domingo, agosto 29, 2010

DO TERROR RELIGIOSO AO ABUSO DO DINHEIRO

liturgia católica fixa demasiado a circunstância do poder que salva

Diante das realidades que constituem a estrutura e a substância do nosso sistema civilizacional, entre crises e cristalizações, devemos estabelecer algumas questões sobre a razoabilidade do que nos é dado ver. É preciso que indaguemos a natureza dos vários desenvolvimentos, que fundamento têm e que futuro proporcionam. A análise crítica de Husserl sobre o estado das ciências e das culturas, tendo em conta o propósito filosófico relativo ao século XX, parece mostrarà que a ideia de crise não se circunscreve ao domínio do económico. O mundo em que vivemos é afinal um espaço extremamente dividido quanto vasta qualificação do trabalho e isso obriga-nos a indagar a natureza das directivas do fazer, dos factos produtivos, como é que se projectam, quais as suas referências humanas e vitais, quadro sobre o qual se espalha uma névoa baptizada com o nome de crise (crise financeira e económica) no qual muitos pensadores actuais, perplexos, encurralados, crentes ou ´cada vez mais envolvidos em diversos processos de dúvida. Porque foram impelidos a pensar se a crise pode ser avaliada e desmontada como um dado em si ou deve enquadrar-se em planos que superam a fixidez do binómio onse se juntam as razões financeiras e económias. A passagem do estilo românico ao gótico, ligada às edificações de carácter religioso, teve certamente uma base económica consoante a realidade financeira (executante) dos tempos. Contudo, a caracterização dos projectos, que implicava pesquisa e orçamentação, tinha por raiz mais funda intuitos ou satisfações de base cultural, a demarcação de um imaginário largamente religioso, vontade sócio-política de garantir o poder para a salvação. À superfície, o próprio consumo, materializado através dos sonhos e dos desejos viciosos ou culturalmente definidos, tende a ser distendido ou controlado por duvidosos métodos de natureza moral -- limite sempre a dissolver-se pelo aumento de necessidades inventadas e pela permissividade onde o poder se justifica, entre a tolerância calculista e a defesa totalitária dos sistemas mais conservadores ou orientados para a estabilidade das escilhas maniqueistas. Esta questão foi aborada pelo professor Weber no sentido de uma pesquisa a montante, onde começa e engrandece a riqueza, tendo ele preferido ligar a crise a causas ainda mais remotas, embora hoje dissipadas pelos métodos de análise, ou seja: o esforço de compreensão da crise, mesmo na sua perspectiva actual, deve integrar outros afctores além dos habituais -- factores psicológicos, culturais e teológicas. Em entrevista ao expresso, Weber evocou então um esquema que relaciona a teologia e a economia na «questão do dinheiro». Disse ainda: «Um dos motibos do fascínio pelo dinheiro é a especulação financeira, o facto de usar o dinheiro para produzir mais dinheiro. Já citei uma frase muito conhecida de Benjamim Franklin, que Max Weber comentou no seu livro sobre a relação entre o calvinismo e o desenvolvimento do capitalismo. Aí já temos uma relação entre teologia, religião e economia. Retomei essas teses de Weber (anotou Samuel Weber para tentar saber se o fascínio pelo dinheiro estaria ligado à tradição teológica, sobretudo a cristã) que tanta pensar ao mesmo tempo um Deus único e criador imortal e as suas criaturas humanas, imortais na origem mas que se tornaram mortais devido ao pecado e à culpa». 1


o banqueiro multiplicador .

