FALECEU RECENTEMENTE RUY DUARTE DE CARVALHO
ANGOLA
Ele o disse: «Eu cumpri a minha tarefa cívica, que é a de alertar para uma outra percepção das coisas»
Tive o privilégio de conhecer pessoalmente Ruy de Carvalho e de me sentir seu amigo. Foi naqueles anos 60 de uma guerra antecipadamente perdida, conversando em Luanda, num dos meses em que nos davam disponibilidade, e depois no fim da comissão, quando aguardava embarque e privava de perto ccom um outro grande amigo, engenheiro Anibal Fernandes, branc natural de Angola, que fez o favor de me dar a conhecer muitas das coisas que não pudera sondar enquanto andava pelo mato, nos exílios de Zala, Nambuangongo, ou na bela costa do Ambriz. Ruy de Carvalho arrancava a sua viagem africana e cultural, escrevia muito, poesia, depois estudos sobre o que via e ouvia, já nómado, partindo e regressando de mais à frente, conhecedor de Angola como ninguém, observador das gentes, dos seus percursos e formas comunitárias de vida. Ruy fazia uma clara caminhada de antropólogo e etnógrafo, áreas do saber que viriam a integrar parte da sua formação universitária. Ele deu aulas em Coimbra, deu aulas noutros pontos e de outro modo, observando, registando, atravessendo línguas e linguagens. Deixou uma obra icontornável nesse domínio, um legado científico, poético e literário, à terra a quem se ligou, angolano por escolha, institucionalmente. Por dentro também, num bem-amar de filho cujo território maternal tinha em si nome de mulher, alma de toda a sua vida.
«Morreu inesperadamente. Deixa análises antropológicas, ensaios, quase romances, poemas, filmes, esculturas, fotografias. Era como um príncipe, altivo, simples mas pertinaz, quer entre homens do poder e senhores da guerra, quer entre ou pastores»
Estas são palavras lapidares de António Lopes Neves, que entrevistou Ruy Duarte por ocasião da saída do seu livro «Actas da Maianga - Dizer da(s) Gerra(s) em Angola.
Adeus, Ruy, sei que perguntaste por mim várias vezes. Notícias tiveste, mas não pudemos partilhar melhor o que ambos fizemos. Eu não sou figura pública. Isso não me impede de resgatar aqui a tua memória, como a senti naqueles dias de brasa.
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