quarta-feira, fevereiro 28, 2007

UM OLHAR RANGENTE SOBRE O MUNDO

des-colagem










elementos da exposição realizada há anos, em Lisboa,
na extinta Galeria Nacional de Arte Moderna


Vostell será, ao primeiro contacto, um ser da cultura urbana. Mas a sua acção sobre o território abana as estruturas de uma estabilidade afinal falsa. E transporta para o espaço público as coisas encobertas, velhos produtos encantatórios, reconstruindo a televisão inócua, absurda e indisponível. A artificialidade dos cenários pode decorrer de uma aspiração simultaneamente de denúncia, testemunho, sátira -- um julgamento sem regras, dividindo em modalidades indescritíveis a arte moderna, a sua fé, rasgando antigas convenções e belos modelos que indiciavam o sagrado, agora de facto sem ornamentos e cargas majestáticas, na perda insanável de todas as santidades.
No domínio dos eventos artísticos, na destruida (pelo fogo) Galeria Nacional de Arte, margem direita do Tejo e resto da Exposição do Mundo Português, devemos lembrar a apresentação antológica de Wolf Vostell, que se revestiu da maior importância e permitiu aos artistas modernos deste país arriscarem posições interventivas por vezes de mérito muito assinalável.

Vostell é um autor, no pleno sentido da palavra. Quando os artistas europeus começaram a procurar os novos estímulos vindos da América, também Vostell viajou para tais distâncias e, nos lugares próprios, desfocou conceitos, apropriou-se de campos operativos recentes como entendeu. O happening interessou-o de maneira particular, mas, ao aceder às correntes emergentes na altura, deu relevo à performance, então tida por original daquela latitude cultural. Ele deu-lhes sentido de contracorrente, política e socialmente.

Um facto relevante decorre pelo seu uso da chamada «des-colagem» como princípio criativo e sintoma de diferentes orientações interventivas. Vostell foi informalmente definido, neste e noutros campos, pela sua constante aproximação das coisificações temáticas ou alegóricas. «Fascina-me (disse) os sintomas e as várias emanações como a constante metamorfose do espaço em redor, expressão artística na sua destruição em geral, sempre como dissolução e justaposição, razão bem forte para operar. Des-colagem é a produção principal no uso da destruição e autoconstrução, em contra-distinção da colagem, aglutinação heterogênea, objectos que não esquecem a assemblage»

A ideia de confrontação das artes teve o seu período mais aceso durante a guerra do Vietnam. A variedade e contundência polémica de diferentes tipos de experiências de índole artística, atravessou a América de costa a costa, derramando-se aqui e além como gesto das tribos em formação possessiva.




Vostel, exprimindo uma violenta avaliação do mundo em volta, ou mesmo do nosso estado civilizacional, usou a performance e a instalação como quem arremessa à terra formações absurdas de cimento ou como quem recupera, dos lixos e dos lagos pôdres, todos os graffiti de grandes ecrãs de alvenaria, mostrando alegorias herméticas, velhas reconquistas da primeira Idade Industrial e dos seus perversos efeitos colaterais. Para além disso, e de marcas monumentais que imprimiu ou cravou nas encostas de uma via férea, ultrapassou as grandezas da memória pela reconjugação de restos, cemitérios do ferro e das latas vazias, desmontando, com ironia e horror, a sociedade de consumo: um carro cercado por pãos atados uns aos outros, como a muralha da forme ou contra os agentes dela. A instalação das portas dos carros, motorizadas para se abanarem ou estremecerem, é das suas invenções mais orgânicas e mais temíveis: o ruído das portas sugere a substituição insubmissa das orquestrações brutais, metálicas, enquanto a par disso, ou noutras pesquisas pela fotografia, Vostel imprime à imagem certo peso coisal, referência aos desastres principais, esmagamento de pessoas e dos sonhos no indecifrável desabar das humanas construções de ferro, aço, cimento, sangue oculto na permanência dos cadáveres dos escombros, gritos vindos de lá e de súbito conceptuais, teoricamente numeráveis

