quarta-feira, abril 25, 2012

MIGUEL PORTAS: MORREU A DEFENDER UM IDEAL


MIGUEL PORTAS


Ao falar-se de alguém que defendeu sempre um ideal, contra a própria dilaceração da doença, sublinhamos um caso verdadeiro de coragem e de grande sentido do dever para com as próprios companheiros. É, sem dúvida, o caso do deputado europeu Miguel Portas, que morreu ontem vítima de um cancro, contra o qual  também resistiu arduamente, a par do cumprimento do seu trabalho como cidadão, estudioso e político. O jornal «Público» publicou uma página inteira sobre Miguel Portas, dizendo dele, em título, uma vida contra a corrente. Na sequência desse título, escreve ainda que o europeu do Bloco de Esquerda morreu aos 53 anos, num percurso marcado pela inteligência e heterodoxia. «Culto e afável, orador brilhante e grande dialéctico, entrou na política quando adolescente».
Muito novo ainda, no VII Congresso Extraordinário do PCP, em 1974, já como delegado mostrou-se senhor da sua liberdade de pensar e absteve-se numa resolução política. A sua grande personalidade anunciava-se desde logo.
Antes do 25 de Abril, filho do arquitecto Nuno Portas e de Helena Sacadura Cabral, Miguel era irmão do Ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas: de linhas ideológicas diferentes, os dois irmãos mantinham uma profunda relação de amizade fraternal e de respeito.
Miguel Portas, economista «em abstenção», dedicou-se à política e a diversas intervenções de carácter cultural, sendo bem conhecida a sua actividade como documentarista (para formato televisivo), área onde prestou testemunhos de grande valor pedagógico sobre os despojos de civilizações antigas.
Zita Seabra acentua que Miguel Portas escrevia muito bem. Sempre pensou pela sua própria cabeça, revelando-se de uma rebeldia saudável».
Miguel, lutando sempre na sua perspectiva conceptual, abordou desde logo os dissidentes do PC, procurando saber bem o curso das ideias e das fracturas. A sua fundada inquietação levou-o a sair do PC em 1991. A sua inquietude mostrava o debate que trava consigo mesmo e a honestidade que o caracterizava. A sua lisura intelectual, cultura bem fundada, deixavam-no desconfortável com as chamadas ideias feitas. A sua postura de humanista era mais decisiva, no afecto pelas pessoas, do que qualquer linha radicalista. Foi o ser humano de amável recorte, que o apartava das ideologias fechadas em cânones opacos.
Portas será homenageado no teatro São Luiz a 1 de Maio. Completaria nesse dia 54 anos.
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texto baseado em diversos excertos, nomeadamente da secção Obituário, de Nuno Ribeiro




 Miguel Portas, memória de um percurso que ainda se pode admirar
    e cujo lugar na História nos dará perspectivas
 e futuras relações de ideias

sexta-feira, abril 20, 2012

A PERGUNTA RESULTOU NESTE LÚCIDO TEXTO


Anónimo   deixou um novo comentário na sua mensagem "BREIVIK DIZ QUE MATOU EM LEGÍTIMA DEFESA":

Todas as épocas históricas registam a presença de indivíduos capazes das maiores violências para chamarem a atenção para as suas ideias e para si próprios. Alguns, defendendo ideais em nome do coletivo, justificando monstruosidades com a razão pura, outros satisfazendo impulsos incontroláveis, outros ainda obedecendo a "vozes interiores". Todos se consideram seres superiores, seres iluminados, profetas isentos de culpa e acima da justiça, que desprezam assumindo orgulhosamente os seus atos. O século XX (e está visto que o XXI também começou mal)parece particularmente representado (com destaque para Charles Manson e família)mas apenas por estar mais presente na memória coletiva e à facilidade com que os mass media produzem e desfazem mitos, ao sabor de interesses quase sempre nebulosos. As fobias epidémicas que conduzem aos fundamentalismos têm geralmente um desses ideólogos como ponto de partida, como iniciador ou coordenador, cujos atos são mitificados a ponto de se tornarem acertados e até justos, por muito bárbaros que sejam. O problema não reside assim no facto de essa gente existir, grave é haver gente que se diz responsável e que sonha com uma sociedade mais justa, a considerar esses indivíduos visionários, tal como em muitas sociedades se achava que os deuses falavam pela boca dos loucos, e assim angariam apoios e seguidores. Não é difícil imaginar as possibilidades de aproveitamento político destes "visionários" criminosos. Aceito que falte coragem a terceiros para assumir os seus erros e partilhar responsabilidades, mas custa-me aceitar que os desculpem com conversa filosófica onde raramente cabem aqueles que se esforçam por tratar corretamente o seu próximo.
E cuidado com esta geração "Ickeana" (inspirada por David Icke e afins)! "O sonho  da razão produz monstros" (Goya).

