a existência de uma partícula invisível, (como que não existente)a qual foi nomeada Bosão de Higgs. Na verdade, apesar de ter sido previsto há mais de três décadas pelo físico que lhe deu o nome, para explicar esse passo fundamental que é a aquisição de massa pelas outras partículas, o Bosão de Higgs nunca foi encontrado. Nas últimas décadas, os físicos do CERN procuraram sem descanso esta partícula. Isso tem sido feito através da colisão de outras partículas no Large Electron Positron, antecessor do LHC. Com este novo dispositivo e com as experiências nele desenvolvidas, os cientistas pensam encontrar, em 2012, o Bosão de Higgs ou, como se diz popularmente, a partícula de Deus.
Hoje será comunicado ao mundo o ponto em que estão as investigações após um total de quatrocentos mil milhões de colisões, havendo, segundo se crê, indicações estimulantes. A prova da colisão que se espera obter explicará uma cadeia de fenómenos capazes de sustentarem a aquisição de massa pelas partículas conhecidas e a ordem dos desenvolvimentos físicos, no espaço e no tempo.
Para alguns cientistas, aquela partícula infinitesimal, em colisão reveladora, será a própria coisificação de Deus, mesmo invisível. A relação entre um Deus impalpável e criador de todas as coisas com esta minúscula centelha capaz de desencadear a dinâmica das outras partículas e de todas as somas cósmicas em movimento. Sendo pouco, é muito ou é Tudo. Nunca passará de um símbolo, não de uma inteligência suprema na omnisciência e omnipresença consagradas por algumas religiões. O nome e a indução da descoberta são humanos, Deus também, mas a finita humanidade passará a dispor de um jogo inicial donde extrairá melhores indicações para a formatação de um como inenarrável para esta aventura em que acabaremos por desaparecer sem alcançar a transcendência de um pai universal.
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Dados extraídos, em parte do Diário de Notícias, textos de Filomena Nave

segunda-feira, dezembro 12, 2011

OS ESCRAVOS QUE NOS HABITAM A ALMA


cemitério de escravos em Lagos

Li num jornal, por acaso, levado pelo poder de atracção das imagens. Tratava-se da descoberta, em Lagos, de um cemitério de escravos, alguns enterrados sem grande cerimónia, os que morreram antes de partir, certamente, não os outros, porque esses nunca voltavam.
Creio que os negreiros que caçavam esta gente o faziam perto da costa da Guiné, era mais perto e bem mais rendoso. Trazidos para o sul de Portugal, os escravos, presumo ser necessariamente aí que os apuravam duramente no sentido de os valorizar em termos de comércio, do outro lado do Atlântico. Não vou confirmar nada disto porque, a partir da certeza arqueológica, o resto vem de longe dentro das nossas almas reencarnadas e hoje somos de novo testemunhos de mais escravatura, outra, menos regulada e mais aterradora. África ainda ganha o vértice da maioria, mas entretanto as coisas confundiram-se entre guerras e fomes e falsas independências. Os Tuiti e os Undo, há bem pouco tempo, mostraram-no à saciedade, entre notícias escorreitas, apesar dos corpos, em dois meses, terem obstruído um rio de importante caudal. Os escravos dos escravos, delineados em etnias, ainda sentem o direito à liberdade, agora não dos exércitos brancos, agora dos seus próprios irmãos de raça. É outro tipo de escravatura, quando é.
Na velha Europa em decadência, que talvez só agora esteja a reflectir e perda dos impérios e da decisiva mão de obra da escravatura, as relações humanas perdem em cultura o que ganham através de diversos tráficos, processo entre irmãos mafiosos, para trabalhos forçados nas quintas espanholas, enviesadamente na construção civil, ou para servirem, ainda tenros, nos negócios da expurgação e venda de órgãos logo prontos para entrega nos Centros de transplante.
Na imagem em baixo, o esqueleto mostra sinais de manietamento, embora essa prisão não tenha sido feita com objecto de metal, como correntes, mas muito provavelmente com cordas. Vários esqueletos foram encontrados assim no local. A descoberta arqueológica, dizem, é importante e abre vários campos de pesquisa.
E agora? Isso é relevante?
Estaremos perto de mais um património material da humanidade, assinado pela Unesco?
Porventura.

domingo, dezembro 04, 2011

PORTUGAL: A FRONTEIRA OCIDENTAL DA EUROPA



Foi Fernando Pessoa quem antecipou o que a geografia mostrava sem eufemismos.
Ele o disse, na mensagem da sua poética: Portugal é o rosto da Europa. A grande manobra financeira que veio sobrepor-se, entre perdas, à memória histórica e geográfica da Europa, tudo sob uma moeda única, o euro, diluídas as fronteiras, concentradas as nações na ideia de União. Era um dos mais arrojados projectos no âmbito da realidade contemporânea. Mas, para além dos grandes fundadores, os tratados sucessivamente instituídos nunca foram amplamente aprovados pelas populações; e o referendo, grande instrumento democrático, escassamente usado nos vários pontos onde a voz do povo deveria assim ser consultada, teve votações negativas, acabando pateticamente por ser repetido até que a pressão política se encarregou de desfazer a teimosia «de quem mais ordena». Aquilo que pode ser, bem, o colapso do capitalismo (pelo menos na sua forma actual) veio assolar o mundo sob o peso ruinoso da globalização. Era a crise. A Europa utópica tremeu. As assimetrias aceites em solidariedade e projecto de partilha passaram a secar no quadro das evidentes fracturas de interesse e grandeza. A incompetência dos políticos tornou-se notavelmente evidente, enquanto o chamado eixo franco-alemão (donde vem esta palavra?) se sobrepôs aos órgãos estruturais da União: Sarkozy e Angela Merkel uniram os trapinhos dos respectivos interesses e calendário eleitoral, multiplicando-se em encontros supremos, assíduos, após os quais aquele bizarro casal de trabalho (sem legitimidade institucional) declarava novas ideias e novas decisões. Merkel tem vindo a abusar dos avisos aos que revelem menos ordem e menos disciplina (só financeira?), sempre a insistir, em mero disfarce, nos países da periferia, logo chamados periféricos, coisas menores, gente pobre e sem capazes métodos de vida comunitária. Falou-se em abandono da periférica Grécia, da sua saída do euro, hipótese que parecia envolver toda a periferia, criando-se duas velocidades para a mobilidade progressiva da Europa. A catástrofe começou a ser anunciada, nessa ou noutras formas, como próxima.
O
mundo agita-se, os resgates de países em dívida denegam os princípios, e a Alemanha, discordando de tudo o que pode pedir-lhe um sacrifício solidário, ajuda à perda, às contradições silenciosas, ao reforço da ideia de uma periferia minimizada e talvez dispensável. No que mostra sobrepor aos outros uma ideia centralista das fronteiras políticas e geográficas deste grande espaço, no qual uma boa parte da história universal foi fortemente influenciada pelos países mediterrânicos, a sul, e pelo lado de Portugal e Espanha, sendo o primeiro, claramente, com toda a sua importância dantes e hoje, durante quase nove séculos, a fronteira (a costa) ocidental da Europa. E isto deve começar a entrar na cabeça da chanceler da Alemanha. É deste lado que muitas coisas foram outrora pensadas e executadas, devendo passar a haver mais treino quanto à ideia de mudança. Mudar tratados não é como mudar um copo de um lado da mesa para outro lado dela, pois dessa forma tudo fica na mesma ou muito perto disso. O que importa é fazer diferente. E para isso torna-se imperativo deitar para o lixo as instituições rapaces de notificação, porque esse é que é o reino da periferia mal escondida, que nos degola na maior conspiração de sempre. E não é uma conspiração da teoria, é o rompimento da ganância e das distorcidas áreas de corrupção. Antes que a Alemanha, e a própria França, fiquem cercados de periferias sem nome, os órgãos europeus devem tomar medidas de respeito mútuo, reconhecendo que à costa ocidental da Europa (fronteira secular e aberta ao futuro, pelo Atlântico fora) é parte importante da História do espaço de civilização avançada, pós colonial, este nosso caminho de ligação entre as Américas e a União, periferia dourada, incluindo a costa voltada a sul mas pertencente à mesma coesão geográfica.
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Considerações em torno de uma recente entrevista televisiva de Pedro Bidarra, defensor desta tese