Esta perspectiva da origem do capitalismo liga-se ao problema da ética, que tem persistido. Em boa verdade, a única regra para produzir mais riqueza e o máximo lucro no manor limite de tempo, é uma das lógicas que tem levado ao descontrolo do sistema, perto do abismo terminal, donde não haverá verdadeiro retorno. Foi esta, de resto, a lógica que comprometeu a estratégia da Emrom, nos Estados Unidos, pois aí, contra toda a ética, «implantara-se um sistema sem orientação e que funcionava unicamente para produzir mais lucro e riqueza a favor de um número reduzido de pessoas».

o banqueiro duplamente multiplicador

Destaque incontornável: a acumulação de riquezas sem limites escita uma resposta defensiva contra o medo de que o tempo caminhe para a destruição do indivíduo. Basta observar as grandes catedrais (o Vaticano é exemplar) e o poder de certas Igrejas para se perceber quanto o fascínio por tal exibicionismo tentava impor aos crentes na doutrina por elas representada a ideia da salvação material, a única capaz de assegurar a pertectuação à posteriori do indivíduo. Algumas das mais abjectas alucinações do capitalismo selvagem assentaram no cavo arbítrio antropofágico que o dinheiro comporta, deificando o seu detentor. Bernard Madoff, embora pudesse ter atingido, na legalidade, a maior fortuna de todos os tempos, prosseguiu pela ilegalidade, dei a si mesmo o privilégio de se considerar Deus.


o esmagamento pelo jogo do dinheiro 2 rocha de sousa

entre dois blocos desmuserados do império financeiro 3 rocha de sousa

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1. baseado em «Samuel Weber», entrevistado por António G uerreiro

2. plano de um filme de Anthony Hopkins
3. Plano de um filme de Anthony

sexta-feira, agosto 27, 2010

UM PAÍS ARRASADO PELA LAMA E APESAR DA FÉ

fotos publicadas na Sánado, do Sundy Times

O inefável tecto do mundo, aravés do qual Deus nos espreita, desfez-se em água, na maior quantidade de sempre, e arrasou em larga medida o Paquistão, submergindo paisagens inteiras e dizimando pessoas, animais, plantas, culturas, como nunca acontecera até ao mais remoto índice destes fenómenos. Cerca de sete milhões de hectares arável ficaram submersos numa cheia sem precedentes. Cem mil cabeças de gado morreram nas inundações e as que sobreviveram estão a ser roubadas por grupos de ladrões, no mais cruel dos males fratricidas. A contagem das pessoas atingidas mortalmente por esta catástrofe parece ultrapassar os dois milhões, enquanto vinte milhões de desalojados têm errado em trágicas derivas ou sido socorridos pelos mais diversos meios, embora muitos se acantonem em pequenos rectângulos de território, na esperança da sobrevivência, num último alento quanto ao possível auxílio. De resto, setecentos e noventa milhões de euros correspondem à estimativa das colhietas destruídas.

Todos aqueles, povos e governos, que se distanciam destes problemas e jamais os desejarão relacionar com males cíclicos, desta vez entrosados e precipitadas pela acção humana, terão de suportar um dia (nem sequer muito longínquo) em que a sua sbrevivência se encontrará perto do ponto zero de algum amanhã, como que entrando na mais pobre de qualquer verificação substantiva. A cadeia de incêndios, todos os anos repetida nem sequer pelo poder divino, continuará a ser ateada por negligência, falta de civismo ou mãos assassinas ao serviço de obscuros «projectos» e dos mais sórdidos interreses, numa ganância que também se globaliza. E enquanto ninguém pensa nisso, retardando políticas ambientais profundas, os sistemas de sustentação planetária vão começando a caducar, mares subindo, gelos escorrendo, territórios desertificando-se, a atmosfera como que mudando de natureza. A brutalidade do que aconteceu no Paquistão em nada demove os terroristas do «saque». No norte do país, os agentes da polícia têm ordens para disparar sem aviso contra os saqueadores. Enquanto isso, e onde ainda se podem tentar resgates materiais, a população retira das suas casas em ruínas parcos haveres, coisas utilizáveis, guardando tais bens onde for viável, já que os ladrões se atiram a quaisquer valores transacionáveis, aparelhos, frígoríficos, fogões, tudo o que, nessa linha, cai na sua aproximação. Os agricultores têm sido os mais atingidos por esta praga não menos odiosa do que a diluviana.