SR

terça-feira, abril 17, 2012

BREIVIK DIZ QUE MATOU EM LEGÍTIMA DEFESA

Breivik

OSLO: Tribunal começou a julgar autor do episódio mais sangrento da Noruega do pós-guerra

Vários assassinatos em massa deixaram o mundo estupefacto e perplexo. Mas o caso de Breivik, na Noruega, é um dos mais espantosos e abre (ou fecha) portas para nos questionarmos um pouco mais a sério do que temos feito. Os orgãos de comunicação social cobriram largamente a intervenção bombista de Breiviki em Oslo e o assassinato colectivo que realizou e assumiu na ilha UTOYA. Na primeira sessão do seu julgamento, por ter assassinado 77 pessoas, quase todas jovens, numa calculada chacina, Anders Behring Breivik, de 33 anos, reiterou a confissão dos seus crimes, de que não se considera arrependido, e no primeiro instante da sessão saudou a assembleia com o braço direito erguido, punho fechado, procurando delinear o seu perfil desde logo.
Durante a sessão, declarou: «Reconheço os factos, mas não reconheço a minha culpabilidade no sentido penal.» Impassível, Breivik assumiu a autoria dos seus actos sanguinários mas recusou a ideia de culpa, ao mesmo tempo que considerava o tribunal incompetente para o julgar. Em atitude de desafio ás mais de duas centenas de pessoas que assistiam a esta primeira sessão do julgamento, Breivik adiantou: «Invoco a legítima defesa», explicando que actuou contra «traidores da pátria, culpados de entregar a sociedade norueguesa ao Islão e ao multiculturalismo.»
Ao indagarem a sua profissão, respondeu: «escritor.»
Quanto à legitimidade do tribunal, Breivik afirmou que não reconhece os tribunais noruegueses porque receberam o seu mandato dos partidos políticos que apoiam o multiculturalismo.
Embora mostrasse alguma comoção quando viu um vídeo ideológico de sua autoria, diz-se universitário, amante da música clássica e da «Crítica da Razão Pura», de Kant, além de se considerar cristão conservador.
É caso para questionar esta segurança e este absurdo, a razão pura e o cristão que mata gente contaminada pelo multiculturalismo. Ele teme o Islão porquê? Ele faz saneamento mortal e termos de que princípio: prevenção? Defesa contra os «pervertidos»? Aviso ao Estado de que se está, em nome de uma problemática modernidade, a deixar envolver na provocação do islamismo? Terá ele a percepção de uma morte anunciada da civilização ocidental e do perigo (para valores transcendentes) das potências avassaladoras que emergem do Oriente?

Um amigo meu mostrou-se inquieto com os factos: «Nós não podemos aceitar prevenções deste tipo e profecias sangrentas. Mas não compreendo como se fala só de crime com tanta facilidade num caso tão especialmente encenado e com fundamentos ideológicos, discutíveis, é certo, mas implícitos nas nossas próprias contradições? E se ele tiver razão?»
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texto inicial com base num artigo  de Lumena Raposo, do Diário de Notícias

domingo, abril 08, 2012

A MORTE TRÁGICA DE DIMITRIS CHRISTOULAS

Parlamento Grego

Memória de Dimitris Christoulas

manifestações por Christoulas reprimidas

A pressão das medidas de austeridade aplicadas à Grécia, na crise do euro, passa por ser remédio do equilíbrio financeiro de um país altamente endividado para permanecer com normal legitimidade na União Europeia. O empobrecimento da população em geral tem desencadeado revolta e perturbações da ordem pública, isolando os mais despojados. O farmacêutico aposentado, Dimitris Christoulas, reagiu à situação em que acabou por se ver envolvido: chegou de Manhã à praça Sintagma, diante do Parlamento Grego, buscou sombra de uma árvore secular, pronunciou algumas palavras, e disparou contra a sua própria cabeça um revolver que empunhava. Deixou algumas palavras escritas, onde se lia sobretudo: «Quero morrer mantendo a minha dignidade, antes que me veja obrigado a procurar comida nos restos das latas do lixo». Dimitris perdera 30% da sua pensão, todos os subsídios para os remédios que tomava, tornando-se incapaz de controlar todas as contas, em particular os preços em subida brutal dos bens de consumo regulares.
A morte do aposentado, naquela quarta-feira de trevas, em Atenas, lança sobre as consciências uma sombra de revolta e uma grande perplexidade. As manifestações de pesar pela sua morte surgiram no próprio dia, em reflexão. Depois disso, a polícia teve de lutar com jovens desesperados, entre distúrbios que deixam para sempre marcas de sangue nos centros da actual ditadura financeira.