sexta-feira, novembro 25, 2011

EDUARDO BATARDA, OBRA E SUAS MUTAÇÕES

EDUARDO BATARDA

Nasceu em Coimbra em 1943. Filho de professores universitários, começou por estudar Medicina. Mas foi na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa que havia de estudar pintura, passando depois mais três anos no Royal College of Arts, em Londres. Na década de 60, as suas aguarelas pop mexeram com o mundo artístico nacional. O seu humor corrosivo e a ironia acutilante traçaram um percurso que só veio a romper-se nos anos 80. De lá até hoje, cada vez mais monocromático e austero, Eduardo Batarda manteve a singularidade da figura fundamental que representa na arte contemporânea portuguesa. Depois de ter sido galardoado com o Grande Prémio EDP, Serralves dedica-lhe a partir do próximo sábado, dia 26, uma grande retrospectiva.
citado da revista Única do Expresso


As obras que deram a Eduardo Batarda um lugar súbito e relevante na pintura portuguesa, entre os anos 60 e 80, partem de representações pop, trabalhadas a tinta da China e aguarela, com recurso a uma iconografia agressiva, vinda sobretudo da banda desenhada e das conquistas da sociedade de consumo, vaidades vãs, adolfes pequenos, suásticas voando, céus líquidos onde os papagaios flutuavam, anjos toscos, sibilinos, além de abutres conjugados com bandeiras, larvas, heróis americanos, de lá ou da Inglaterra, em dissolvência com fantasmas das mitologias locais e jogos perversos já então anunciados.
Eduardo Batarda passou por se divertir com essa produção e é verdade que ainda o vi, nas aulas da ESBAL, riscando com destreza linhas surpreendentes e figuras ainda mais no suporte de papel. Bonecos de sarcasmo e figuras caricaturais, da finança, da política ou das forças armadas. Tudo em composições que abarrotavam de sinais e símbolos, esquartejadas pela ironia de um imaginário muito raro entre nós, mesmo quando o humor era pedra de toque da nossa cultura.


A partir dos anos 80, e tendo o artista assumido a docência na Escola Superior de Belas Artes do Porto, hoje, a par da de Lisboa, integradas como faculdades no Ensino Universitário, Universidades do Porto e de Lisboa. As grandes mutações da obra de Batarda começaram próximo deste ciclo. O artista passou a abordar o recorte de planos sobrepostos, aproximando-se de tons pardos e em continuidade. Essa sua produção está a viver de forma plena, mutável, embora não nos faça esquecer, nem a primeira parte deste percurso nem a grandeza dos espaços negros onde surgiam, a branco e de forma algo porosa, traçados arquitecturais, bolbos suspensos, esboços de objectos cuja origem nos agarrava de forma obscura, e ainda coisas da mecânica arqueológica, sempre num projecto inconcluso, corolas de flores perdidas.


Em recente entrevista concedida à revista Única, Batarda falou amplamente de si, procurando defender a sua viragem e a problemática que decide a sua pintura actual. Mas falou também da condição dos autores em Portugal, do esquecimento e das presenças mitigadas, ser ou não ser citado no art World, entre a análise acutilante do que é preciso fazer para triunfar e ter sucesso específico em Portugal. Ele não está esquecido, tem agora a sua grande consagração, mas é verdade o que diz no que respeita às cedências públicas e publicitárias, no trajecto do tráfico de influências que nos cerca todos.
Muito bela foi a sua homenagem ao trabalho da filha, a actriz Beatriz Batarda, bem como as afirmações destacadas de que acredita na literatura e na arte, em todas as coisas que o comovem.

quinta-feira, novembro 24, 2011

UMA PRIMAVERA DIFÍCIL NO NORTE DE ÁFRICA


Depois da Tunísia, reformatada em democracia, os países da região trovejam em nome da liberdade e da Primavera, na rangente e princial praça da capital da Síria, ainda na Líbia, outra vez no Egipto, onde se fala em duas revoluções, a primeira dirigida à queda de Mubarak, a segunda para exigir que o Supremo Conselho Militar deixe de vez o poder, entregando-o ao governo de transição e apressando as eleições para a Assembleia Constituinte. De novo a luta assimétrica entre o povo e um cinismo bélico dos militares que bombardeiam as multidões e anunciam actos mais significativos, em nome da ordem democrática, lá para Julho de 2012. Como se pode esperar esse engano? O que vemos na imagem acima é a luta da segunda revolução, é o sangue que salpica o pó e um derradeiro gesto na direcção de palavras escondidas que tombaram dos manuais de luta sobre o piso revolvido. Dia após dia, este povo quer ordenar, insiste em resistir, acredita nos exemplos já iniciados em volta das suas terras.
Estranhamente, a retirada Europa não sabe o que fazer de si mesma, nem que ordens pode derramar sobre antigas colónias, sonhos perdidos, vivendo agora a sua própria cotacão em torno do euro, alheia à solidariedade que apregoou e que recusa entretanto à proclamada União, entre uma Alemanha intrigante na teimosia da recusa e uma França que já se esqueceu de antigas humilhações.