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

CUBA DEPOIS DE JOÃO JARDIM


fotografia do autor deste blog

O CUBANO, ZOOLOGIA E KAFKA

Em anexo ao que se pode ler um pouco abaixo sobre João Jardim, cita-se aqui parte do texto «Jardim zológico», de Joana Amaral Dias no «Diário de Notícias» de 28.02.07:
«Jardim não é um animal político. É todo zológico. O maior dinocamaleão da nossa praça. As suas estratégias vão da intimidação à vitimização. Num ápice, passa das exigências ao continente à insinuação da independência. A Madeira tanto é bem sucedida quanto é carenciada. Para Jardim, basta juntar água. Instantâneo. Quando lhe convém, exibe o PIB e brada que a Madeira é um êxito. Só não diz que esse PIB é um balão cujo ar sopra do offshore. Quando lhe dá jeito, garante que a Madeira precisa de investimentos e que os cubanos a asfixiam. A ilha tem dos concelhos mais pobres de Portugal, apresenta 18% de desemprego e gravíssimas assimetrias. Este jogo do gato e do rato foi resultando. Agora, a Europa e a República decidiram-se por um dos papéis e assumiram que a Madeira é abastada»
Jardim saltou do seu palácio, aterrou na assembleia e na praça pública, atirando ao governo do continente todos os impropérios que foi capaz de reunir -- e todos nós sabemos como esse seu léxico é poluído. Declarou então que se demitia, facto que chamou reviolucionário e democrático. Só lhe faltava, no Carnaval, uma bonita boina à Guevara.
«O que arrisca?. Só espera mais do mesmo. E o resultado que terá em 2007 será melhor do que o que teria em 2008, com a nova lei eleitoral. Assim, recandidata-se ainda sem os efeitos do emagrecimento das verbas e capitalizando o ressentimento dos madeirenses. Desafia Sócrates. Justifica o futuro. Aconteça o que acontecer, a explicação está dada: a culpa é da Lei da Finanças Regionais. E até consegue interpelar Cavaco e piscar o olho à oposição que esteve contra essa lei. Marques Mendes vai para o banco.»
A mutação imposta a Jardim não cabe à administração portuguesa: ele nunca foi o jardim; tem vivido na frescura da ilha, mas Kafka vai materializar-se lá, capaz de metamorfoses que fazem estremecer a zoologia.
«A nova Lei imporá a Jardim uma verdadeira mutação. Já não se trata de uma mera pele ou de uma simples camuflagem. Por mais fatiotas que desfilem, os madeirenses sabem que uma cigarra não passa a formiga. Podem continuar a votar por medo, vingança ou rancor e manter tudo na mesma. Ou podem, finalmente, aprender a moral da história.»
Que será de Portugal quando Jardim passar a chamar-se Gregor?

sábado, fevereiro 24, 2007

O CUBANO

no Diário de Notícias, 22.02.07

Este homem aponta o dedo direito à cabeça, como se ameaçasse suicidar-se, desgraçar os outros ou afirmar a sua grande sabedoria. João Jardim, governador da Ilha da Madeira concorre com outro homem de forte permanência, Fidel de Castro, presidente de Cuba. Curiosamente, o Jardim de certa maneira homónimo do cubano Fidel, não se coibe de chamar cubanos aos seus concidadãos do Continente (Contnente, segundo o peculiar português de João, o construtor).

Habituado a desenvolver o seu território com verbas europeias e os milhões do governo português, Jardim, ao saber da nova lei das finanças regionais, berrou quanto pôde, chamando nomes banais a esta gente de cá -- aldrabões, sacanas, incompetentes, merdas, lacaios, e assim por diante, mais ou menos para pior. Ele não quer compreender que, tendo a Madeira atingido o tecto per capita europeu, deverá ajudar as outras regiões na difícil poupança que têm de realizar.
Pois saibam então que Jardim, não podendo vingar-se de outra maneira, demitiu-se e faz convocar eleições para se pebliscitar, uma vez que os madeirenses concordam em geral com a sua sacralização e mais tempo no poder. Nem em Cuba, apesar do recente precipício. Jardim podia, mais acertadamente, dedicar-se à jardinagem e deixar que outros corriijam os seus erros: abarrotou o navio de coisas, ilha em risco de naufragar, mas não o tornou os passageiros capazes de se alimentarem a eles mesmos, livres de tutelas e empréstimos.

