sábado, dezembro 21, 2013

ACORDO ORTOGRÁFICO: FALSO AJUSTAMENTO

Miguel Sousa Tavares

Quando tentou cumprir o acordo ortográfico toda a sua imagem
ficou gravemente poluída por sucessivas perdas de corpo e alma

Cumpre-me saudar este jornalista e escritor por se ter mantido fiel à língua portuguesa. Ele sabia que uma língua, que é uma alma viva, não se «actualiza» na secretaria, com dicionários em volta, nem sob os imperialismos que bamboleiam a fonética lusa do outro lado do Atlântico.

     como lidar com estas palavras:
setor  |  sector

No primeiro caso, é claro que se trata de uma anómala abreviatura feita nas escolas, quanto ao professor, pelos alunos:  
Setor, como é que se transfere para o AO a palavra percepção?
Setor, porque é que está errada a palavra sector na frase sector dos arquivos arquitectónicos?

Miguel Sousa Tavares acompanha sempre a sua crónica no Expresso com uma nota final que reza assim: "Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia."

A Assembleia  da República tinha agendada para ontem a «apreciação» de mais uma petição contra a entrada em vigor do Acordo Ortográfico -- escreve aquele jornalista.
«Não sei bem o que possa significar, no léxico jurídico-parlamentar, uma «apreciação». Mas tratando-se do AO, não tenho dúvidas de que os deputados continuarão a fazer tudo para evitar uma votação. Alguns deputados (...) talvez se tenham atrevido a dizer que, de facto, ninguém quer o acordo entre a lusofonia -- nem Angola, nem Moçambique, nem o Brasil; ninguém em Portugal, que trabalhe com a língua (escritores, professores, editores, jornalistas) quer ou entende para que serve o AO, excepto umas raras sumidades académicas que não existiriam sem esta oportunidade; que, do ponto de vista linguístico, o AO é um delírio de aberrações e idiotices que nenhum dos seus defensores consegue sustentar numa discussão séria; e que, até juridicamente, o AO não pode entrar em virgor pois que o expediente inventado para o fazer sem o número requerido dos seus signatários viola o próprio tratado que o instituiu. Mas a maioria dos deputados aposto que terá ficado calada e não terá mostrado qualquer interesse na questão; uns por ignorância do que está em causa; outros porque acham que já é tarde para voltar atrás; outros porque acham politicamente correcto este acto de submissão colonial ao Brasil -- (onde os poucos que estão por dentro da questão sentem desprezo por nós); e outros, talvez a maioria, porque não está para se chatear com o assunto, E o assunto é apenas a defesa da língua portuguesa, que é um dos indicadores fundamentais da nossa identidade e da tal soberania, que Cavaco, Portas e Passos Coelho tanto apregoam. Também não encontro palavras para descrever a violência que é ver como a arrogância de tão poucos e a indiferença de tantos se consegue impor, por inércia ou por cobardia, a todos aqueles que fazem desta língua maravilhosa que herdámos o seu instrumento de trabalho. Quem lhes deu tal direito?»

esta crónica, de Miguel Sousa Tavares, foi citada do
jornal Expresso de 21-12-2013

quarta-feira, dezembro 11, 2013

MORREU NADIR AFONSO, ARQUITECTO E PINTOR DE ESPAÇOS ONDE A GEOMETRIA SE TORNAVA PAISAGEM E SONHO


    Nadir Afonso,
    Arquitecto e pintor


Nadir Afonso Rodrigues nasceu em 1920 e faleceu hoje, dia 11 de Dezembro de 2013. Iniciou os seus estudos de arquitectura na Escola de Lisboa (Belas Artes) ainda segundo os termos da reforma de 32. Muito dotado para o entendimento das problemáticas relativas ao domínio das disciplinas do espaço e da cor, diplomou-se em arquitectura e trabalhou com Le Corbusier e Oscar Niemeyer, personalidades do conhecimento do  mundo, aliás de grande relevo no século XX. Além do mais, Nadir empenhou-se desde cedo no campo da representação votada ao espaço, à pintura, à memória urbana. Estudou pintura em Paris, tendo assumido uma aproximação de trabalho com Vasarely, o criador da arte op, além de personalidades como André Bloc e Fernand Léger. A dinâmica cinética devida aos estudos de Vasarely inspiraram bastante Nadir Afonso. Ele é visto, justamente, como um dos pioneiros da arte cinética. Daí, em boa medida, ter sido autor de uma teoria estética, publicando diversos livros nos quais sustenta que a arte é puramente objectiva e regida por leis de natureza matemática. Ele defende a ideia de que a arte não é um acto de imaginação mas de observação, percepção e manipulação da forma. Muitas vezes, esta tese envolveu ensaios contraditórios, sobretudo por não haver razão, nas razões apresentadas, para se excluir dos pressupostos indicados na teoria os factores derivados da imaginação.
Nadir Afonso foi considerado um espírito invulgar, mesmo em termos de reconhecimento internacional. Está representado em muitos museus e as suas obras mais famosas integram a série chamada Cidades, belas peças que, de início, o artista negava serem representações de carácter urbano. Em volta dele, na SNBA, num Salão de Arte Moderna, alunos de Belas Artes insistiam «não são mas parecem». E ficaram parecendo, brilhantemente até hoje, porventura pelos tempos fora ou da História. Lugares do mundo. Espaços onde a geometria se tornava espaço e sonho.

MORREU SOARES BRANCO, ESCULTOR E HOMEM AMÁVEL

SOARES BRANCO
Morreu no passado dia 4 o escultor Soares Branco. Tinha 87 anos e era escultor pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Escola onde leccionou durante largos anos, sempre nas disciplinas de índole artística ligadas à escultura e ao desenho. Era um colega sóbrio e de bom trato. Era um homem amável. 
Domingos de Castro Gentil Soares Branco foi aluno de Simões de Almeida (sobrinho) e de Lepoldo de Almeida, já na Escola de Belas Artes. Depois, concluído o curso, foi desenhador na Escola Médica de Lisboa, trabalho raro entre artistas com formação deste tipo. Foi então escolhido para Belas Artes. Ao longo do seu percurso como escultor foi 2º classificado do Prémio de escultura Soares do Reis, SNI. A sua obra teve altos e baixos, mas beneficiou de um tempo de encomendas que permitiu a muitos artistas desta geração desenvolver soluções de arte pública. Entre os colegas, Soares Branco foi sempre correcto e cumpridor, ganhando amigos mais novos à medida que o tempo passava. Tinha uma forte ideia desses valores e do fundo de artifício do seu diálogo com a Oficina.