O PATRÃO DOS PATRÕES, GREVE GERAL HOJE

Carvalho da Silva
cerca de 40 anos no poder

Não se compreende muito bem, sobretudo no domínio sindical e de acordo com a sua mobilidade própria, que este homem seja a figura de ponta no vértice de comando, Secretário Geral, há mais de 40 anos, na CGTP. Presumo que é votado pelos trabalhadores sindicalizados nos sindicatos dessa Central, em períodos regulares e regulamentados, numa ampla maioria repetida, sem adversários, nem mesmo de acordo com um sucessor que Carvalho da Silva fosse apontando, concorrente mais novo e mais apetrechado para encarar um sindicalismo modernizado. Desde há dias que as vozes tremendistas vão, como é hábito, anotando razões e possíveis consequências: greve geral «porque alguma coisa tem de ser feita». «Os trabalhadores estão indignados». «Muitos trabalhadores não vinham aos plenários; agora participam e vêm-nos perguntar se podem parar mesmo não estando sindicalizados» (F.Gomes, CGTP). «Há muita revolta e pânico». Os directores mantêm os privilégios e, para os outros, «toma lá os sacrifícios». «O governo tem tentado dividir os trabalhadores.» «O que deveria era mobilizar todos e dividir os sacrifícios de acordo com o que cada um tem. Mas não». «Se a greve não surtir efeito e se não se entrar em diálogo social a sério, as coisas tenderão a endurecer».
Este tipo de discurso não se baseia em verdadeiras análises
da situação, não tem uma consistente base científica, está estratificado no slogan e na gíria da ameaça. Daqui não se está a barafustar contra o direito à greve: o que se propõe é que os quadros se renovem e que a relação com os trabalhadores seja clara e pedagógica. Os patrões podem ser derrubados, em nome das bases, como diria Otelo, mas os problemas do mundo, neste século, vão ter outras exigências e outros níveis de profundidade, mesmo que a cultura e o equilíbrio social se diluam na massificação.

quinta-feira, novembro 10, 2011

JOANA SANTOS ÀS VOLTAS COM OS BRASILEIROS

Joana Santos

Por muito que os modelos comerciais destruam a verdadeira qualidade que as novelas podem ter, ao certo sabemos, contudo, haver em Portugal uma grande quantidade de actores potenciais ou de facto bons: os audio-visuais afundam-se em horas e horas de publicidade, o cinema está a ser atacado pelos corredores comerciais, o paleio do entretenimento, o gosto do público, tudo contra a expressão de maior profundidade, o vínculo a um património universal feito de autores e de obras sublimes.
Joana Santos distinguiu-se numa recente novela da SIC. Olhar o seu rosto quando mudava em silêncio a expressão de falso júbilo para um ódio calculado era uma experiência de grande absorção e interesse intelectual. É esse talento, essa medida, essa especial mudança de registo, que devemos louvar e cultivar. A arte de representar (no caso das artes temporais) deve munir-se de meios para criar referências cada vez mais nobres. A actriz Joana Santos foi considerada ideal para o papel de Júlia Matos, papel já assumido por Sónia Braga, na novela de de Gilberto Braga. A actriz portuguesa está naturalmente entusiasmada e consta que, na relação produtiva Portugal/Brasil, frequentará aulas e orientações para o seu trabalho. É certo que não confio muito nos brasileiros, apesar do êxito das suas telenovelas, e por isso receio que a qualidade nata de Joana Santos seja inquinada por lances e maneirismos infecciosos. O Brasil é um país que amamos, bem como, em geral, os brasileiros, mas a estagnação de novelas com bandas de som estereotipadas, cenas arrastadas para suportarem canções de fundo (afinal a morderem o primeiro plano), tudo isso, as misturas decorativas, as histórias dentro da história, Ad hoc, tudo isso, enfim, vai fazendo «escola» na nossa televisão, a TVI, a SIC. Há toda uma teoria para este campo de criação que está por explorar. Quanto a servir o prato de que o público gosta, isso é um simples embuste. O gosto educa-se, faz-se evoluir, não se cristaliza em modelos fossilizados.
A maior lucidez para Joana Santos, que já fez provas convincentes.

