quinta-feira, agosto 30, 2012

UMA CIVILIZAÇÃO DO DESPERDÍCIO E DA BELEZA


fotografia de Miguel Baganha

Desde que apareceu no firmamento das artes visuais em Lisboa, Miguel Baganha pintou e fotografou, acedendo a galerias, iniciando uma aventura hoje tão difícil e agarrando o sentido  da experiência, interagindo entre o ver e o fazer em dois campos fundamentais das artes da imagem. No caso presente, há uma ironia e uma tragédia, desde a ideia que envolve utensílios do quotidiano, cruzetas, formas de plástico amolecido, em monte, e a memória de um certo belo horrível que ainda emerge das valas comuns da última Guerra Mundial, documentos de milhares de corpos nus assassinados metodicamente nas câmaras de gás. O uso daqueles materiais  precários,  ferramentas de plástico, não basta para cumprir a modernidade, a instalação original: é preciso, fundamentalmente, entrar com isso no domínio dos conteúdos de referência ou metáfora, o mundo da simbologia inerente à própria vida espiritual e cultural da Humanidade. Aquelas matérias e elementos, convocados assim, podem resvalar para uma prática populista, mera curiosidade de  efeitos frívolos, ao contrário do que se espera na instauração da forma artística lugar de comunicação no qual valores estéticos e conceptuais responsabilizam a mensagem como sempre aconteceu nas diversas civilizações ao longo das épocas,  sentido dos sentidos inerentes à realidade humana.

sábado, agosto 11, 2012

FABRICO DE MENINOS MORTOS PARA MÃES CEGAS

olhem primeiro para estas crianças:
estarão a descansar, algumas a dormir
ou todas mortas por serem fictícias?

Não é fácil aceitar tudo o que as grandes indústrias das falsas necessidades nos impingem, desde um porta-chaves com horas e sinais sonoros incorporados até crianças fictícias para ajudar mães cegas de amor ou de frustração, talvez apenas maníacas dos jogos da moda. Colocam à nossa disposição brancas de Neve e Bruxas, Batmans e Super Homens, livros electrónicos e telemóveis que cantam as nossas canções preferidas. E porque não bebés de vinil, realistas, hiperrealistas, à escala real, acabados de nascer (mortos) ou sorrindo e susceptíveis de lavar (sem vida)? A fantasia das nossas cada vez mais comuns falências chega a este limite de non sense, produzindo filhos inviáveis que certas senhoras estéreis ou saudosas do seu próprio corpo compram e tratam a fingir, vestindo-os como se fossem passear em carrinhos no jardim do bairro. A invenção pagável do homem chegou ao ponto cego de superar Deus, manipulando os homens e as mulheres até se enganarem com falsos filhos que vestem, fazendo ressoar o seu coração a pilhas, para que os falsos iludidos se deleitem com maiores ilusões. As crianças que morrem lá longe, ou ali à esquina, podiam fazer melhor encenação; e a segurança social que as sequestra e que não incentiva a sua adopção, em processos bem semelhantes aos da Inquisição, melhor seria que enterrasse os bonecos, ursos e bonecas de borracha, vestidos com trapos e meias rotas.
Entre os artigos que saíram tratando este ímpio fenómeno, um deles diz: «Trocam-lhes fraldas, dão-lhes biberões em dias de frio e investem em cadeirinhas de segurança para os poderem transportar de carro.» Uma senhora diz no seu blogue: «A minha bebezinha é a coisa mais linda do meu mundo.» O amor desta mulher brasileira, a caminho dos 50 anos e com dois filhos adultos exprime-se agora através do seu Bebé de vinil, que veste e trata com desvelo: «Os meus filhos ficaram mais felizes e mais iluminados depois desta bebé».
Esta barbaridade sem nome, que explica muitos desvios psicológicos vindos da nossa colossal civilização de embustes e objectivos dissolvidos no dinheiro e na futilidade, chega assim a um novo pico de loucura, como se não bastassem as odiosas e incultas barbies. Agora, pela técnica reborn, um novo sucesso  entra nos bolsos do mundo das frivolidades e das neuroses coloridas, entre meninos e meninas pretos ou brancos, a dormir ou mortos à partida.
Que é que andamos a fazer às pessoas e com a sua cada vez maior falência irracional?

terça-feira, agosto 07, 2012

VERSALHES, JOANA VASCONCELOS E A LOGÍSTICA

Publiquei aqui, há tempo, um comentário sobre a exposição de Joana Vasconcelos em Versalhes e sua alegada projecção de Portugal além fronteiras. Indústria cultural importava pouco, dizia-se por cá, o que conta é que ela derrame marcas lusitanas sobre o mundo. Ora eu não venho desdizer os meus pontos de vista, os quais apontam para uma projecção portuguesa mais substancial, aberta e pluralmente qualificada, como acontece com alguns dos nossos cientistas.
Seja como for, ouvi pela televisão uma análise ao excelente trabalho de montagem da equipa portuguesa que apoiou Joana, à logística impecável nas soluções e a todo o envolvimento de comunicação que chegou a vergar os franceses mais cépticos. Esse aspecto é relevante e quero acentuá-lo para que o meu olhar seja mais justo e mais completo.