segunda-feira, fevereiro 19, 2007

A PALAVRA E O RITMO

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A ideia de que se vive numa civilização tecnológica, com grande incidência na imagem, corresponde aproximadamente à realidade que nos rodeia e às concepções estruturantes dos meios operativos disponíveis. O paradigma do tempo encurtado, de uma espécie de urgência em queimar etapas, em vencer cada vez maior quantidade de obstáculos, alcançou grandeza desmuserada sobretudo a partir da «revolução industrial», na presumível necessidade de crescer, de crescer muito, rasgando-se vias de comunicação e unidades fabris de larga escala. A concentração imediatista em torno das matérias combustíveis, madeiras, carvão, derivados de produtos fósseis, apontou, apesar de todos os investimentos necessários, no sentido de muitos caminhos facilitistas, e dassa forma acelerou os processos de produção, concentrações urbanas, novas exigências, abuso do trabalho em massa, desmultiplicação intensiva, enfim, de objectos com as mais diversas características e funções. Do fazer artesanal, e quase bruscamente, passou-se para a produção em série, desde os utensílios mais comuns aos primeiros automóveis. Tudo isto veio alterar as estruturas sociais, a ocupação e ordenamento do território, a velocidade das deslocações e tratamento de projectos, a própria escrita quotidiana ou comercial com o advento da máquina de escrever. Sob o impulso do teclado, a ordem linguística estabelecida teve de adaptar-se a imperativos temporais, consoante os ramos de actividade e um certo sentido alucinatório para cumprir uma melhor e mais rápida resolução na troca de informações Esta realidade, como aparentemente não podia deixar de ser, florescia num grande número de frentes. A escrita iniciada por cada um de nós, à mão ou com máquina, passou a documentar um oceano de iniciativas, entre a edificação urbana, os polos industriais, comerciais, de serviço e ainda redes de contacto capazes de acelerarem as aprendizagens e a cada vez maior complexidade da vida humana
Alguém me dizia há dias que o destino das palavras manuscritas tinha os dias contados. Dantes havia o ritmo da escrita, procurava-se o ritmo e a vida quase autónoma da palavra, quer através dos mais diversos tipos de canetas, quer no perfeccionismo resultante do uso de máquinas electrónicas. Hoje o computador engole tudo, alinha tudo, caligrafia, temperamento gráfico, vitalidade das palavras. A palavra dexou de ser uma afirmação de gosto e ritmo, tornou-se inerte e funcional.
Não penso assim. Desde logo, a palavra é agente estruturante e estrutural de várias linguagens: olhada ou falada, é intrinsecamente ritmo.Cada palavra, feita de caracteres e sílabas, forma um corpo melódico, sacudido ou ondulante, é espaço de notas, frase ela mesma, frase com outras em racord de som e sentido. É arte. É a invenção que salva o homem do silêncio, da solidão e da mudez do cosmos. O ritmo dessa articulação criadora de sentidos faz parte das artes e do comportamento. E, em boa verdade, não existe expressão (comunicação) sem os encaixes dos meios e dos modos, entre o pequenino seixo rolado no rio (a coisa) e as mitologias que vamos tecendo em jeito de tapeçaria. O seixo rola, bate nos outros, em movimento e som, enquanto os dedos dedilham a teia do tear e batem a lã, em baixo, com um largo pente de ferro. São palavras (que reconhecem as coisas e as nomeiam) ou que se descrevem com outras, simulando o bater nas pedras e no cume da tecelagem. Os mudos e os surdos ouvem melhor essas palavras do que nós, a cada gesto pensando adjectivos. Aliás, e para os nossos companheiros que perderam a audição, a fala gestual, indiciando situações, ilustrando realidades, exprimindo conceitos, são bem a alma rítmica das plavras. E o mesmo acontece com o bailado doce dos dedos dos cegos lendo em silêncio, por sistema Braille, palavras umas após outras e vendo através dessa textura.
E não nos esqueçamos: a palavra, pelos significados que desperta e pelo ritmo que modela, tanto no sentido caligráfico como na conjugação das sílabas, é inerente à criação artística em vários níveis. Não há construção das artes, nem das que contêm o tempo como sua estrutura ou o sugerem, sem a palavra, base civilizacional.


QUEM SOMOS NÓS?