sábado, novembro 05, 2011

O HOMEM QUE ABALOU OS SENHORES DA EUROPA


directórios da Europa

Alguém disse, a propósito da crise em volta do euro: «Eles não sabem o que fazer. Mas a Europa só tem um caminho para sair do pântano da sua escassez e chefes menores. A Europa tem que ser refundada. Eis o que parece uma ideia acertada. Porque o desacerto em que se caíu é de tal forma profundo e desrespeitador das regras e instituições europeias, incluindo tratados, onde não se vê nada no fundo da caneca. A Comissão ou o Parlamento praticamente não contam para nada e o directório Merkel/Sarkozy ostracizam o que for preciso para defender a sua parte (parte de leão) e ditam ordens por sua própria iniciativa, sem que se saiba onde está o Presidente (talvez os presidentes) e que passos encobertos os leva aqui e além, lado a lado, com o seu ar patético e periférico, em demanda de novos arranjos, novos modos de manipular o poder. Entretanto, sempre em sufocação, a Grécia mal dava conta dos problemas internos, com uma direita quezilenta e indiferente aos procedimentos para uma verdadeira salvação, país da periferia (como os nórdicos gostam de chamar à malta que bodeja o Mediterrâneo e o Atlântico, a sul). Para essa gente, a periferia, que foi esbulhada da sua cultura produtiva, não tem importância nem verdadeiros direitos, irracionalidade que tem infectado a vida dos países em geral, enquanto a Alemanha mantém, subjacente ao seu projecto, relações com os países nórdicos e com todos aqueles que, tendo aderindo à União Europeia sem entrar no euro, são agora enteados do Poder Germânico, vendendo o que podem, governando independências, conservando o gosto pela soberania tantas vezes rasurada.
Perante as dificuldades da Grécia, guardando um tratamento imperial desse país doente, Sarkozy teve o destempero de dizerque a salvação do euro não passa por resgates inesgotáveis, enquanto a Chanceler da Alemanha vagia: «O euro pode viver perfeitamente sem a Grécia».
E de súbito, depois de reuniões à margem, preparatórias da intervenção no G20, a Grécia lança o caos e o pânico no mundo político e financeiro. Assim titulava o Diário de Notícias a sua primeira página do dia 2. Papandreou determinara um referendo que parecia poder perguntar ao povo Grego se concordava ou não com as novas medidas da troika ou se mantinha interesse em continuar no euro. E o pequeno país do sul (periférico e arruinado) pôs Sarkozy em sentido, com as sobrancelhas mais descaídas que nunca e a senhora Merkel a andar em círculos. Os chamados mercados, essa entidade obscura cujos centros técnicos e tecnológicos a comunicação social não tem coragem para investgar, fotografando monitores, decisores, nomeando empresas e gestores em forma de polvo, saltaram de irritação e medo. O euro está a ser destruído, para um lauto banquete, a longo prazo. De um momento para o outro, as tão faladas contaminações podem precipitar tudo, fazer explodir o euro e a Europa, pulverizar as próprias dívidas. É perfeitamente surreal como a chamada civilização ocidental, tão senhora de si e dos seus antigos impérios, cerra agora os dentes, puxa as orelhas aos seus próprios líderes (incompetentes) e estes convocam Papandreou a fim de lhe puxar pelos colarinhos e obrigá-lo a desdizer-se. Não pode haver referendo, o euro não pode ser posto em causa por um aleatório juízo popular. Ninguém esquecerá essa vingança ferida que Papandreou atirou à grande Europa, a dos grandes Mitos e Pequenos homens (entretanto). É que essa gente, pasmada como está, sem inciativa e capacidade refundadora, precisa afinal que a Grécia não saia porta fora e os deixe com uma virose de todo o tamanho.
Aqui se pergunta, por nossa conta, quando é que a Europa se regenera, se refunda, quando entra em verdadeira solidariedade e se liberta de tanta hipocrisia? Quando é que as verdadeiras democracias lutam contra os monstros do dinheiro, as empresas de julgamento AAA lixo, as caprichosas agências de rating a decretar níveis de miséria por toda a parte, no escândalo dos juros a 80%? E quando é que os grandes países, todos os emergentes fortes rebentam com todos os offshores, recuperando para o mundo os biliões de euros e dólares escondidos?
O que aconteceu entretanto, e enquanto a Grécia se encolhe e manobra saídas da sua actual tragédia, foi um aviso laminar. O pânico regressou às bolsas, coisa que podia ser varrida da face da terra, e que me perdoem os economistas tal heresia, pois quem somos nós sem bolsas, sem perdas de dinheiro e de valores por uma espécie de batota?
Mas veja-se: a Grécia apenas não ficou resignada com um perdão que a coloca permanentemente num limbo de indigência (disse Viriato S. Marques). Tudo está a serenar para uma pasmaceira de morte lenta (se não houver, dentro em breve uma luta a sério) e, como diz Vasco Pulido Valente, a «Grécia pode destruir não só financeira mas politicamente, a União Europeia. O que não deixa de ter uma certa justiça poética, porque a Grécia foi metida quase à força na "Europa" por puras razões políticas. Até Staline, na famigerada divisão que fez com Churchill do império de Hitler, reconheceu que 100 por centro da Grécia ficava para o Ocidente.» E hoje, depois das horas de desprezo e desespero, os europeus, por medo de um provável contágio, pretendem, seja como for, salvar os gregos de si próprios. (V.P.V.)
O pior é que a luz muda de valor, o tempo amortece a vista, e a dificuldade que o pintor sentia em fixar a beleza instantânea do marmeleiro (no célebre filme de Victor Erice), será maior para os europeus mal comandados, comendo dívida ao jantar, um champagne à mistura, vivendo à custa de um fundo monetário contrafeito pelos chineses.

quarta-feira, novembro 02, 2011

UMA NOTA CERTEIRA DE BAPTISTA-BASTOS

Alves Redol


A MEMÓRIA DOS AMIGOS | EXCERTO DE UMA CRÓNICA DE BAPTISTA-BASTOS

«O Governo deixou passar em escuro os centenários de Alves Redol e de Manuel da Fonseca. São dois dos maiores escritores da literatura portuguesa. Mas eram neo-realistas e, por isso, desdenhados pela miuçalha que voeja nos canais da cultura. E o Governo actual não é propriamente um arfante frequentador de livros. Basta ouvi-los. Aquela constante troca de expressão "competitividade" por "competitividade" causa apreensão. Enfim, a verdade é que qualquer dos dois autores nos legou uma obra incomum e algumas obras primas».

Dois livros inesquecíveis: BARCA DOS SETE LEMOS, de Alves Redol
SEARA DE VENTO, de Manuel da Fonseca

domingo, outubro 23, 2011

ARTE: NOTA MÍNIMA E INDIFERENTE A TANTOS

artista plástica Maria Dulce Bernardes

Um importante diário que se publica pela manhã apresentava hoje uma nota de cinco linhas sobre a última exposição da pintora acima apresentada.
A nota dizia o seguinte e da seguinta maneira: «Está patente até 18 de Novembro, na galeria da Ordem dos Médicos, em Lisboa, uma nova exposição de pintura de Maria Dulce Bernardes, intitulada "Reflexos em Cidades Alfa"»
É assim que a comunicação social trata uma actividade cultural que se agita, apesar de tudo, durante todas as semanas de cada mês. Não conheço a obra de Dulce Bernardes mas o respeito que ela me merece é inequívoco, quero afirmar desde já. O problema que se coloca, perante fenómenos raros assim, perante a infindável indiferença dos jornais por estas notícias, pode comparar-se à facilidade com que os Lobbies sempre triunfam em tal jogo de influências, de surpreendentes benefícios mediáticos. O problema reside também, contra tal insuficiência informativa, na atenção pueril que os jornais, quase todos, derramam em páginas e suplementos a propósito do eterno futebol, dos grandes acontecimentos verificados na Gulbenkian ou a propósito de algumas bandas que picam sobre o país com os seus gritos e a certeza de uns 30.000 espectadores em plena crise, e ainda acerca de certos artistas em que a aposta parece obrigatória, enfática, habitualmente anterior à própria abertura das respectivas exposições.
Já alguém se perguntou a razão deste estado de escolhas mínimas e indiferentes ou sobre o que dirão, de igual forma, os nossos jornais sobre a abertura de novas exposições (daqui a pouco) em Lisboa, entre 20 de Outubro e 18 de Novembro?
Há problemas ditos menores que revelam a ignorância de muitos directores e operadores de comunicação social; e isso é de facto inquietante, porque acontece num obscuro silêncio oferecido a centenas de escritores e artistas plásticos do país, a par da resignação a que se habituaram muitos cidadãos perante o uso da televisão por funcionários seus ao publicarem um livro, antes de qualquer apreciação por especialistas. Um ecrã assim prolixo e sem provedor deveria ser mais regulado quanto ao critério das escolhas aí apresentadas e como e porquê.