quinta-feira, dezembro 05, 2013

MORREU MANDELA, ILUMINANDO A HISTÓRIA

Nelson Mandela

Morreu um dos seres humanos mais decisivos para que possamos apurar, com ele e depois dele, o verdadeiro sentido da nossa melhor natureza e do futuro. Prémio Nobel da Paz, preso durante longos anos por defender a paridade entre os homens, os seus direitos sociais e espirituais, no respeito pela grandeza civilizacional. Foi presidente da África do Sul, num testemunho exemplar, admirado por todo o Mundo. Contra a separação das raças e a discriminação perversa entre os povos, Mandela será sempre um símbolo maior da Humanidade, marcando para sempre o Continente Africano no sentido de honrar o fundo dos seus diversos materiais, em harmonia de perfil e partilha. Nelson Mandela, cuja raridade se conjugava com a força ética, fou e será um dos mais poderosos símbolos da luta contra o regime segregacionista do Apartheid, sistema racista, sem rosto, oficializado em 1948. Mandela foi um inimitável na sua postura de negação dessa força absurda, combatendo sobretudo através do seu perfil moral, ou, como disse o Presidente da ONU, «um dos maiores líderes morais e políticos do nosso tempo.» Morreu a 5 de Dezembro de 2013.

quarta-feira, novembro 27, 2013

FRANCISCO CONDENA CAPITALISMO QUE EXCLUI


PAPA FRANCISCO
 
Os efeitos ou defeitos da Globalização estão a verificar-se numa extensa e preocupante crise mundial, a par dos desastres principais provocados pelos homens (de todos os níveis civilizacionais) em todo o planeta Terra, paisagem anunciadora de uma espécie de apocalipse em futuro não muito longínquo, na atmosfera, nos oceanos e nos continentes. Uma medonha ideia expansionista, em todos os sectores das comunidades humanas, tem contribuído, entre guerras, para a hipertrofia das tecnologias, antigas e de ponta, armamentos devastadores, ódios entre povos, má gestão dos territórios e das suas relações que deveriam pugnar pelo equilíbrio, bom senso e harmonia. A inteligência humana, sem dúvida considerável, tem pouco a ver, infelizmente com os perfis da personalidade de cada homem, aspecto sem medida e sujeita aos mais aterradores sinais de mutação, para o crime, para a luta por posses insensatas, para ganhos em monopólios capitalistas em constante ideia de concorrência, quer legal quer ilegal, desde uma simples dose de heroína a um qualquer arsenal de armas nucleares com o poder de destruir por completo tudo o que nos foi dado, não se sabe porquê nem para quê -- menos ainda por quem.
Perante a actual situação do mundo, das várias crises em todas as latitudes, sociedades empobrecidas e grandes estruturas de produção falindo em cadência impensável, o Papa Francisco, personalidade singular e cuja ideia para o seu magistério se tem revelado aberta, dirigida à sensatez das comunidades e da própria Igreja Católica, tem elevado os níveis de intervenção e proposta quanto a uma melhor forma de encarar a vida solidária e os sistemas estruturais de organização social, moderna, contida sobre os valores de espírito e reservada relativamente aos brutais consumos, ao gigantismo do capitalismo que exclui, que gera terrorismos e assimetrias infernais.
 

A exortação evangélica «A Alegra do Evangelho», assumida pelo Papa Francisco, lembrando os termos que fundamentaram o Cristianismo e a consequente Igreja, convoca a ligação espírito e homem, define uma posição que consagra os lados positivos de um regresso às origens, lembrando mesmo o sentido da reforma protestante no século XVI. Francisco mostra claramente que as forças espirituais (na área do Bem) só podem condenar um «capitalismo que mata». E Francisco diz: «A crise mundial, que investe nas finanças e economia, põe a descoberto os seus próprios desequilíbrios e sobretudo a grave carência de uma orientação antropológica que reduz o ser humano apenas a uma das suas necessidades: o consumo.».

 
EXCERTOS de A ALEGRIA DO EVANGELHO
 
Uma economia que mata vem da exclusão e da desigualdade social. Não é possível que a morte por enregelamento dum idoso sem abrigo não seja notícia, enquanto o é a descida de dois pontos na bolsa,
 
Enquanto não se eliminar a exclusão e aa desigualdade dentro da sociedade e entre os vários povos, será impossível desarreigar a violência. Acusam-se da violência os pobres e as populações isoladas dos meios e dos processos de relação. Mas, sem igualdade de oportunidades, as várias formas de agregação e de guerra encontrarão um terreno fértil para que, mais tarde ou mais cedo, se verifiquem violência ou a explosão da tensões.
 
O Bispo de Roma declara-se, por inerente competência, a permanecer aberto às sugestões tendentes a um exercício do seu ministério que o torne mais fiel ao significado que Cristo pretendeu conferir aos outros perante as necessidades e maiores privações de valores humanos e espirituais.
 
Estes dados concorrem para um acerto com a ideia, entretanto validada pelas vozes inconformistas, de que a força exercida em todo o mundo pela finança, pelas orientações económicas, pela obsessão do valor espúrio da competitividade e pela força colossal das fontes hegemónicas que especulam com o dinheiro, através de empréstimos à escala dos países, gente sem rosto, defendida atrás de agências orwellianas de notação, operando como num jogo vídeo, dão corpo às maiores vilanias travando créditos, subindo sem regras os juros, face escondida de um capitalismo do terror e da assimetria.
E sobre isso pondera Francisco:
Quando a sociedade -- local, nacional ou mundial -- abandona na periferia uma parte de si mesma, não há programas políticos, nem forças da ordem ou serviços secretos que possam garantir indefinidamente a tranquilidade.
 
Um velho a quem penhoraram a pensão que usufruía, podendo ajudar dois netos, suicidou-se, deixando um recado não se sabe a quem: os desertos são chegados.
 

