segunda-feira, abril 28, 2014

VASCO GRAÇA MOURA, UM HOMEM RARO


VASCO GRAÇA MOURA

Apesar da fragilidade transferida pela doença, vinda do nada, ele resgatou até aos últimos dias a imponência conquistada: na voz da escrita, nas palavras redescobertas das traduções, nos poemas quase ocasionais que grava aqui e além e em vários livros decisivamente importantes. O que admira, nesta vida plural, de muito trabalho e forte intervenção, é a persistência, a continuidade, a iniciativa. E sobretudo as exímias traduções (Shakespeare ou Dante) que espantam de forma profunda pelo rigor, interpretação e pela qualidade de excelência.
Morreu no sábado, com 72 anos, respondendo sem recurso a poemas ou referências literárias. Homem da palavra, viu-se confrontado, nos últimos anos, com uma das mais difíceis espécies de cancro. Essa luta, como muitas outra, passou também pelo seu vertical desacordo do «famoso» acordo ortográfico da língua portuguesa, entorse incompreensível a uma língua rica, aliás bem utilizada nas grandes traduções que Vasco Graça Moura realizou e lhe fez merecer o prémio de melhor tradutor do mundo, pela escolha da Itália.
Tinha, no Centro Cultural de Belém uma posição nítida e empenhada, recebeu uma das mais significativas condecorações portuguesas.
Ele diz: «Em Portugal está a faltar muita poesia. Não eche a barriga, mas pode ajudar a encher o espírito. Tudo o que importa a uma dialéctica de opostos é importante. Pelo menos um embrião de conflito. A unanimidade é a mais banal e empobrecedora das situações.1

                             
                                                 A pena de todas as escritas

1 citado da Visão

terça-feira, abril 22, 2014

CALVET, UM NOME E UMA OBRA PARA SEMPRE


Carlos Calvet, arquitecto e pintor, 86 anos, morreu ontem. Carlos Frederico Calvet nasceu em Lisboa, estudou na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa (também na do Porto) tendo obtido a sua licenciatura em 1957. Além de arquitecto interessou-se muito pela Fotografia e foi sem dúvida um dos nossos mais significativos artistas plásticos. Trabalhou em Cinema, Fotografia, Pintura e Serigrafia. Era assim, inicialmente como arquitecto, um autor pluridisciplinar, algo que acontece frequentemente no nosso meio, talvez devido aos apelos do meio e da própria dimensão das hipóteses de pesquisa enquanto falha no mercado.
Carlos Calvet expunha desde 1947, individual e colectivamente, tanto em Portugal como em vários países da Europa e Ásia.
Próximo do Grupo Surrealista de Lisboa, em cuja exposição de 1949 participou, a par de Mário Césariny e Cruzeiro Seixas, iniciou a sua produção fotográfica anos depois, em 1956, motivado pela sua formação em arquitectura, o que o levou também a interessar-se pelo Cinema.
A maior parte destas palavras foram retiradas dos documentos inscritos na internet, mas posso acrescentar que ainda acompanhei e estudei a obra de Calvet, tendo mesmo participado em exposições com ele. Embora soubesse a idade que atingira, tendo esperado por uma conversa que tínhamos combinado há muito, ontem fiquei chocado com as duas perdas: a do artista e a da conversa com que ele aceitara ter comigo.

terça-feira, abril 08, 2014

NÃO É SEMÂNTICA NEM INCUMPRIMENTO


Reestruturar a dívida, no caso actual do nosso país, não deve suscitar nenhum pavor apocalíptico, nem falar como se ouviu dos socialistas: "estruturar nunca, é dizer que não se paga". Não sei se os mercados ficam incomodados com o sentido da palavra, ou se ela tem tradução imperfeita em inglês, que é a única língua que por lá se fala. Só sei é que em português trata-se de alterar uma ordem para lhe conferir outra mais confortável para todos. Deve dizer-se: Ninguém perde mais, ninguém ganha mais. Se, por inércias absurdas, tudo gira em ruído e erro, tanto mais que hoje os juros trabalhados no mundo são barbaridades de perfeita agiotagem e não se controlam com rectidão e bom senso, isso já não passa pela tal palavra.