Esta imagem corresponde a uma pequena parte do Universo, situada a milhares de anos luz de distância. Algumas destas fotografias que a Nasa publica na Internet são o resultado de um grande desenvolvimento tecnológico e obtidas através de sondas que se deslocam no cosmos, enviadas pelo homem, ou por esse instrumento fabuloso, colocado no espaço, o Hubble Space Telescope. Este aparelho tem permitido penetrar nas camadas mais profundas do espaço, entre milhares de galáxias, fotografando fenómenos nunca vistos anteriormente e abrindo janelas de conhecimento inimagináveis há relativamente pouco tempo.
As estrelas situadas à direita na imagem, são astros de grande escala e uma delas, pelo menos, tem cerca de mais de duzentas vezes a massa do sol. Do lado esquerdo, observam-se explosões de gases e outros materiais que poderão vir a criar sistemas complexos de astros, eventualmente biliões de hipóteses de germinação de planetas semelhantes à Terra. Daqui a milhões de anos, pela relação dos elementos, mas de forma mais rara, em lugares assim desenvolvidos, a vida gerada, é possível imaginar o aparecimento de um ser idêntico ao homem, muito complexo e operativo, mas sem projecto nem nome.

terça-feira, fevereiro 13, 2007

ARTE CONTEMPORÂNEA PORTUGUESA

ROGÉRIO RIBEIRO


Rogério Ribeiro nasceu em 1930, em Estremoz, e frequentou a Escola de Artes Decorativas António Arroio. A sua formação inicial desenvolveu-se na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, agora Faculdade, onde o artista, como docente de design, prestou relevantes serviços científicos, didácicos e pedagógicas, aliás na sequência da reforma implemnentada por docentes e alunos, além de muita documentação recolhida e coordenada por um dos grupos de trabalho. Isso aconteceu, naturalmente, depois do 25 de Abril de 74 e permitiu convencer os renitentes governantes de que a arte, além de sedimentar e caracterizar uma civilização, é indispensável, a nível superior, para a identidade dos países em que se consolida.
Rogério Ribeiro esteve ligado ao movimento neo-realista português e foi dos artistas que mais diversificou os códigos de uma linguagem plástica integradora daquele movimento. Passou por um período muito dinânico, em que as figuras, nítidas ou desfocadas, apareciam recolhendo as hastes das searas, como numa pintura abstracta, searas vermelhas ou massas humanas metaforicamente sulcando o território. Tudo isso passou depois para uma reflexão intimista, casas alentejanas vazias, abertas para o amanhacer, gente balouçando nos atrelados dos tractores, a caminho do trabalho, o verde e o amarelo, o vermelho também, como na iniciação de um almoço de broa e carne de porco.
Rogério Ribeiro abriu-se então para caminhos de mais amplas consequências, entre um laicismo quotidiano e temas sagrados, por vezes editados por intermédio de duras amarrações com cordas, máquinas de madeira, rodas imensas. Estes temas, se apontavam por vezes para a Bíblia, inclinavam-se mais para outro tipo de nitologias, como a esplendorosa série de Ícaro. Ícaro candidato a Sísifo, construindo as suas asas absurdas, de madeira, partindo, em cortejo, para o limite da falésia e caindo a pique no abismo sem nome. Outras ideias, trabalho em casa, música, aprendizagens várias, orações de desejo, tudo isso foi surgindo nesta obra verdadeiramente significativa da nossa invenção poética, incluindo peças austeras, perfeitas, simbólicas, desde estranhas cosmografias aos aparelhos de cimento e de função misteriosa. O que há de narrativo em Rogério Ribeiro, há também entre metamorfoses de flores, céus, duvidosos medievalismos, a homenagem ao trabalho dos artistas, o trompe l'oeil, a realidade dentro e fora da pintura, os potes, os pincéis, como numa dedicada encenação para um filme ligado à Renascença.