sábado, novembro 23, 2013

CUIDADO, ESTÃO AÍ A VIOLÊNCIA E A DITADURA


Mário Soares, memorável Presidente da República Portuguesa, sempre recordado com respeito, reacendeu a sua força política, com mais de oitenta anos, e tem barafustado contra a situação do país e a "delinquência" do actual governo. Reunindo uma multidão de cidadãos (e muitos admiradores) na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa, Soares abriu a sessão com um discurso de dez minutos no qual exprimiu a ideia de que a Nação, vergada à Troika, caminha para o abismo, está perto de entrar em violência, a qual poderá banir todo o governo sem piedade, a par do perigo iminente de se estabelecer no seu lugar uma  nova  Ditadura.
«Mário Soares considera que o actual Governo ignora o texto Constitucional, trivializando palavras alheias ao repetir que a Constituição, apesar de estar nela consagrado o direito ao trabalho, não é por isso que ela nos assegura esse valor. As privatizações, segundo o ex-presidente, são a venda do país a retalho, e os cortes das pensões põem o Estado Social em causa. Para Mário Soares, todos estes males, num gesto de acuso fulminante, devem ser anulados justiceiramente com a mera demissão do Presidente Cavaco e do Governo de Passos.
A grande bonomia de Mário Soares desfez-se assim, sem  aviso nem cortesia.
Cavaco já protegeu mais a Constituição do que o próprio Soares ou o saudoso Sampaio. As iras e as palavras vãs deste nocturno congresso pela Constituição,  Estado Social e Direitos Humanos concentraram-se no absurdo convite feito  ao actual Presidente para que se demitisse e levasse com ele o próprio Governo: assim, como na estapafúrdia quadratura do círculo, logo se percebeu que aquela radical demissão, preconizada por Soares, logo instalaria no país  um tempo sem Lei nem Roque, condimentado por um novo PREC e enterrado em bancarrota, abandonado pela Troika, reduzido a negros orçamentos de cêntimos. Há palavras sem sentido, inconstituconais, que não se devem pronunciar, sequer ao vento da metáfora e da maior onda nazarena. As revoluções não se desarmam nem armam à paulada. Violência produz insanidade e não gere nenhuma verdadeira salvação. De resto, naquela noite, na Aula Magna e a propósito da justeza de alguns combates fonéticos, não havia a menor brisa de Ditadura. Apesar dos dislates dos partidos da maioria e da oposição.
Terá Mário Soares razão, justamente numa altura complicada, em vésperas de tanta coisa nem boa nem má, coisa nenhuma, como se deduziu da luta anunciada por Pacheco Pereira? Outrora morno e de sono sábio, o político Soares grita em nome de uma vaga de fundo. Jedi vinha ajudá-lo e foi descansar com o velho profeta e ainda grande «animal político». Ele o disse: «esta é uma questão de patriotismo e de consciência. O povo, espantado, não se julga em condições de arcar com mais guerras e pede justiça, todos o sabemos.» Jedi, o génio do bem, vindo do fundo das estrelas, acalma os ânimos e fica por ali, à espera da Troika, para nos defender das receitas baseadas em feroz e eterna austeridade. Francisco, do Vaticano, também espreita e faz perguntas. Os partidos envelheceram e já está na forja um outro, para melhores e mais fecundas coligações. Mário Soares, ainda antes do fim do ano, terá de falar para o seu Partido Socialista, do qual o povo começa a desconfiar, achando-o já sem credo nem gente maior. Oremos.



CUIDADO, SOARES AVISOU-NOS: A VIOLÊNCIA ESTÁ A
CHEGAR, ABRINDO CAMINHO A UMA NOVA DITADURA

********************************************************************************

domingo, novembro 03, 2013

AS CONTAS ORÇAMENTAIS E O ESTADO SEM CONTA

 
 O corte no dinheiro não serve qualquer projecto de reforma do Estado

 
   Após o corte

Depois da longa e atormentada viagem das facadas genocidas sobre a espantada população portuguesa, cada vez mais pobre e cada vez mais refém de uma Europa de volumosos Tratados  incumpridos e contraditórios, as pessoas das classes mínimas encolheram-se nas dívidas, entregaram à finança as casas e os bens que haviam adquirido ao abrigo das promessas de Bruxelas, aliás após a ventania das regras de abate de barcos de pesca, vinhas, fruta não calibrada e luzidia. O mar todo à nossa frente, oceano dos oceanos percorridos pela Nação até aos cinco continentes, e os barcos estilhaçados em troca não se sabe bem do quê, nem marinha mercante, nem apoio aos portos. Muitas plantações foram dizimadas em nome de um futuro cotado e melhor, dinheiro, enfim, na mão dos pobres aceitantes, sobretudo os trabalhadores da agricultu- ra, tesourada e rapidamente desabitada. Era uma espécie de reforma ou um ataque à soberania do país: porque tais medidas só podem ser tomadas caso a a caso, científica e sociologicamente. O corte, assim, assimétrico, assemelha-se a roubo, não favorece nenhuma União. Entre nós, o deserto aumentou, os pobres deixaram o chão, julgando-se ricos, e bem cedo contemplaram as mãos vazias, cada vez mais velhas e de novo vazias.
O dinheiro veio, às pazadas, mas não era para aqueles a quem a gorjeta, na avaliação por baixo das suas culturas, já definhava entre as couves meramente caseiras. E veio o alarme, a emigração, o famoso plano de ajustamento, uma espécie de estratégia para empobrecer o país e fingir que, dessa maneira, algo sobrava a fim de se pagar a dívida soberana. Os soberanos eram os Credores, de súbito agarrados a altos júris, trato de agiotagem global, redes de anotação e mando sem conversa sobre os países mais despojados. Era, e é cada vez mais, uma invenção maquiavélica, lá para os lados da América, enquanto a  Europa, gerida de esguelha, entre resgates manobristas e absurdos, nada fazia de semelhante para olhar mais de perto os triplos AAA, os CCC e o lixo. Um jogo infantil que desertifica os espaços verdes e obriga a vagas de fugas, quer do dinheiro, quer das pessoas.
Mas agora chegou o novo orçamento do Estado (em Portugal), feito pelo governo que tem andado a trabalhar para nós, esvaziando casas e algibeiras, sem conseguir objectivamente pôr ordem no déficit e retornar a um crescimento capaz de reconverter em parte os equilíbrios. Sugerindo haver já uns ténues sinais positivos na economia, vestígios, não sinais, o novo orçamento é mais do mesmo, uma fortuna sem nome obtida por cortes nos salários e nas pensões, mesmo pensões que já foram cortadas e que vão baixar em cerca de 50% do que eram. Não tem sentido, se o que retiram de outros lados mais institucionais não passa de um décimo do outro balúrdio, ou coisa parecida. Isto acontece, em boa medida, porque os Mamutes do dinheiro, desde longe, conquistaram a política e meteram-lhe uma arreata ao posto de pedra em São Bento. E nada disto foi medido a par dos efeitos colaterais: baixa-se uma pensão em mais 10%, depois do IRS e dos outros cortes, mas permite-se que os velhos e novos proprietários de prédios para arrendar possam inventar rendas que sobem sem pudor 500 ou mais por cento, igualando-se aos proventos exteriores do arrendatário. Ninguém tem de pagar os erros dos senhorios, se eles compraram casas a 8% de lucro, às vezes prédios inteiros, e não reconverteram nada disso perante as mudanças estruturais da sociedade, ficando à espera de um governo liberal que os libertasse sem responsabilidade. Os despejos (palavra que diz tudo e se associa a fezes) vão tocar a muitos, as filas já começaram, o desespero também.
Com este orçamento, os sinais ténues de crescimento vão afundar-se de novo e Portas terá de recolher aquele papel primário a que chamou projecto para a Reforma do Estado. Como é que um homem que tantas vezes escreveu com propriedade e oportunidade no Independente, hoje capaz de interessantes trocadilhos com o significado das palavras, boa dicção, cultura apreciável, nos vem entregar um mísero esbocete (também dito guião a propósito de nada) que se propõe ser dedicado à Reforma do Estado. Aquilo talvez sirva para um papel teatral, frases programáticas e ditos curtos como réplica para o futuro. Chega  a  parecer  um  exercício  liceal baseado, sem  verdadeiros capítulos  ou  geometrias de organogramas com leituras interactivas, consolidando conteúdos, funções, objectivos principais. Soltam-se os rouxinóis e uma grande percentagem do que é dito procura consolidar os ditames já assentes ali, afinal andamento do programa orçamental e de um futuro programa do governo. Nenhuma Reforma do Estado se extrai daquele documento. 
José Seguro, da oposição PS, continua a baralhar as palavras e as teimosias, porque um contraditório inteligente, de alternativas coesas a desfazer neoliberalismos duros, lentos, mastigados no baixo serviço da língua e dos contratos e da cultura, poderia abrir apelos, despertar algumas mentes e a pobre taxa de sucesso em que se encontra.