sexta-feira, outubro 21, 2011

A MORTE DE KADHAFI SOB A RAIVA IRRACIONAL

a ostentação do poder

instantes da morte de Kadhafi

A vida e a morte na plenitude das suas redundâncias, o poder patético, os golpes impiedosos de gente que nem a sua própria história percebe, embora a esteja, em tais instantes, a torná-la mais viável. Morto kadhafi, a Líbia pode aspirar a mudanças positivas, se os povos se entenderem quanto às suas necessárias formas de solidariedade constitucional. Hoje, as multidões festejam o fim do ditador. Gritam, enquanto disparam as espingardas para o ar: «Chamava-nos ratazanas, mas ele é que morreu como uma». E morreu em Sirte, sua terra natal, depois de uma perseguição que o fez sair de um esgoto (Fotos da AFO) onde se escondera a título muito provisório. Os revoltosos instaram com ele para que saísse, abrindo fogo. Então Kadhafi saiu da moldura redonda, segurando os símbolos da sua alucinação ditatorial: uma kalashnikov na mão direita e a pistola dourada na outra. Olhou para a esquerda e depois para a direita e perguntou: «O que é que se passa aqui?» Os rebeldes dispararam de novo, ferindo-o num ombro e numa perna, ataque que o fez tombar. Dois outros tiros atingiram-no no temporal e no peito. O assalto convulsivo ao corpo, com os batimentos mais diversos, é visível num vídeo amador, testemunha que de tanto querer mostrar, oferece-nos um hediondo desfoque de bocados do real, onde uma cabeça ensanguentada rola, é arrastada, aparece e desaparece. Há mais tarde um documento de vídeo em que um homem inanimado e seminu é arrastado pela rua. Fotos da AFO mostram um jovem transportado em ombros por outros homens e ostentando a pistola de ouro que pertencia ao ex-líder da Líbia. Na cadeia destes acontecimentos, vários líbios pintaram a spray grafitis em volta dos canos, junto à auto estrada, em que Kadhafi se recolhera. Algumas palavras dizem: «Aqui escondia-se a ratazana Kadhafi. Deus é Grande».
Esta versão dos factos é «contradita» por um outro vídeo em que se vê Kadhafi ensanguentado, ainda vivo, a ser batido e empurrado por rebeldes junto de uma carrinha pick-up. São fragmentos temporalmente distintos mas não distantes. Há uma informação de um rebelde que assistiu a tudo e declarou à BBC que Kadhafi foi atingido por alguém com uma bala de 9 mm.
Pouco depois das primeiras imagens, na sequência da montagem televisiva, foi possível ver imagens do cadáver já limpo e que mostravam um ferimento de bala na têmpora. Os médicos que acompanharam Kadhafi na ambulância declararam que ele morreu com dois ferimentos de bala, o primeiro na cabeça e o segundo no peito.

Todo este detalhe, baseado em jornais de hoje, dia 21, sobretudo do «Diário de Notícias» não procura vilinizar o homem, nem mesmo a convulsão dos circunstantes. Pela minha parte, sei que a maior parte destas questões acabam assim, sem dignidade de parte a parte. Vimos isso com o tratamento na selva do corpo de Savimbi, rolado sobre cartões, cheio de pó e sangue, filmado pela voragem impiedosa dos que se «livravam» de um herói e o mostravam indigno de si mesmo. De resto, o assassinato de Ceausescu, na Roménia, dado quase em directo pela televisão, é outro exemplo eloquente de tais casos. Ninguém desculpa a vida sangrenta e genocida de tais figuras, mas a grandeza de os julhar, mesmo a título póstumo, é respeitar os seus despojos. Não é vão nem pueril escrever estas palavras: o mal não está só nesses personagens, está em cada homem, mesmo quando não o parece. E não inventamos a cremação para acabar com os nossos concidadãos, já mortos, como a Inquisição acabava com antepassados nossos, vivos e na fogueira.


detalhes do ataque final a Kadhafi


Savimbi exposto às moscas, como peça
de caça que vai ser avaliada e esquartejada

sexta-feira, outubro 14, 2011

APESAR DA EUROPA, A PÁTRIA NÃO MORRE

António Barreto

António Barreto, figura grande da cultura portuguesa, que participou em governos pós-25 de Abril, Professor e intelectual com importante recorte filosófico, pronunciou-se há pouco sobre a situação de Portugal na Europa e a fragilidade quase abismal em que parece termos caído. Dir-se-à que é um pessimismo recorrente, ainda que justificado. Ora o dr. António Barreto, no seu lamento, disse que Portugal poderia vir a não ser um país numa Europa diferente e, presumivelmente, reformada. É caso para perguntar se a Alemanha, configurada depois do nosso país, teria direito a continuar a ser o que é. Vasco Pulido Valente, na sua coluna Opinião, anotou o efeito de desagrado que tais palavras terão provocado em certas pessoas. E, embora não conhecesse todas as palavras da intervenção de Barreto, colocou algumas hipóteses. Seja como for, ainda disse não ter percebido «com toda a clareza onde ele queria chegar. Mas percebo, pelo menos, que não percebi nada. Há três possibilidades. Ou o dr. António Barreto se esteve a referir a Portugal como nação, ou seja, como entidade cultural, e, nesse caso, não tem razão ou se estava a referir Portugal como Estado soberano, e, nesse caso, desde o século XVII que não tem razão. Ou ainda se estava a referir-se à autonomia económica de Portugal, e, nesse caso, nunca teve razão.
«Na primeira hipótese, é óbvio que dez milhões de portugueses, com uma língua única, uma literatura erudita, uma religião maioritária (e pacificamente aceite), uma história comum, um império de que restam respeitáveis vestígios (como, por exemplo, Angola e Brasil) e sem qualquer diferença étnica notável formam uma nação. Nenhuma outra unidade política nos quereria absorver. Seriamos sempre uma fonte de conflitos, pior do que os flamengos na Bélgica e muito pior do que os bascos ou os catalães em Espanha. A nossa separação, sólida e formal (não escrevi: independência) garante a tranquilidade dos vizinhos. As nossas desordens domésticas devem ficar rigorosamente domésticas.»
Pulido Valente analisa, com a mesma pertinência as outras hipóteses que colocou para contraditar o fim de Portugal profetizado por António Barreto. Bem vistas as coisas, é fácil fazer tais afirmações de apagamento, porque o próprio planeta já não está muito longe de poder albergar uma espécie em vias de extinção, o Homem. E não se aponta aqui para uma catástrofe demográfica natural.