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

1 * 2

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A imagem à esquerda (1),dinâmica, é idêntica a muitas outras que corresponderam a uma procura adequada ao neo-realismo. A massa das mondadeiras aglutina-se em vários pontos, e há sem dúvida a sugestão de uma forte dobragem da coluna, hastes, espigas, membros em acção. Esta busca era efectivamente difícil no neo-realismo pictórico, expressão que noutras latitudes adqiria a forma de Realismo Social. O problema complicava-se pela falta de uma iconografia apropriada, pelo que o esforço divergia com frequência para uma figuração retórica. Rogério Ribeiro foi um dos maiores inventores do campo imagístico neste domínio, capaz de juntar a luta e o movimento à permanência de um certo realismo na modernidade.
Na imagem 2, à direita, (mulher amanhando o peixe) a evolução formal, entre o despojamnento e a textura, não desdiz o realismo e até a temática, como se viu no célebre quadro, de Pomar, O Almoço do Trolha.
O neo-realismo é uma criação do pós-guerra e das expectativas democráticas então geradas. Longe A imagem 1, em cima à esquerda, é idêntia a muitas outras, tratando temas socias, com força e com de ser um fenómeno português, esta poética integrou a pintura de países como a França e a Itália, sustentada pela força dos partidos comunistas da região. O seu vínculo artístico aportava sobretudo à literatura: a imagem acompanhava com dificuldade, como é natural, esse universo. O realismo social adequava-se ao lirismo português, mas a expressão neo-realismo, adoptada entre nós, emergia como arte de combate social e político, oposição ao regime vigente em Portugal, embora as obras não tivessem a dureza académica do realismo
socialista petrificado na União Soviética. A imagem da mulher furta-se, apesar da sua verticalidade, à mitificação e lembra mais as soluções muito hábeis de Portinari

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

COLUMBANO REVISITADO

  • Columbano Bordalo Pinheiro, nascido em 21 de Novembro de 1857, há 150 anos, estará entretanto em exposição no Museu do Chiado. Este é um momento exemplar para revisitar o grande artista, irmão do inesquecível caricaturista Rafael Bordalo Pinheiro. Numa poesia aberta à chegada de Columbano de Paris, o humorista Rafael prestou homenagem ao artista, e de tal sorte certeiramente que a si própro fez um retrato de Zé-Povinho, indiciando profeticamente o sucesso do irmão como pintor, homem que efectivamente marcou de forma renovada a pintura naturalista portuguesa.
  • A exposição do Museu do Chiado (Fevereiro 2007) apresenta obras pouco vistas ou talvez nunca reveladas, mas isso mais acentua a importância das prospecções aos patrimónios que recolhemos e Columbano resulta muito do modo como ele soltava ou justapunha manchas cromáticas, numa representação que sabia não estar a copiar o visível, antes o interpretava com rigor e inquietação plástica.Na época em que regressou a Paris, e embora na altura o impressionismo estivesse em voga, Columbano apreciava mais a pintura holandesa do século XVII, a luz dramática, a coesão tonal da matéria pictórica.
  • Columbano foi um autor polémico, na razão da sua técnica inusitada, mas a história não o injustiçou. De resto, em meados do século XIX, ele mostrava um interesse fundado pelos avanços da modernidade, experimentando novas formas, sem perda de coerência e da sua identidade estética. Nesse tempo, Columbano chegou a enviesar as regras, frontalidade e pose, por exemplo, como acontece numa espécie de instantâneo visível em baixo, na figura mais pequena - «A Luva Cinzenta». A senhora é representada um pouco como se estivesse distraída, de lado, acto ocasional que a fotografia haveria de explorar profundamente.
  • Columbano pertencia a uma família numerosa, que o pai regia em bom termo, e mostrou-se muito cedo verdadeiramente dotado para as artes. Devido ao seu empenho e à qualidade da sua produção, o artista terminou um curso de sete anos em quatro. A breve trecho participa nos salões da Sociedade Promotora das Belas Artes.
  • Com a decisão de um mecenas, Columbano obtém uma bolsa de estudo. Paris, o contacto de aprendizagem com Manet e Degas, tudo isso faz com que o pintor evolua. Aliás, também ele tinha talento para conseguir as influências do meio, sobretudo em Lisboa. De novo em Lisboa, em 1883, o artista acabou por agitar o meio intelectual, entre expectativas e rumores antecipados: estava de volta ao Leão de Ouro e aí, intrigando os que nada ainda podiam ver, realizou um provocador retrato colectivo, juntando personalidades importantes, provocando mais (e as habituais) polémicas.
  • A sua obra está espalhada por diversos locais, no país e no estrangeiro, marca a própria Assembleia da República, enquanto o contacto com o século XX lhe trouxe o começo de um declínio nas apreciações, sem deixar de ser reconhecido como um artista de referência. As lutas em torno das Escolas de Belas Artes prejudicaram o clima entre os artistas, e de resto o público das tertúlias já nesse tempo operava pareceres bastante obtusos. Como nos nossos dias, congenitamente, diga-se a verdade.
  • Por mim, penso que Columbano Bordalo Pinheiro é uma das personalidades mais marcantes da nossa pintura. Bem se poderia (ou deveria), para além desta e da próxima exposições, reestudar Columbano, a época e a sua obra, agora certamente com a independência e procurando reconhecer o seu modo especial de anunciar a modernidade. É perfeitamente patético o que o pintor escreve a Francisco Vilaça, em 1885, depois de referir que guardava tudo no seu quarto, revendo mais tarde o trabalho do dia: «Sozinho, em silêncio, faço então a exposição, para mim, dos meus próprios trabalhos e assim passo bons bocados a admirá-los. Hei-de acabar, creio, por ser o único admirador da minha obra». 1
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1. Texto apoiado na notícia da exposição por Sílvia Couto (VISÃO), Academia de Belas Artes e Dicionário da Pintura Portugusa, Ed. E. Cor