segunda-feira, outubro 21, 2013

CRÓNICA REVOGÁVEL DA CRISE SOBERBA

uma imagem que atormenta o homem
uma imagem que atormenta o fim do homem

fila de autocarros na passagem da ponte
 25 de Abril, manifestação da CGTP

19 de Outubro 2013, em Lisboa

Há cada vez mais faladores falando nas televisões sobre as lamas que elas próprias vomitam e transmitem, entre doses mamutianas de publicidade. São gente sem origem  ou sem rosto, marionetes da imprensa escrita e falada, opinadores das dúvidas actuais, embora capitalizando euros sem conta em volta dos conceitos medievais que os governantes do nosso país defendem com brio fundamentalista por causa da dívida soberana. Os faladores comentadores comentam falando acerca das sucessivas medidas cortantes que vão desabando sobre milhares e milhares de portugueses, funcionários públicos, novos e velhos, nos salários e nas pensões, tudo em massa e tudo pelas ordens olímpicas de credores encobertos, enormes, gananciosos, cuja tradicional corrente de créditos foi de súbito travada, um pouco por toda a parte, cobardemente, sob o jugo das famosas agências de cotação, claramente histéricas e nada subtis. Começou tudo onde teria de começar, nos EUA, entre fraudes financeiras indizíveis e pelo seu expansionismo negro a grande parte do mundo, já de si endividado e trocando as fronteiras pela cancerígena globalização. Os tratados que configuravam atrapalhadamente a União Europeia foram sendo esquecidos e as mãos alvas  da Alemanha e da França deram-se ao luxo de pensar e mandar por eles, os tratados, emitindo ordens, penalizações, níveis de deficit, planos "troikanos" de ajustamento austero e feitos de roubos benemértos, calculadamente. O mundo ardia sem perceber como, nós na linha de fogo, sem império, pobres antecipadamente pela ordem da Europa sobre os bens de trabalho e produção, barcos, searas, vinhos, mares, gente, terras ou culturas. Deram-nos dinheiro para restaurar patrimónios, infraestruturas, vias de rodagem, serviços, se calhar sevícias disfarçadas. E tudo recomeçou pela mão do Passos e do Gaspar e do Portas. Tinham tesouras fabricadas em Dresden, geriam cavalgaduras recentes, da JSD, JSDD, JSKD, entre outras. A linha liberal enrolou-se em voltas de lana caprina, afastando-se da coroa «grisalha», ministros do tempo de Mário Soares, antigo lider do PS e agora arauto da caverna da oposição, arredores dela, bramando palavras de apito, porque tudo é demais, até parece «delinquência». Já a esperança se esvai e a ministra das Finanças, esbelta de falas rápidas, diz que lá para diante tudo se arranjará. Logo os povos passaram a manifestar-se em oceanos de pessoas, descrendo de terem que passar fome para pagar em pouco tempo a dívida insana, com juros altíssimos, impróprios de qualquer civilidade, no conjunto somando o dobro ou o triplo da própria dívida, soberana e desalmada. Ninguém percebe nada, nem Deus.
Ora os faladores explicaram mal os casos normais de personalidades angolanas que, colocando dinheiro em Portugal, entre elas se desentenderam, accionando processos em Luanda e depois em Lisboa. As coisas andavam nas bocas do mundo dos dois países e hoje as gargantas desafinam, parecem falar de fanatismos clubistas. Rui Machete, nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros, ao falar na Rádio de Angola, adocicou o caso dos processos, que a fundo ninguém conhece, pediu desculpa por coisas mal entendidas e menores. Desabou tudo em blasfémias, o Jornal de Angola acusou os intelectuais portugueses de corrupção. E o hoje Estado Independente compra milhões de coisas na avenida da Liberdade, em Lisboa e arredores, porque em Luanda e em toda a Angola ninguém adjectiva feio. A grande fortuna do país, onde o povo gosta de muita gente de cá que fala português como eles e da sua diáspora por cá, como a nossa por lá. Oxalá os angolanos possam nivelar melhor as diferenças entre pobres e muito ricos, pois há nesse peadaço de África poder para isso. Eduardo dos Santos falou para dizer que as coisas por aqui não iam muito bem, coisa que é do mundo inteiro, incluindo Angola, a própria América ou a China. Os Agolanos que compram e investem largamente nas lojas luxuosas de Lisboa sabem bem dos seus irmãos bem colocados que vivem em Portugal, ocupando linhas de decisão e poder notáveis, muitos dos quais já sedimentaram para o futuro uma vida aqui. Falando simples, por mim penso que se a nós não cabe emitir lições de moral, a verdade é que Angola também não tem esse direito, nem todas as mãos são alvas, sem um torrãozinho de sujidade. Ninguém tem tal coisa assim, sejamos justos. Os nossos procuradores são vítimas da grande liberdade em redor, mas esse preço é minimizado, pois eles procuram zelar pela justiça, sem distinguir generais de soldados, entre melindres difíceis de gerir. Como se reclamou para iguais personalidades em Luanda. O discurso chantagista não deve acontecer nem lá nem cá. As escritas de ambos os lados devem esquecer os euros e os dólares e os quanzas, porque qualquer dia Deus acorda desta longa e suprema ausência, zurzindo toda a gente em todos os continentes. Acabará com o petróleo e derramará dilúvios para harmonizar os restos em bonomia, uma Arca de Noé para cada pedaço de terra. Já dizia a Bíblia, que foi sobretudo falada para adormecer os meninos maus vindos do tempo neolítíco, entretanto neo-liberal. Então, Obama, acaba com isto e os teus empedernidos republicanos. Olha que vamos todos terminar como talibãs.