sexta-feira, outubro 07, 2011

ARRUMAR O IMPÉRIO NUM CAIXOTE DE RETORNO



Dulce Maria Cardoso

Vinte anos depois de ter passado à «disponibilidade», entre as primeiras tropas regressadas de Angola, reuni apontamentos tomados nas viagens pelos Dembos, apontei a memória a tudo o que estava então bem arrumado no meu espírito, escrevi o livro «ANGOLA 61, uma crónica de guerra» e a "Contexto" arriscou a publicação, numa altura em que havia ainda poucos testemunhos daquela terrível descida aos infernos, a despeito da sua beleza, com excepção da inicial prestação escrita de Lobo Antunes. Eu já tinha, portanto, assistido ao regresso compulsivo das populações das colónias, a famosa ponte aérea, os dramas e as tragédias daqueles que chegavam todos os dias, muitos esperando porventura os caixotes enviados por via marítima, cidade de madeira que tantas vezes visitei em Alcântara. Dulce Maria Cardoso decidiu uma aventura ainda mais densa, baseada também nas memórias e no sofrimento daqueles tempos, pois agora, 40 anos depois (embora haja escrito outras peças de verdadeiro interesse testemunhal e literário), publica O RETORNO, o «primeiro caso sério de reflexão literária sobre os 500 mil retornados que aterraram em Portugal em 1975.» Vinda de Angola, a escritora foi um desses retornados, mas neste seu livro não pretende «um ajuste de contas» com o passado. José Riço, no «Público», anota que a escritora, noutro sentido, talvez procure um ajuste de contas com a sua própria obra, a anterior. Citando Dulce Cardoso, sente-se o que já muitos disseram, de outros modos: «Era-me muito penoso visitar o passado. Eu vivi parte dos acontecimentos que a personagem principal narra, portanto tive de revisitar esse passado, e também o outro que ia descobrindo. E isso magoava-me. Mas não era isso que me impedia de escrever. O que impedia era não ter encontrado uma proposta de reflexão. Foi um tempo de muito sofrimento para muita gente, e eu não queria usar o sofrimento sem que a ele estivesse associada uma proposta de reflexão».
O problema aqui enunciado pela escritora foi também sentido no meu caso: só vinte anos depois é que tudo ficou claro, certos acontecimentos transformada em alegoria, o visível e o invisível no bater dos corações sob o medo e um dia sob a melancolia das distâncias relembradas. Quanto à entrevista concedida por Dulce Maria Cardoso ao jornal «Público», não é fácil segui-la sem voltarmos a sentir nas mãos o pó das picadas e na memória as imagens multirraciais que povoavam, em gritaria de crianças brincando, as cinco estrelas do Altis.

BASTAM SETE PRÉMIOS NOBEL PARA A SUÉCIA?

O Prémio Nobel da Literatura, em 2011, coube ao poeta sueco, Tomas Tranströmer, quase um desconhecido para a grande maioria das pessoas. A escolha é falhada: um homem traduzido, é certo, mas apenas com 15 obras durante a sua longa vida e feitor de uma poesia que não se pode comparar com a qualidade do nosso Herberto Hélder. É difícil concordar com a afirmação de que Tomas Tranströmer tem uma obra vasta e é o maior porta vivo sueco. Mas para além dos grandes talentos vivos da Suécia, há muitos outros, e maiores, fora da Suécia. A poesia regressou ao Nobel, mas, pela nossa parte, estava aberta, descaradamente, a porta da Academia. A Suécia já tem, apesar do frio e da vida sedentária dos génios nas suas ilhas, sete prémios Nobel. Há aqui uma estranha assimetria e o gosto de Academia cada vez mais informado sobre o gosto no mundo.

MORREU STEVE JOBS, E TALVEZ COM ELE A MAGIA

grafismo do «Público»


«Morreu o homem que transformou as máquinas em objectos íntimos», título de hoje, no jornal «Público». Em certa medida, o homem da APPLE, parecia confundir-se com a empresa que fundara, humanizando os computadores, criando aparelhos únicos. Transformou-se ele mesmo num outro, um ícone que mordeu a maçã e assumiu essa suprema sabedoria. Os diversos modelos dos aparelhos criados e aperfeiçoados pelo seu espírito, vivem certamente numa sequência cinética depois da sua morte. Mas um grande número de admiradores começa já a duvidar que o espírito transmitido por Jobs às suas criações se mantenha por muito tempo. O mundo consumista tem razões caninas imparáveis e banalizantes. Imaginem a maçã em vermelho sobre preto ou adocicadas variações tonais conforme o «gosto» das pessoas.

quarta-feira, outubro 05, 2011

COINCIDÊNCIAS VOLUNTÁRIAS, UM LIVRO RARO


Um livro que se recomenda a todos os que gostam das artes e das letras, mesmo que, para isso, tenha de telefonar para a editora, aproveitando, enquanto pede o envio do livro, para protestar pelo facto de uma obra deste tipo não tenha lugar (pelo menos à vista) em Lisboa. Aproveitamos para publicar um pequeno excerto, talvez bastante para aguçar a vontade de «intervir».

«Tenho a manta sobre as pernas, os dedos frios, e uma dor nas costas que me anuncia, sobretudo nos dias húmidos de inverno, os desacordos do meu corpo com a Natureza. Olho para o texto que sobra no écran, já alinhado, e coloco o queixo sobre os dedos erguidos e dobrados da mão direita, talvez para saber se tem algum préstimo, mesmo em jeito de rascunho, escrever assim um atalho na direcção da alma ou da memória lacunar, coisa repisada de notas antigas e depreciadas.
Revisitação, escrevi no início. Mas é sobretudo um exercício contra a perda, as mãos separando papéis, fotografias, livros anotados, rascunhos de actas sem data, projectos inacabados de visitas verdadeiras, porventura a confirmação de que avistadas em certos lagos significam ainda, ao sul, um apelo utópico de solidão e permanência, contra a morte».
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autor Rocha de Sousa, Editora Edita-me, rua Barata Feyo, 140-Sala 1,10
4250-076 PORTO
tel: 965393431

quarta-feira, setembro 21, 2011

MORREU JÚLIO RESENDE, BEM VINDA A SUA OBRA

JÚLIO RESENDE 1917 | 2011

obra prima de Resende (Ribeira Negra) talvez
a nossa condizente Guernica

anos 50 | 60
neo-realismo e reforço expressivo

uma certa lembrança de Chagall

a evolução para um «impressionismo» diáfano

Homenagear Júlio Resende em vida, perante a sua obra mais recente, luminosa e pacificante, era para todos nós um dia de festa. Não só atendendo às obras, grupos de pinturas abertas e leves, memórias de viagens, entre os trópicos, próprias de quem sonha pelo mundo, com o mundo, como sempre se resolveu em concordância com o tempo e as ideias passando. Resende assumiu um percurso forte nos anos cinquenta, abordou o neo-realismo e as sínteses expressivas que se lhe seguiram, desempenhando, ao mesmo tempo, um importante papel como docente da Escola Superior de Belas Artes do Porto. E acompanhou importantes personalidades desse seu tempo «inicial», autores como Carlos Ramos e António Pedro, Augusto Gomes, Barata Feio, Dórdio Gomes, Lanhas, Camarinha, entre muitos outros, atravessando várias gerações -- as de Ângelo de Sousa e Eduardo Batarda, por exemplo.