PINTURAS DE COLUMBANO













Antero de Quental
o serão


Columbano no atelier

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

VOTO FERNANDO PESSOA

retrato de Fernando Pessoa
pelo pintor Júlio Pomar

Não sou nada.

Nunca serei nada.

Não posso querer ser nada.

À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Quando se fala da identidade de Portugal, a propósito do programa da RTP1, «GRANDES PORTUGUESES», o nosso mundo mais profundo e subjectivo é accionado de fora para dentro, retomando um sonho de oito séculos. O programa é copiado de outros que decorreram em vários países, propõe que, durante algum tempo, os cidadãos escolham e comuniquem à estação de televisão qual o português, do passado ou da contemporaneidade, susceptível de nos representar a todos. Entretanto, depois de escolhidos apenas dez finalistas entre cem nomes votados, houve um curioso debate entre personalidades cuja orientação permitiu entender votações surpreendentes e preferências justificadas. A verdade é que os portugueses se esmeraram nas escolhas e, apesar de nos dez últimos grandes nomes da nossa história surgirem Salazar e Álvaro Cunhal, em torno dos quais os pareceres foram trocados a sério, sem azedumes de maior, os «críticos» da noite (04.02.07) salientaram a bondade da lista, o facto de não haver disparates nela e até a centragem em dois dos nossos maiores poetas, Camões e Fernando Pessoa, o que pode abrir caminho a uma final bem própria da realidade poética da cultura portuguesa. Serão passado entretanto pequenos documentários sobre cada um dos dez finalistas, orientados pelas pessoas que entretanto os analisaram e defenderam, após o que se seguirá a votação final e a eleição, na contingência destes jogos, apesar do lado pedagógico deste, sobre qual será o português com qualidades e marcas para ser o «maior», de algum modo capaz de ilustrar perfil do português, a identidade do próprio país.

Tenho uma certa aversão a estes jogos e a lançamentos de sorte. Mas, seja como for, inclusive pelas personalidades implicadas, desta vez, aqui, terei uma participação, concentrando a própria declaração de voto.

Os primeiros versos do poema A TABACARIA, de Fernando Pessoa /Álvaro de Campos, indicam, com um desencanto e uma força peculiar, muito do que frequentemente determina o comportamento português. A distância e o cerco, numa espécie de pobreza congéntia e perante a grandeza de uma história onde não faltou o sangue, a aventura, a identidade territorial, a fabulosa expansão marítima reveladora de espaços inimagináveis, tudo isso aparece naqueles simples versos, fala nostálgica, sentido da solidão, impedimentos da escassez demográfica, entre outras, e, por último, numa grande certeza interior, num rasgo de que o mundo se pode alargar ou somar à atitude civilizacional que nos engrandeceu, o poeta muda a posição da vela e diz -- «à parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.» Eis o sonho predizendo ou evocando a História. Esta voz única, e simultaneamente recriada, corresponde ao mito do que é ser português, sendo-o. Sobretudo quando a pequena gesta e a tolice política são superadas pelo espírito plural, universalmente criador. Quem lê a ODE MARÍTIMA nunca mais esquecerá o que de maior existe na nossa cultura, quem somos, quem fomos, e como, por outro lado, OS LUSÍADAS se tornam tão contemporâneos como a ODE, lendários, míticos, descobridores do futuro e do génio na pacatez de um eventual quotidiano cinzento.