quinta-feira, outubro 17, 2013

É PRECISO CALAFETAR A CARAVELA PORTUGUESA




Portugal criou as mais diversas embarcações, entre as quais as caravelas, belas naves de navegar e de que todos nos lembramos. Desenhámos e modelámos em bom pinho outras peças de maior calado, as naus, grandes veleiros que transportavam tropa, mercadorias e demais dentes através dos oceanos, o Índico, o Atlântico, ligando Lisboa a África, ao Brasil e à Índia. Sofreram muito os nossos marinheiros, edificaram-se fortalezas nos pontos fulcrais da costa deste império. Para os que governavam o país, entre a corte e os soldados, o povo, os camponeses, os que andavam por fora (sem comunicações céleres) sobravam um pouco os nossos primeiros imigrantes, emigrantes, moços que por vezes viviam povoando as terras, mandado nelas, casado com mulheres de lá, morrendo longe. Afinal como agora, numa altura em que nada nos resta dessa memória, tudo se foi esquecendo, até na Escola, tudo foi dando lugar à mediania, à República e à Ditadura. A Ditadura, ao querer honrar aqueles tempos, foi sempre incompetente na escolha dos artistas e dos monumentos, apesar de subsistir para todos (os que tivessem olhos) o mosteiro dos Jerónimos e outros casos assim. Mas era só para olhar, esquecendo. E o que foi mesmo para olhar, foi a Exposição do Mundo Português, que deixou sequelas, novas fantasias, novos academismos.
Estamos enfim na Europa, enganados mais uma vez, porque esse espaço é um antigo teatro de duas Grandes Guerras (com a Alemanha como adversário principal) e nunca aqui se ganhou um verdadeiro sentido de solidariedade, sendo mais uma vez a Alemanha o motor centralista de tudo, sem que os tratados funcionem, nem o euro, nem os resgates. E por isso Portugal, a quem abateram a frota pesqueira, a marinha mercante, grande parte da agricultura e alguns outros bens da nossa tradição e da nossa natureza, sendo afinal o verdadeiro rosto que a Europa tem virado para o Oceano a ocidente, está hoje empobrecido, abandonado por novas vagas de emigrantes, o casco roto, as velas rasgadas, a carga vendida ao desbarato, sem rei nem roque, sufocando pelas assombrações do Governo, na falta do dinheiro escondido, pelas fundações e institutos ou empresas públicas. 
Um dos nossos principais políticos desta viagem dita democrática, Mário Soares, foi tudo um pouco, redentor e Primeiro Ministro e Presidente da República, está entretanto na onda dos 90 anos e continua escrevendo e «descolonizando» tudo em volta. Não sei se recebe a sua reforma de Presidente nem o subsídio do Estado para a sua Fundação. É aventureiro ainda, muito depois de ter permitido, entre Governos Provisórios, que se consentisse na trasladação violenta da população branca que se encontrava em Angola, lá deixando bens, indústrias, tudo, e a isso chamando descolonização. Vê-se, com o devido respeito que nada disso aconteceu, basta ouvir o Presidente de Angola, Eduardo dos Santos e o Jornal de Angola que nos acusa de vivermos sob o mando de elites intelectuais corruptas e um garbo intolerável de paternalismo. Esta do paternalismo era do tempo das revoluções e das guerras pela independência. Já não tem cola, é preciso inventar melhor. E se Mário Soares, que o país continua a saudar, se esqueceu da necessidade de contenção ou da fala apropriada para tratar governantes nacionais e estrangeiros? Não seria bom que os rapazes do governo, a quem ele chamou  delinquentes, palavra juridicamente irrevogável, lhe  movessem um processo por difamação ou falta de respeito. Houve mais graças destas e pela parte do mesmo autor. Eu estou em desacordo com o Governo, posso chamar-lhe os nomes que quiser em casa, mas em público e publicadamente não me atreveria, apesar do mal que já me fizeram -- porque em nada vivi acima das minhas possibilidades, asneira que apenas cobre anteriores entidades de gestão e certos grupos de casino ou empreitadas deslizantes. 
Delinquentes? E os mercados? E as empresas de anotação? E os erros da Europa, o escárnio com que nos tratam os SENHORES do Norte? Essa dicotomia e o modo como um só país manipulou os destinos da Europa, impedindo medidas, convocando reuniões, passando ao lado do Parlamento e da Comissão? Que plano é este da Troika e que júbilo os nossos amigos europeus exprimiram perante o actual Orçamento de faca e alguidar? Eu acho sinceramente que a escala mamutiana dos juros da dívida, que a tornam impagável, deviam ter tectos de concertação internacional, porque os actuais, por qualquer minuto esquizofrénico dos mercados, são de um nível de agiotagem sem nome.
Um abraço ao Dr. Mário Soares: a perspectiva da sua linguagem de hoje deve ser corrigida. Porque este Governo pode ganhar pontos de desculpa e o senhor pode perder o nosso  antigo respeito. Ou então solicite a dos Santos para nos dizer se tem conservado bem o património que milhares de portugueses tiveram de abandonar, sem preço, à avalanche de gente que foi empurrada para uma estúpida ponte aérea, sem futuro nem passado. Falo da maioria, dos verdadeiros inocentes.