Júlio Resende foi um dos maiores autores da arte portuguesa contemporânea, influenciou muitos pintores, receber condecorações e prémios. Nunca insistiu em quaisquer oportunismos daí derivados. Tinha uma personalidade ao mesmo tempo forte e amável, com ele sentia-se o afecto da voz e das formas de estar ou de dialogar. A sua arte libertava-se cada vez mais, chegando aos breves apontamentos a pastel e em torno dos povos que visitava, sobretudo Cabo Verde e o Brasil.
Daqui volto a rever Júlio Resende, um espírito tranquilo e sensível, um professor com quem tive oportunidade de trabalhar, em júris das antigas Escolas de Belas Artes e já depois, em actos de avaliação nas Faculdades, entre os doutoramentos e a anterior agregação. A sua actividade integrada não se limitou ao espaço académico. Ele trabalhou para o espaço público e colaborou nas buscas cénicas do Teatro Experimental do Porto. Viajou e viu gente de «outros lugares», esboçando a sua vida e muito da realidade antropológica envolvente. Numa das suas vindas, em serviço, a Lisboa, fui levá-lo ao Hotel e ali estivemos horas em amena cavaqueira, com ele aprendendo a sentir o que pode ser a arte e a importância dos afectos na qualidade dos métodos pedagógicos. É comovente relembrar essa noite. Como é comovente rever o dia em que apresentei uma exposição numa galeria do Porto, dia chuvoso, pouco público. E de súbito, amparado por uma pessoa de família porque ferira um pé, a visita de Resende, o gosto de me ver e de ver as minhas obras que pouco conhecia, tudo numa nota de superação do desconforto e de pontuação atenta do tempo a par da arte que passaria a pertencer à sua memória estética.

Estes foram os Mestres. Estes conheceram bem o fio das regras no plano da liberdade

sexta-feira, setembro 09, 2011

UM BELO CINEMA PORTUGUÊS CEGAMENTE BANIDO

Cisne, filme de TeresaVillaverde
Belíssimo desempenho de Beatriz Batarda

Desde 2006 que Teresa Villaverde não filmava uma longa metragem. Desde «Transe». Agora aparece «Cisne», uma obra em que Beatriz Batarda interpreta a personagem de uma cantora em crise íntima. Menos «pesado» do que em peças anteriores, sobretudo «Mutantes», Teresa conseguiu gerir por completo as vertentes de uma realização deste género: o filme passou na terça-feira, dia 6, no Festival de Veneza, na secção paralela Horizontes, e, surpreendentemente, estreia-se já, hoje, quinta-feira, em Portugal. Esse «fenómeno» sopra nos distribuidores, nos intermediários, em todos os contactos, por vezes obscuros, que as próprias artes, todas, carregam sobre as costas. Teresa lembrou-me a minha própria aventura, quando fiz filmes que só vieram a lume nos circuitos universitários, não tendo nunca, em volta, um simples aceno de alguém que os achasse transferíveis para nova realização profissional, pronta a aceder aos circuitos profissionais. Nunca soube os naipes das cartas nos secretos jogos de fascínio e influência do nosso liliputiano meio financeiro, das alavancas culturalmente capazes de abrir espaços, entre a criação e vários planos de oportunidade. Digo isto a propósito de obrazinhas que fiz em solidão, desde a produção, o financiamento, os actores, a escrita do roteiro, as filmagens, divindindo-me em fotógrafo e realizador, depois em editor, em curiosos zelos de montagem e finalização, ou seja: trabalhava como director executivo do som e das bandas musicais.
Não estou a fazer o meu auto-elogio, embora pareça. Estou a rever fascinações que me são agora,
a um nível de outro peso, por Teresa Villaverde: ela fez tudo do princípio ao fim, imaginando esta bela viagem, assumindo-se realizadora e câmara, a par do trabalho de edição e do som, incluindo, por fim, distribuir a obra (três cópias apenas), tanto em Veneza como em Lisboa. No plano a que ela trabalhou, superando a crise, merece que a olhe mos com atenção e na bofetada enluvada que foi espalhando pelos perfumadas instituições, Estado, Lobys, Figuras do dinheiro e do tráfico destas mercadorias -- um horror que emigra das grandes capitais e manipula o público português, aquele que se deixou cair no lado rasca da cultura e que ainda se dá ao luxo de misturar o colonialismo guerreiro, monopólios, com as serenas reflexões sobre a condição humana e os erros do árbito.
O cinema de Teresa Villaverde sempre de configurou numa aproximação dramática, senão mesmo trágica das vidas no limite. Mas, neste seu último filme, uma certa pacificação abrange a teia de conflitos existenciais em torno da personagem central. Não sabendo explicar muito bem porquê, a autora chama a atenção para questões relativas aos níveis etários em filmes como «Os Mutantes» e o actual. No anterior, as figuras de crianças ou gente de uma puberdade ferida, eram confrontadas com a fealdade do contexto, a degradação dos dias e dos lugares. Em «O Cisne», sem que a base do humano passe pela inspiração de alguém, a realizadora lida com pessoas mais velhas, o que tende a um caminho mais reflectido ou a lutas interiores mais controladas. Vera, assumida por Beatriz Batarda, é desde o início uma cantora. Tal facto não aparece cristalino, mas a verdade é que ela escreve as suas canções, Villaverde vive a sua vida, a suas inquietações. Quando Vera está no palco, Beatriz dirige o que há para dirigir, gera uma fonte de angústia.
No «Cisne», diz-nos Teresa numa entrevista que deu ao Diário de Notícias, o meu entendimento com Beatriz foi enorme, muito profundo e construtivo. Ela trouxe muita coisa ao filme, uma energia muito dela, e tornou possível uma calma que me permitiu escrever durante a rodagem, refazer materiais, mudar diálogos.
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Estas breves impressões baseiam-se, em parte, na entrevista referida, com Eurico de Barros.

domingo, agosto 21, 2011

A EUROPA ONDE VOLTAM A MANDAR OS MESMOS


Chegámos a casa embrulhados em papel de jornais, papa já quase reciclada sob a flagelação da chuva. A ideia de ver e ouvir a senhor Angela Merkel e o senhor Sarkozy, ali convencidos do que diziam, e diziam pouco, não foi grande coisa, embora os anúncios nos indiciassem novos métodos a fim de travar a derrocada da Europa, tão outra relativamente à inicial e aos grandes homens que a pensaram. A congregação multiforme mas numa união solidária surgira mais no início, antes da concepção do euro. Tudo configurava outros modelos de avanço comunitário, assente noutros pilares e numa linha perspéctica de contextualização relacional humana, quer de um ponto de vista político, quer em ordem a dimensões económicas e sociais. Pensava-se então numa mais equitativa repartição dos tempos e fundos ligados ao pagamento das dívidas soberanas, algo que mereceu uma veemente recusa da senhora Merkel, em plena conferência pública, comunicação assumida por ela e pelo Presidente Francês, um ao lado do outro em sínteses que faria sorrir em prosa o fundador Delors, figura angular do verdadeiro espírito da construção da Europa, perante um mundo e forças demográficas ou económicas a que era preciso fazer frente, reafirmando a harmonia e a paz.