o cais é uma saudade de pedra

VOTO FERNANDO PESSOA

Pomar: retrato triplo de Fernando Pessoa, talvez convocação dos principais heterónimos

retrato fotográfico de Fernando Pessoa

domingo, fevereiro 04, 2007

DESPOJOS SEM CÓDIGO E A VOZ DO POVO


fotos Rocha de Sousa
A brigada que trabalhou ontem à noite em VGR dispunha apenas de meios de registo convencional e armamento pouco sofisticado. A barra de código que lhes dizia respeito foi varrida do equipamento do carro e as fotografias encontradas por baixo do banco acrescentam escassos elementos ao desenrolar de toda a operação. Os agentes estão fora de alcance mas parece que, pelo menos um deles, foi ferido na rua onde se encontraram despojos diversos, desde roupas de vagabundos, ou dos sem abrigo, até embalagens de relógios Cartier, ou dois soutien prótese e uma revista dedicada aos consumos raros, claramente dispendiosos. Nã havia outros sinais, além das marcas dos projécteis nas paredes em redor, incluindo na rua empedrada que descia para a ravina.
É presumível que os agentes estejam vivos, tendo em conta o facto de haverem anotado o perfil das fotografias que sobraram, além de outras que não foi possível salvar. Havia só duas legendas segundo a rotina, a que se refere aos despojos com demarcação e a que indica um despojo sintetizado. O registo sintetizado foi apagado, não se sabe ainda por quem e em que circunstâncias.
A criminalidade acentua-se no círculo suburbano a noroeste. Os patrulhamentos têm que ser reforçados por operações de polícia especial, vigilância encoberta durante vinte e quatro horas por vinte e quatro horas. Os outros operativos devem ser cada vez mais treinados na infiltração, preparando operações de grandeza substancial.


dos jornais
Foram encontrados hoje, quatro quilómetros acima da cintura leste, entre lixo e embalagens de latão, os dois agentes que haviam desaparecido após o contacto na quinta feira à noite com um grupo de meliantes armados. Os agentes tinham vários ferimentos de projectéis de 9mm e calcula-se que tenham morrido há dois dias, completamente despojados de meios de comunicação e, ao que parece, forçadamente drogados.
Os atacantes eram seis e morreu um indivíduo a quem todos chamavam Conho, homem ligado à droga e a grupos de distribuição da mesma. Um pouco acima da rua em que tudo aconteceu, os populares da zona manifestavam-se com veemência pela morte do Conho, rapaz que os ajudava sempre e tinha bom trato. O Presidente da Junta foi compelido a aceitar um abaixo assinado reivindicando medidas ao Comando Geral da Polícia para que desgraças deste tipo não se voltem a repetir. E todos insistem que é preciso garantir mais segurança no bairro, de preferência com patrulhas a pé e desarmadas.

sábado, fevereiro 03, 2007

LATAS COMO SARDINHAS EM LATA

criação de Tiago Miranda («Actual») 3.02.07

QUE RECICLAGEM

Não resisti a partilhar convosco esta imagem paradigmática do muito que, à flor da nomeação, tenho apresentado aqui. A grande percentagem de lixos produzidos nas chamadas sociedades de consumo já não cabe nos espaços concebidos para enterramentos e aterramentos diversos. E até nem se pode, nas escalas em redor, falar de abandonar detritos em desertos, ou em terreno baldio, ou na esquina dos subúrbios das grandes cidades. Porque a contaminação atinge níveis generalizáveis e é preciso inventar modos limpos de pulverizar os vários lixos e até de reciclar os que têm possibilidades de cumprir esse ciclo. Timidamente, há por aí uns potezinhos para receber cartões, plásticos e vidros, matérias escrupulosamente trazidas por algumas donas de casa que separam o lixo, fazem um enorme trajecto para chegar aos tais contentorzinhos completamente errados para o fim em vista, e assim cumprem um dever proclamado na televisão. O Estado tem de trabalhar este problema mais a sério: é muito mais eficaz (e livra-nos da enorme poluição visual dos contentores) fornecer sacos aos munícipes, com anilha de fecho, os quais deveriam ser colocados na rua, à noite, mas com a certeza de que seriam recolhidos nas duas ou três horas mais próximas, todos os dias. A recolha dos diversos tipos de lixo tem de ser feita, de facto, todos os dias, incluindo sábados e domingos, com carros e trabalhadores minimamente formados nesta área das contingências urbanas. O que parece, assim, sair caríssimo, é ultrapassado pelos milhares de toneladas de lixo recicláveis em tempo útil.