terça-feira, setembro 24, 2013

PAÍS SEM DINHEIRO E OS MARRETAS DO RESGATE

                                  Passos, o nosso Primeiro


Medina, o nosso Carreira


Medina Carreira, bom arauto das análises económicas e nunca pronunciador da mais vulgar descoberta de soluções substantivas, disse ontem que não há dinheiro, Portugal não tem dinheiro, e por isso é inevitável cortar segunda ou terceira vez as pensões dos que alguma vez trabalharam, sob tutela do Estado, para o país. Um amigo meu telefonou-me e disse-me que estava à beira da falência, porque a sua pensão de professor universitário tinha sido cortada logo no início do actual processo de ajustamento e iria, com os novos cortes, ficar reduzida a 1200 euros, o que colidia com o aumento irracional da renda da casa de 100 para 1000 euros, pelo que lhe restavam uns inacreditáveis 200 euros e ninguém acreditaria, nem as Finanças nem o Primeiro Ministro, que ele, sua  mulher e filho, pudessem ter no Banco apenas 5000 euros. Vivera tempos difíceis com doenças dos velhos pais, um a seguir ao outro, situação que o obrigara, além da bondade do Serviço Nacional de Saúde, a tratar em casa tanto a sua mãe, com um cancro irreversível mesmo depois das arrasantes quimioterapias, e o pai, três anos seguidos, com o pavoroso mal de Alzheimer.
Fiquei a pensar nisto e em muitas outras coisas semelhantes, no contraditório e selvagem mundo de hoje, um mundo sem razão. O Primeiro Ministro anda a meter medo a toda a gente, porque um novo resgate não é uma harmoniosa continuação do tal ajustamento: é sobretudo uma bruta reedição daquela  austeridade mítica, forma de arrasar equilíbrios, classes e patrimónios históricos e culturais. O FMI, que não aplica à prática as suas deduções técnicas dos últimos tempos, a ideia da austeridade bruta e rápida que apenas traz autodestruição, tem troikas metódicas, laminares, sem nenhuma perspectiva do particular e do humano. Nunca resolveria os equilíbrios que salvariam o meu amigo reduzido a 200 euros. Medina também não, a ronronar com piada e a mostrar evidências, obviedades: bem diz ele que basta fazer as contas. Ele soma e sobretudo subtrai. A troika subtrai, em nome de credores sem rosto, de mercados esquizofrénicos e irracionais, de gente que empresta dinheiro e tem depois um espaço sem lei, sem medida, para exigir o pagamento em dois anos, três anos, custe o que custar. A juros paranoicos.

sábado, agosto 24, 2013

O DELFIM E OS SÁBIOS DA LÍNGUA PORTUGUESA




«Andar a esconder adjectivos não tem sentido.»
  

SE QUER SABER MAIS CLIQUE NA PALAVRA 


sexta-feira, agosto 09, 2013

CORTES, DESERTOS E AS REFORMAS POR FAZER


Chegou uma nau muito atrasada, trazia mortos a bordo de mistura com especiarias para venda aos outros impérios, sempre através de gente de travessias curtas e distribuições gananciosas, entre a Inglaterra e outras monarquias do Norte. Portugal tinha um Império, sempre mal gerido, é verdade, mas cheio de invenções e batalhas e descobertas. Desta vez ficámos à espera, mordendo enguias e fulanizando eventos nobres, outros populares, actos ímpios da Primavera. Mas a Europa estava por moldar e só depois do século XIX se viu, no avanço da revolução industrial, qualquer coisa de jeito, uns comendo outros, uns separando-se dos outros, era quase a Europa, a Península ainda dividida do lado de Castela, Portugal unificado mas empobrecido, a nobreza caçando, pintando, com gente pela rédea ou fazendo empobrecer o rei por se apalaçar cada vez mais. E assim matámos um rei e empurrámos a República para a rua, partidos, lutas, criações modernas, barafunda como hoje e pouco depois uma ditadura entre brandos costumes, gente remediada ou pobre, pagando indústrias maneirinhas, continentes à nossa mercê mas caros de frequentar para sempre. E vieram as guerras da Europa, Primeira e pouco tempo depois a Segunda, a Alemanha andava cheia de si, até amparou o Hitler, um agente não sabe de onde, que proclamava que a raça ariana iria conquistar o mundo por um longo período de mil anos. Morreram quarenta milhões de pessoas, o Hitler suicidou-se, os países aliados ocuparam o país, logo se arranjaram para deixar o que era justo e pagaram para que a Alemanha se construísse. Assim foi e continua, a leste do grande projecto da União Europeia, agora a falhar sob a tutela de Ângela Merkel, senhora da antiga Alemanha de Leste e que governa a unificada Alemanha, mais a própria Europa, ajudando a dissipar as solidariedades e os tratados de há 60 anos para cá, de tal sorte decidindo com Sarkozy (que já foi) as grandes assembleias entre países do euro, ministros todos, eles acima de Presidente e Banco central, ordenando não sei como, desbaratando a construção em desconstrução e países arruinados como a Grécia, Portugal, Espanha, Itália, Irlanda, Chipre, entre os que disfarçam. Países em resgate, troika igual para todos, cortes a sangrar, gente a pagar impostos, duas, três vezes, um governo roubado da grandeza socialista, com Sócrates e o PEC 4 a perecerem na última maravilha dos combóios dos 300 à hora. Era o desvario de não perder a honra entre tanto boato e tantos recuos sob o disparar das línguas no vento das fugas.
Vieram o Passos e o Portas e o Gaspar, os principais mareantes da nau que afinal se afundava e que já estava nas mãos, pela terceira vez, do FMI, um plano feroz de empobrecimento do país para correcção do déficit e abrir condições para iniciar o pagamento da dívida. O país rendeu-se, de joelhos, alguns voltados para Meca, comunistas e sindicalistas ocupando festivamente as ruas com manifestações engalanadas e muitas palavras de ordem. Parecia o PREC sem Copcon nem o povo é quem mais ordena. 
Havia dois anos de pelintrice, Gaspar (finanças) falando cada vez mais em cortes, (cortes enormes, colossais) até se ter demitido com uma carta cínica, de falência pessoal e dedo apontado a outros como um cata-vento. A enigmática figura da entretanto nomeada Ministra das Finanças, Maria Luis Albuquerque, foi logo acusada (por uma palavrosa e ensandecida oposição) de génio do neoliberalismo. E logo ela foi chamada à «Comissão dos swaps,» ali foi espadeirada pela Ana Drago durante quatro horas, na mais impiedosa e humilhante batalha de palavras que jamais me foi dado ver. Pensei logo, porque o Portas já se demitira por não gostar desta gente e até do próprio teimosismo do Passos: isto vai mesmo para o maneta, dizia-se. Mas ainda não era a hora e o Presidente da República criou um jogo charada para os meninos se reunirem, incluindo o avesso Seguro (o homem que apitava eleições já), coisa que eles fizeram a contra-gosto, enquanto Cavaco saltitava soberania pelas ilhas Selvagens, cheias de ecossistemas e cagarras. Quando voltou só havia cábulas escritas, ouviu cada um dos parceiros, mandou que Passos reunisse o governo remodelado, revogada a irrevogável demissão de Portas: tudo feito em 24 horas e reiterado em 24 minutos.
Mas a malta comentadora, televisões, congressos, professores, toda a gente do Bloco e do PC, alguns independentes, todos barulhavam contra, governo podre, bancos exíguos, para a rua tudo, é preciso negociar a dívida, não aos cortes, que é isso de 4,7 mil  milhões de euros COMO  reforma do Estado?
Peço desculpa: era aqui que eu queria chegar: não há nada para fazer a reforma do Estado correndo com funcionários antes de se saber quantos os necessários, quanto custa refazer estruturas, ordem e graduação das gentes, o que fazem, para quê e para que país, incluindo uma constituição novinha em folha. Os 4,7 mil milhões é para o que quiserem (pagar juros, abrandar o déficit, juntar em espectáculo para recolher credibilidade nos mercados, tudo menos a reforma do Estado). O Estado é uma realidade nuclear do país, com a sua forma, a sua rede de serviços e prestações, tem de ser pensado, ajustado a um novo contexto e a novos objectivos, sobretudo desenhado, municiado, adestrado. Já ouviram falar em organogramas? O Estado não se monta sem ter primeiro o seu organograma e a narrativa técnica e filosófica dos seus conteúdos. Saber onde se organizam os pontos de projecto e decisão, os lugares da logística, os funcionários necessários e onde, no centro e no país em geral, com que ligações e mínimo gasto. Que serviços integra e presta. E, no fim de todo o projecto desenhado e narrado e calculado (quanto custa) poderá falar-se em números. E isto não deve ir em bruto para a Assembleia da República, onde se grita cada vez mais e os partidos cavam a própria sepultura na indigência teórica e populista a que chegaram. São clubes de futebol em dívida e a swapar jogadores. Fico nulificado quando vejo o bom Mário Crespo a ter no seu programa o tema dos swaps, durante oito dias seguidos, como agenda de trabalho, entre vozearias. A comunicação social atingiu, sem pensar a sério sobre nada, o vértice do pouco, sem reinventar os dados da reflexão.
E ainda uma coisa. Ao governo actual: se vão cortar pela segunda vez pensões, façam favor de ver se há constitucionalidade nisso. E sobretudo avisem por escrito as vítimas. Não recebi nada sobre tudo o que intempestivamente  me comeram de forma subreptícia e iníqua. em perda, enquanto os cortes da governança vieram sem notícia, deixando a fome alastrar pelas caves. É isto que querem fazer hoje. E as rendas? Não falo das PP. Falo das casas, habitação é um direito: as rendas têm de subir caso a caso, com percentagens que não matem mais gente e criem maiores assimetrias. Uma renda de 100 euros (prédio com vinte anos, duas assoalhadas, em Telheiras) não pode, é crime, subir para 1000 euros. Senhora Ministra das Finanças: gostei da sua velocidade a pensar e a falar com uma boa parte de razão; mas neste caso devia ser um pouco mais activa, picando os seus colegas e renegociando desde já a assombrosa lei das rendas.
Espero para ver. A nau que chegou ali perto do farol inclinou e parou: trazia mortos e vivos. E os vivos tinham salários cortados e em atraso, o capitão fora mandado fazer isso no «limite», dando apenas água aos desapossados jazendo nos porões. Em terra já fazem isso há que tempos, encolhendo os ombros aos que emigram cada vez para mais longe, para a enorme Austrália. E já viram portugueses doutores nos desabrigos de Detroit.