Sarkozy e Angela Merkel

Esta Alemanha tem que se lhe diga, teve sempre, e bem se recordaram algumas personalidades de verdadeira grandeza no país como, depois da guerra, houve nessa área manejos na linha de especiais, negócios, créditos e engenharias financeiras, criando expedientes para seu crédito, algum tempo depois da guerra, contornando regras de produção. Este tipo de «agilidades», projectando-se na realidade industrial e na economia, à margem do que que faziam as outras potências, porque conservavam princípios éticos que a situação havia aconselhado, ao contrário do que fizeram os alemães.
Significativamente, enquanto recusava a ideia dos eurobonds na televisão, viram-se saltar da boca de Merkel partículas de saliva: ela parecia nervosa porque advogava primeiro a disciplina e certamente já ouvira comentários aos disparates inerentes às ideias que apregoara, sempre colada a Sarkozy. Sobre os chamados eurobonds, onde alguns economistas advogam potenciais e positivos efeitos, Merkel remete o problema para uma década de distância. Excita-se: «que querem de nós aqueles que nos apontam tais caminhos, o das obrigações europeias, agitando trocas em benefício dos trabalham menos, processo que nos impediria de castigar os que se orientam com pouca disciplina»
Esta senhora, contrariando a estabilidade de Europa com a centralização de poderes, aliás partilhados com os franceses, determinou a criação de um novo governo para a Europa, taxas sobre operações financeiras (bolsas) e dois presidentes que se reuniriam duas vezes por ano com o governo, incluindo um segundo ministro dos negócios estrangeiros.






















Ninguém percebe a invenção de um novo ministro dos NE da UE, a enquadrar porventura no tal governo do dueto, aliás possivelmente em regime de passear pelos tais países periféricos, com as suas imposições, com os seus alarmes. A crise acentua-se em todo o mundo. Os governos do futuro, ainda infederados e vítimas de grandes massas de poder exógeno, dilacerando as utopias e as constante renovações de penúria, estarão ameaçados de perder as suas âncoras de relação solidária, estruturas mal reguladas pelos peixes gigantes dos grandes fundos marítimos. Delors sorri. Não haverá mais a ideia do mil anos para a Europa unida em certo sentido. Delors sorri. Alguma vez a Europa poderá consolidar um projecto assim, comportando-se entre assimetrias e complexas fugas às massas humanas que emergem do sul e do leste? O projecto de uma forte e consequente área de civilização está de pé em muitas consciências mas esboroa-se noutras. A ideia inicial passava pelo número de ouro e pela estabilidade onde convergiam ciências, artes e gestores de sociedade, homens sábios e do espírito. Disfarçadamente ou não, os povos continuam a querer mais meios financeiros, mais poder, mais delírio consumista. E quando tais povos somam mais de metade da demografia do planeta, incapaz da minimização dos sonhos autofágicos, bizarro seria que alguma coisa se salvasse.
Na Europa, eventualmente num lugar assimétrico e pacífico, com um plano técnico e de excelência, todos os governos e sábios convidados devem reunir-se para resgatar valores e projectos em perda, tratar de ratificações e rectificações, em larga reconstrução de novo começo, livre de burocracias obsoletas, de planos risíveis como vimos há pouco de um casal impetuoso e divertido, algo bem dirigido contra os rápidos atritos entre ricos e pobres, atritos do sonho e tendo em conta as graves humilhações que rapidamente se instalaram na chancela dos documentos sem fim.
Ao contrário, as apodrecidas periferias da Europa, ideia xenófoba que os aristocratas do Norte dizem abanando cada vez mais a cabeça. Esquecem-se que a pobreza, há anos situada abaixo do Norte de África, já se encontra acima do Mediterrâneo, proeza que os próprios sistemas ricos, de orelhas tapadas pelas peles dos desportos sumptuosos e caros. Acabarão por deixar-se mudar ao acaso e a a Alemanha terá fronteiras sem nada em redor, sozinha, periférica de si mesma diante do pântano de que falava António Gueterres. Os alemães serão vítimas da sua própria grandeza (o que já aconteceu por mais de uma vez), vivendo ainda os gostos e os abusos da civilização global. Tudo o que cresce assim, enterra-se no lixo e contrai doenças novas. Obama que o diga, parece um esquecido grande jogador de basquet isolado e fora de moda. Sentir-se-á fustigado por gente que não sabe o valor dos lugares e das culturas, sem perceber o sentido da geografia humana, da saúde, dos mercados regulados a sério e fornecendo ao indivíduo não apenas crenças e mitos mas sobretudo o espaço da Educação vivida também para fora e fornecendo ao indivíduo uma espécie de criação de sortilégios, no bom sentido, ou seja a fecundação dedicada a quem somos e não ao consumismo que nos impingiram e nos vai destruindo.

sexta-feira, julho 22, 2011

UM ROSTO NOVO E ESTIMULANTE NA REPÚBLICA

Assunção Esteves, nova presidente
da Assembleia da República Portuguesa

«A primeira mulher a integrar o Tribunal Constitucional entre 1989 e 1998, foi eleita Presidente da Assembleia da República. Deputada pelo PSD desde 1987, foi eleita para o Parlamento Europeu em 2004 e hoje, com mais de 80% dos votos, tornou-se a Primeira Mulher eleita Presidente da Assembleia da República e a Segunda Figura do Estado, com o aplauso unânime das bancadas parlamentares. Está de parabéns Assunção Esteves, a Assembleia, todas as pessoas que valorizam a cultura de mérito e, por razões por demais conhecidas, as mulheres, a quem dedicou este momento: em especial às mulheres anónimas e oprimidas... Portugal, todos os seus cidadãos registam, em particular a frontalidade e harmonia desta personalidade excepcional, e agradecem a sua escolha, desejando-lhe as maiores felicidades.»
Como se pode ver, em muitos aspectos, entre os principais, Portugal assume por vezes actos nobres, escolhas lúcidas, entregando à cultura e à razão de uma das suas mais notáveis cidadãs o segundo mais alto cargo da Nação. Não se trata de um louvor, trata-se de uma especial subtileza.