Tanta desolação, em tão grandes áreas, é realidade que merece grande reflexão da parte de toda a gente, dos próprios paquistaneses agora vítimas dos seus compatriotas profissionais das armas, da guerrilha, do saque seja a quem for. Enquanto o actual sistema económico mundial agrava crises e promove trocas imensas nos corredores do banditismo internacional, das lutas religiosas e sectárias, parece que os homens desafiam os deuses da sua fé, perdendo-se entre causas atroadoras, entre várias hipóteses de fomentarem um inqualificável confronto civilizacional.

Malik Fiyyaz, um agricultor de 50 anos que perdeu dez hectares de plantações e teve um prejuizo de setenta e três mil euros, queixou-se da seguinte forma: «Estamos a viver na miséria». Ele recordou a morte de um dos seus vizinhos ao ver todas as suas colheitas perdidas e a história de outros dois que perderam todo o seu gado, sobretudo roubado por saqueadores. Também eles comentaram, segundo a revista «Sábado»: «Vai levar tempo até conseguirmos reconstruir os nossos recursos, mas havemos de o fazer. Não temos outra opção».

E as crianças, que opção têm elas?

domingo, agosto 22, 2010

RUY DE CARVALHO:VOU LÁ VISITAR PASTORES

Ruy Duarte de Carvalho

FALECEU RECENTEMENTE RUY DUARTE DE CARVALHO

ANGOLA

Ele o disse: «Eu cumpri a minha tarefa cívica, que é a de alertar para uma outra percepção das coisas»

Tive o privilégio de conhecer pessoalmente Ruy de Carvalho e de me sentir seu amigo. Foi naqueles anos 60 de uma guerra antecipadamente perdida, conversando em Luanda, num dos meses em que nos davam disponibilidade, e depois no fim da comissão, quando aguardava embarque e privava de perto ccom um outro grande amigo, engenheiro Anibal Fernandes, branc natural de Angola, que fez o favor de me dar a conhecer muitas das coisas que não pudera sondar enquanto andava pelo mato, nos exílios de Zala, Nambuangongo, ou na bela costa do Ambriz. Ruy de Carvalho arrancava a sua viagem africana e cultural, escrevia muito, poesia, depois estudos sobre o que via e ouvia, já nómado, partindo e regressando de mais à frente, conhecedor de Angola como ninguém, observador das gentes, dos seus percursos e formas comunitárias de vida. Ruy fazia uma clara caminhada de antropólogo e etnógrafo, áreas do saber que viriam a integrar parte da sua formação universitária. Ele deu aulas em Coimbra, deu aulas noutros pontos e de outro modo, observando, registando, atravessendo línguas e linguagens. Deixou uma obra icontornável nesse domínio, um legado científico, poético e literário, à terra a quem se ligou, angolano por escolha, institucionalmente. Por dentro também, num bem-amar de filho cujo território maternal tinha em si nome de mulher, alma de toda a sua vida.

«Morreu inesperadamente. Deixa análises antropológicas, ensaios, quase romances, poemas, filmes, esculturas, fotografias. Era como um príncipe, altivo, simples mas pertinaz, quer entre homens do poder e senhores da guerra, quer entre ou pastores»

Estas são palavras lapidares de António Lopes Neves, que entrevistou Ruy Duarte por ocasião da saída do seu livro «Actas da Maianga - Dizer da(s) Gerra(s) em Angola.

Adeus, Ruy, sei que perguntaste por mim várias vezes. Notícias tiveste, mas não pudemos partilhar melhor o que ambos fizemos. Eu não sou figura pública. Isso não me impede de resgatar aqui a tua memória, como a senti naqueles dias de brasa.