segunda-feira, julho 22, 2013

MORRE OUTRA CIDADE CENTRO MÍTICO DO MUNDO

                                                            


«Detroit já não é o centro do mundo»

Frase lapidar na gíria daqueles que assistiram à grandeza progressiva da cidade de Detroit, nos Estados Unidos da América, centro fulcral da indústria automóvel, exemplo de um certo modo de vida e da arranjo arquitectónico das novas cidades, aliás sobrecarregadas em altura e rodeadas de guetizações e fábricas ou monumentais armazéns de estruturas monolíticas, afinal frágeis, numa ideia do descartável e de futuras substituições através da implosão.
Estas estranhas transformações ligam-se cada vez mais com os modelos económicos e a mobilidade no voraz cuidado com o dinheiro. Tim Lee, Presidente da General Motors nas operações fora da América do Norte, foi o inventor daquela sarcástica caracterização da actual cidade de Detroit. Pode haver ali um quartel general, mas a cidade já não tem força nem poder para honrar a sua história e desagrega-se de forma patética, como todos vimos há dias na televisão, numa amarga fotogenia do abandono. Ali havia brilhante vida nocturna e força económica,  mais  de um  milhão  de  habitantes,  e  agora  as  autoridades  locais  esforçam-se o mais possível para dar algum sentido aos seiscentos mil cidadãos sobrevivendo ao desemprego/emprego. É a mistificação habitual, como entre nós, mercearias pinocas multiplicadas por vários países e com sede na Holanda, por causa de uns troques dos impostos. No caso aqui noticiado, há vários Estados Americanos, e até mesmo no México, onde a mão de obra é mais barata. A Chrysler, agora parceira global da Fiat, vai desenvolver cada vez menos produtos na sua matriz e priorizar modelos já consagrados na Europa. Cá está a Europa, velha de si mesmo, com um euro mal instalado e uma Alemanha a travar tratados e outras cintilações, por agora à espera de umas eleições em Setembro. E em Detroit, a sobreviver a todo o vapor, apesar de tudo e da anunciação dos desertos pós-civilização global e do dinheiro, a Ford cola-se aos Brasileiros e aos Chineses, prioridade aos emergentes e outras utopias assim.
Diga-se ainda: e a agricultura em volta? Enquanto a agricultura não chega, muitos empresários locais mobilizam-se para adaptar os  seus negócios à nova realidade. Que realidade? Antigas empresas montadoras, produzindo peças para automóveis, enfrentam a queda da demanda por parte de outros parceiros. Um senhor Walker disse há dias que decidiu abrir a sua logística e o seu projecto à agricultura, tornando-se o «maior produtor rural do mundo.» Compram-se áreas abandonadas e abre-se uma rede de dependências a partir da futura agricultura naquela zona, com mais empregos e abastecendo de perto a decadente cidade. Diz um tal Hantz: DETROIT VAI SER A MAIOR FAZENDA URBANA DO MUNDO. 
Não importa mais nada. Oxalá ele enfrente a globalização sufocante, com dez milhões de chineses recomprando terras e enlameando tudo com um novo o arroz feito por pobres que enriquecem na conquistas das próprias arábias. E anda Portugal a julgar-se devastado e periférico quando é o maior país da Europa, com uma plataforma marítima imensa onde há de tudo, até chineses com guelras. Habituados aos serviços, os portugueses emigram para trabalhar sob gabinetes de néon e fazem agricultura biológica. Já nem lutam pela sua maior riqueza (O MAR) e, embora sábios da engenharia náutica, deixam-se governar por governos que até Sines esquecem, bem como todos os estaleiros que poderiam florescer nesta faixa de terra abandonada para os lados de Espanha, sendo afinal, olhando para o Oceano, o verdadeiro ROSTO DA EUROPA. Fernando Pessoa o disse. Mas era um poeta e não vivia na Linha.

sexta-feira, julho 05, 2013

A CRISE E O NERVOSISMO DOS COMENTADORES

CONSTANÇA
Esta senhora não é funcionária pública e parece não correr o risco de ir parar à imensa multidão dos desempregados em Portugal. Mas se é uma profissional de comunicação televisiva, agora com bastante trabalho como comentadora política, a solo ou coordenando debates, então é urgente que se contenha nesta última situação, interrompendo os participantes e metendo em cunha perguntas a despropósito. Por outro lado, embora o ecrã de televisão seja carinhoso com ela, a sua intervenção individual mostra-se nervosa, demasiado afogueada e com falhas de respiração. Sem ofensa, parece que a estação onde trabalha possam dar-lhe oportunidade de reciclar a sua formação vocal e o modo como deve ritmar e colocar tanto a voz como a qualidade gestual da sua  presença.

quinta-feira, julho 04, 2013

MAIORIA GOVERNAMENTAL OU MINORIA MORAL?



No limite mais extremo da situação precária em que Portugal se encontra, a depender do maior bom senso e cada vez menos das idiossincrasias  partidárias e pessoais,  Paulo Portas quis seguir a ruptura, esquecendo-se de atar a corda ao pescoço. Mandou apenas um bilhete como o senhor Vitor Gaspar. O PÚBLICO disse: «surgiu ontem ao país como o arauto de uma causa justa, a do crescimento que o chefe do Governo quer arruinar. Mas bastaram 24h para se perceber que as suas palavras representavam mais a imprevidência do que a sensatez, mais a irresponsabilidade do que o sentido de Estado. Feitos os estragos, Portas apresenta condições para manter o Governo, mas sabe-se que o faz mais por instinto de sobrevivência política do que por convicção.

Vitor Gaspar, Ministro das Finanças de um Governo de graves falhas, é só parte da actual crise. Deu-lhe parte de si mesmo, fiel a uma certa teocracia da austeridade. A crise foi aprofundada com a sua tecnicista prosa de uma tecnicista e pessoalíssima retirada de cena. Como se isso fosse banalmente remediável e sem ninguém reparar, Gaspar abriu a porta da gaiola, cogitou um adeus avaro e talvez tivesse pensado que a malta depressa curava a feridaSó abriu a cova europeia e paulista pronta a receber o país. E alguém disse que o rosto de terror só se desvenda ao fim de dois anos.
O primeiro ministro, sempre muito senhor de si, discursou em tom patético perante o país, disse que não se demitia, não abandonava Portugal, e desandou para Berlim, onde anunciou e lamentou o caso Portas, a má vontade contra Maria Luis Albuquerque, e voltou a Lisboa ainda a tempo de perceber que a malta do CDS não havia embandeirado em arco com a gestualíssima retirada de Portas. E recebeu o homem do Independente pela noitinha, em negociações, para remendar a situação. O país vive em suspensão, Cavaco vai ouvir os partidos (que partidos?) e José Seguro, pomposo e ingénuo, grita por eleições, quer o poder sem saber que não há poder em Portugal, e nem ouviu Medina Carreira dizer: «Eleições agora era o pior que se podia fazer.»

quinta-feira, junho 27, 2013

BIG BROTHER: A TELEVISÃO DE RISCO, INSANÁVEL

A televisão corresponde a uma das mais extraordinárias invenções da civilização humana durante o século XX. Hoje liga-se ao mundo e liga o mundo em instantes incontáveis e permite ligar todo o planeta a um evento de suprema importância. E contudo, nas suas estruturas normativas, a televisão em si, como meio de comunicação e de entretenimento, tornou-se inútil, desconstrutiva, refém das receitas de publicidade e da luta pelas audiências, explorando vertiginosamente os piores níveis de invenção formal, da telenovela aos mais aberrantes concursos, da exploração de sorteios ao jogo com a demagogia das artes fúteis, do cançonetismo irrisório, da velocidade capaz de tornar a maravilha ilegível e subliminar, tudo sem regras, em cascata de ataques visuais e de constantes passagens de séries banais, castanhas, armadas, estereotipadas, entre vozes de comentadores do futebol (horas seguidas, marretas mais marretas) e a fala dos analistas políticos frente a coordenadores sem capacidade de aprofundamento e de zelar pela ordem, o que submete os telespectadores a vozes cruzadas, sobrepostas, sem a menor inteligibilidade. Depois há as galas de tudo e de nada, as fantasiosas importâncias deste e daquele, as intrigas, as banalidades, a imitação do génio, o humor do pior Parque Mayer de outrora. É uma infinidade de atrozes brutalidades contra os direitos dos espectadores, entre vinte a trinta minutos de publicidade por tudo e por nada, cortando mesmo fatias de ficção, minutos de telenovelas, sem lei nem roque.
Isto ocorre no momento em que um canal publica durante meses o famoso "Big Brother", coisa já muito repetida lá fora e com os maiores disparates de sensacionalismo erótico de atracção monetária. Em Portugal, a vedeta que conduz aos Domingos este programa, é a Teresa Guilherme, a quem muitos apontam grandes qualidades. Ao Domingo é tudo para ela e para invenções perfeitamente estúpidas a fim de amaciar o tédio e a histeria dos concorrentes encerrados num pseudo-modernismo, sem ligação a nada do exterior, entregues à sua cultura básica e instintos primários de qualquer pequeno grupo enjaulado e cercado de possíveis expulsões muito antes da chamada final e dos seus 30.000 ou 50.000 euros. A voz do Big Brother dá ordens e os desgraçados cumprem, mesmo que estupidificando-se, coisa que os sindicatos, cá fora, não tolerariam nem a Deus, quanto mais ao B.B. É verdade que o encarceramento pedagogicamente orientado, solicitando respostas pedidas à razão, à cultura perante o mundo, ao trato comportamental, poderia surgir como uma experiência frutuosa, analisável por técnicos, psicólogos e antropólogos. Seria uma mais valia para espectadores e pessoas que ainda não se deixaram vencer pela alienação deste tipo de consumismo. E sem a necessidade de gastar os Domingos, a ler a sua escrita laboriosa em fichas dos pacientes. Que viagem é esta, senhores?

 

O SUCESSO CUSTE O QUE CUSTAR,
MESMO A PERDA DA DIGNIDADE