domingo, agosto 08, 2010

A CONDIÇÃO HUMANA EM MEMÓRIA DE J.BOSCH


Chegámos de muito longe e conservamos, da nossa remota origem, certas marcas, memórias difusas e liturgias indecifráveis. A condição humana implica um conjunto de actos, desejos e relatividades entre os membros de cada comunidade, sob a chuva que molha, na passagem por situações idênticas a muitas outras, e aqui a ganhar valor simbólico, a evovar as personagens de Bosch, seres insulares, oblíquos, desterrados do reino dos cubanos nesta florida jangada de pedra. Alguém se embrulhou no insólito caso das escutas, em plena campanha para as legislativas, em Portugal, bem se vê, e perdeu eleitorado ao promulgar a lei do casamento homosexual e resumiu a situação do país numa só palavra, aliás terrível: «insustentável». Falamos de Cavaco Silva, (o Silva, como dizia D. Jardim), Cavaco presidente de todos os portugueses, um político que parece ter compaixão por esta figura boschiana, ajudando-a a sustentar o barrete, a enfrentar chuvas e tormentas, a ponderar as eleições presidenciais que certamente serão protagonizadas pelo homem de Belém. Este documento jornalístico (Expresso, incluindo algum vocabulário) tem uma grandeza pictórica, uma obscuridade medieval, e é capaz de cavalgar muitas larachas insulares, multas, zangas, contradições, dívidas no estilo cubano, obras e obras que a jangada quase não suporta, uma coisa, em grande, mas a lembrar a anterior ilha de Faro.

O SACRIFÍCIO DE TÂNTALO OU O SER DE HAMLET

Sócrates, Primeiro Ministo
Tântalo foi um mitológico rei da Frígia ou da Lídia, casado com Dione. Era filho de Zeus e da princesa Plota, o que não é poca coisa.
Como sempre, Tântalo ousou, certa vez, testar a omnisciência dos deuses, pelo que roubou os manjares divinos e serviu-lhes carne do próprio filho, Pélope, num festim. Como castigo foi lançado ao Tártaro onde, num vale abundante em vegetação e água, acabou sentenciado a não poder saciar a sua fome e a sua sede, pois os ramos onde havia frutos erguiam-se para fora do seu alcance ao pretender chegar-lhes e o mesmo é com a água: se se acercava dela, o líquido escoava sem apelo.
Felizmente há outras versões em que Tântalo é admitido na mesa dos deuses por ser filho de Zeus.
Assim seja com esta personagem que parece esperar poder saciar a sede com a ajuda deste copo solitário. As histórias sobre esta personagem e as mitologias lusitanas são por vezes tão cruéis como a tremenda tentação de Tântalo -- desafiar os deuses. A perplexidade expressa nesta imagem deve fazer-nos meditar mais na nossa mitologia.

MUITA GENTE AZOUGADA E PODERES INQUIETOS

Pinto Monteiro, P.G.R

A caravana risonha da oposição, o homem que
aspira ser 1º Ministro e um 1º Ministro Sombra
Pinto Monteiro, P.G.R, diz que, apesar dos latidos que se ouvem entre as caravanas mais diversas, não se vai demitir (era o que mais faltava), embora haja em Portugal o hábito de resolver questões políticas pela via judicial. Conforme, senhor Procurador, como ainda não temos hipermercados para excepções de natureza e execução judicial, o mais certo é a vontade típica ceder à derrota antecipada, porque os actos que chegam às cerimónias da audição, coacção inquérito e julgamento, sem contar com uma possível condenação, custam tudo aos olhos da cara ou a venda clandestina de um rim. Isto está pelas horas da morte, senhor Procurador. Veja aqui mesmo, nesta nota resgatada à imprensa, o espírito laico e divertido dos próximos zeladores da nossa democracia e certamente pagadores de dívidas. Não têm o futuro que julgam, mas é preciso não os desanimar. Aliás, é o que faz o tal senhor de cabelos brancos, das finanças, que os jornais apelidam de 1º Ministro Sombra. O senhor Procurador não é sombra nem o quer ser, daí repudiar qualquer postura idêntica à da Rainha de Inglaterra. Eu, se fosse ao senhor, não desdenharia aqueles poderes, assentes, sempre que preciso, em assessores exímios e seguranças capazes de calarem o Dr, Louçã só com um sopro (de arma, está claro). Em geral, concordo que o aparelho da Justiça e suas próteses mais conhecidas estão com hábitos talibaneses, o que descredibiliza a famosa civilização ocidental. Mas devagar se vai ao longe.
Vou aconselhar a quem me lê, a leitura da sua entrevista ao expresso em que todas estas coisas (dos poderes, sobretudo) vêm, a meu ver, bem explicadas, claras e com a nobreza que não ficaria mal a uma Rainha -- ou a um rei, obviamente.
Não, não se preocupe com o Paulo. Ele tem os submarinos às costas, como todo o polítivo, em Portugal, tem sempre qualquer carga explosiva sobre os ombros. Mas o Paulo Portas já fechou as portas do Independe, o «tomba ministros». De resto, como escreve o Sousa Tavares, «há quase cem anos que Portugal é governado em obediência ao poder das corporações e a pergunta é: valeu a pena?»
Eu não sei, mas há quem saiba. E o senhor Procurador talvez pudesse esclarecer-me uma outra sequela que me intriga: que paixão é esta de dizer que a política é dos políticos e em nada se mustura com as questões judiciais? Eu não quero fazer cinzento da mistura entre preto e branco, mas os valores daquelas duas áreas, e seus objectivos, são como o ocre e o terra de Siena-- tocam-se, vêm da mesma terra. Há questões políticas claramente paralelas a questões juduciais.
Há nisso uma espécie de maniqueismo de cozinha, corte à faca, cada qual no seu galho.

sábado, agosto 07, 2010

CHUMBOS PARA A CAÇA, ADIA-SE QUEM NÃO SABE

Isabel Alçada, Ministra da Educação


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Apesar dos elogios que o Expresso dedidcou à nova decisão da Ministra Isabel Alçada, a maioria dos comentadores não percebe porque razão o todo poderoso Ministério da Educação envereda agora com a medida que acaba com os «chumbos» (expressão popular) no decurso dos estudos básicos do secundário. Esta ideia vem de longe, de um ministro engenheiro, procurava destramatizar a aprendizagem e torná-la mesmo um pouco lúdica. Desde a «invasão dos pedagogos» e das famosas «Ciências da Educação» que toda a superfície da área dos ensinos e das aprendizagens, abalada por ventos inesperados e «contranatura», ficou assim arrepiada, ora febril, ora gelada por várias tormentas. A ideia de chumbo e de um passarinho caindo ferido na asa, é brincadeira. Se pronunciarem com a tonalidade de qualquer carioca percebem logo. Quando não fui capaz de convencer o professor Delfim Santos, historiador e filósofo, de que sabia o que era o humanismo nas artes, ele interrompeu o meu exame. Daí a uma hora, na pauta, vinha a seguinte expressão a seguir ao meu nome: prova adiada. Fiquei perplexo, mas depressa compreendi que o professor era tão sofisticado e inovador naquele acto (de reprovar) como o era nas brilhantes palestras que se alargavam às áreas comuns. E percebi mais: percebi que estava a cometer um erro, contra o meu próprio estatuto de futuro pintor e professor, ao ter-me apresentado a exame com tão poucas bases em ordem ao que ouvira durante o ano.
Diz Miguel Sousa Tavares que a anterior ministra, Maria de Lurdes Rodrigues, experimentou começar a mudança por cima: pelos professores. A sua longa e desgastante tentativa de avaliar pelo mérito, responsabilizando também os professores por desajustes abaixo do razoável quanto às falhas gritantes dos alunos, foi derrotada na rua (que não na opinião pública). E foi derrotada pela mais poderosa força em defesa da mediocridadae a que já assistimos em trinta e seis anos de democracia. Diz ainda Sousa Tavares: «todos os que tiveram medo de enfrentar o lóbi dos sindicatos dos professores, com assento diário numa imprensa que prefere tomar partido pelos que berram e não pelos que têm razão», todos esses talvez venham a sofrer o desabar dos nossos interesses formativos após o rompimento da razão profunda de todas as aprendizagens. Claro que é preciso haver, durante o ano lectivo, processos de estratégia pedagógica permitindo ao professor explicar antes o que torna imperativo adiar um ano, entre conteúdos e respostas, a responsabilidade em precariedade do lado do aluno, procurando ainda algum acompanhamento atempado.
Daniel Oliveira considera que a retenção é uma questão meramente metodológica e prática. Não é uma questão de princípio. Podemos ser muito exigentes e não chumbar quase ninguém. Basta sermos bem sucedidos a transmitir conhecimento. Podemos ser facilitistas e chumbar toda a gente. Basta acharmos que a nossa principal função não é ensinar, é avaliar».
O problema da relação ensinar/avaliar terá de valer por um melhor aprofundamento do sentido
da própria vida. Não se ganha por se fazer sempre batota. Podemos adiar uma jogada, porque só dessa forma, em muitos planos do ser, seremos capazes de viajar, com clareza, pelo valor humano e técnico da jogada adiada. Falamos, enfim, de jogada ganha.

OS EVENTUAIS BEATOS DO FREEPORT NATURA

Mário Crespo

A pergunta não se dirige a Mário Crespo, obviamente, figura respeitável do nosso universo televisivo. A pergunta deve ser colocada por ele, que todos os dias, semanas e semanas a fio, tem indagado o Processo Freeport até à exaustão, um pouco em surdina, como é agora seu hábito, outras vezes interrompendo de razões algum dos muitos convidados: políticos, juristas, ecologistas, gente do mundo e do estrelato. Eu não percebo porque é que um homem desta craveira, que estudou lá pelas Américas ou coisa semelhante, se obstina desta forma com um tema vulgar, enovelado em telenovela pelos jornais e pelas malfeitorias dos julgadores de rua. Fala-se (isso já percebi) em políticos implicados, porventura o próprio 1º Ministro, na concessão de licença para a obra, colada a uma área de conservação natural, processo esse que teria trazido às mãos de alguém quantias significativas. Agora, como toda a gente já sabe, do processo resultaram dois incriminados, sendo o mesmo arquivado, resmas e resmas de papel com inquéritos e audições em torno do tema, nos quais foram ouvidas muitas e muitas personalidades de nome solene. Mas, ao darem ordem de arquivar todas essas inquirições, que sobraram da gesta do Seixal, dois procuradores vieram a correr juntar, da sua parte, 27 perguntas dirigidas ao 1º Ministro, mais um acontecimento por acontecer na corrida dos boatos e tempo disponível, cerca de seis anos. Penso: cá está o gato com o rabo de fora. Era o 1º Ministro que toda aquela gente farejava, para ser pelo menos arguido e se vendesse mais papel, se arranjasse um longo processo em caso de haver provas q.b. capazes de abalarem algum juiz, ou, enfim, se fechasse tudo, uma década mais tarde e sem indemnizações, por alegada falta de provas, porque as que pareciam bastar não comoveram uma Justiça de olhos vendados. Será esta a história do ensaio da cegueira, presumido para o futuro por Saramago? O Jornal de Sexta, da TVI, interpretado por Manuela Moura Guedes, caíu por causa desta história e ficou tudo mal contado, incluindo o desabafo do 1º Ministro, já então personagem nebulosa da história, personalidade que, desde o Freeport e do comentário feito àquele especial magazine de TVIsexta, nunca mais deixou de ser zurzida em canal aberto e até interrogado por uma Comissão de Inquérito, nomeada, para esse assunto, pela Assembleia da República.
Eu estou inocente, garanto. Estou a interrogar interrogando-me, a fim de ver para além da névoa que esconde, desde há séculos, D. Sebastião. Parece-me óbvio que Sócrates não tem condições para ousar parecer o rei sem norte. Mas, certamente, há-de perguntar a si mesmo, porque carga de água anda o Mário Crespo neste imenso pantanal, sem se cansar, descurando as suas virtudes técnicas e culturais.