terça-feira, março 27, 2012

MORTE ESTÚPIDA EM LLORET DE MAR, ESPANHA


Já nem a crise trava os desejos cosmopolitas dos adolescentes e das suas finalizações festivas, sem objectivos pedagógicos ou culturais. Há dias, em Lloret de Mar, Espanha, um estudante excursionista despenhou-se da varanda do hotel em que festejava coisa nenhuma com os colegas.
Morreu e as televisões estão cheias da notícia. O rapaz era de Castro Verde, a população ficou consternada, o presidente da Câmara cuida da privacidade dos outros estudantes logo retornados
(gesto maior nesta deriva de sonhos) e trata do funeral enquanto espera pelo envio do corpo.
Aconteceu. Mas o contexto é estranho. Ninguém ia com os jovens (já crescidos) e o objectivo naquele local em Espanha torna-se inenarrável em substância. Como acontece, poucos dias passados, a uma mesma peregrinação sem «rei nem roque». Só que, desta vez, cerca de 60 adultos vão guardar a caravana dos meninos ladinos. Claro que se lamenta a morte. Claro que se lamenta a metodologia que sustenta tais viagens. Claro que se aceita algum bom senso, por parte de adultos vigilantes, em ordem aos grupos viajantes. Mas é bom perguntar se este, no país e na situação actual, é projecto com alguma cabeça, com um sentido recreio, saudável convívio, dispensado de um eventual contacto com estudantes espanhóis, «cicerones» em sua terra, partilhando a chegada e a fala de todos. Resta saber se as famílias dos jovens estão assim reféns do apelo dos filhos e se têm boa fé nos adultos que alguém escolhe para apoiar os rapazes e raparigas, se é gente com prática e métodos adequados às assimetrias comportamentais cada vez mais nítidas nos estudantes em tais condições.

O MAIS PORTUGUÊS DOS ESCRITORES ITALIANOS


Um grande autor, italiano de nascimento, português por ter ancorado em Portugal e por se ter apaixonado por esta terra e estas gentes e estes poetas, algo que só os próprios portugueses não descortinam.
António Tabucchi era um escritor, disse o Público, que gostava mais da dúvida do que da perfeição. Ficcionista dos mais consagrados entre os europeus da actualidade, morreu no domingo em Lisboa, vítima de cancro. Havia chegado a Portugal há cinquenta anos, trazido sobretudo pelos versos de Fernando Pessoa, obra que estudou profundamente, tornando-se um dos melhores conhecedores do poeta. O país tornou-se a sua segunda pátria.
Traduziu Fernando Pessoa para italiano e dedicou à literatura de ficção uma boa parte do seu talento. O seu primeiro êxito internacional foi bem marcado com o livro «Nocturno Italiano» (1984), adaptado ao cinema. A sua obra ganhou uma sabedoria
transversal à experiência da vida e ao conhecimento das pessoas. Em 2001 estreia-se no romance epistolar «Está a Fazer-se Cada Vez mais Tarde». São estas palavras o talhe de um destino, a verificação que qualquer coisa anunciava a aproximação de um certo limite que tanto justifica muitas e surpreendentes obras.

domingo, março 25, 2012

OS ROSTOS DO ESCONDIMENTO MÍSTICO-SURREAL

Ninguém sabe explicar bem, na mais limpa das racionalidades, porque é que rostos como este têm de circular escondidos atrás de vestes bizarras em certas e amplas regiões do planeta, guardadas de males indeterminados, talvez sob a autoridade do regime ou dos homens, porventura na linha litúrgica das suas religiões e chefes simultaneamente do céu e da terra. É bem estranha a sexualidade de certos povos ou a sua denegação pelo supremo criador dos corpos fecundantes e fecundáveis. Como é que se deitam na cama? Como é que se lavam? Porque razão lhes permitem, não sempre, pintar os lábios na perfeição? E que limitações têm os homens, além das enormes barbas e dos pés comidos pela terra? Quem escreve estas palavras é um leigo em tais matérias, mas conhece os efeitos de comportamento de tais sagrações e tais ritos.
Que esta moça descanse em paz, a olhar-nos nos olhos.

quinta-feira, março 15, 2012

AINDA GRITOS E MORTES DE CRIANÇAS NA SÍRIA

foto Bulent Kilic/AFP

POR MUITO QUE NOS DIGAM OS CRENTES
DE ASSAD, O MUNDO ASSISTE A ESTAS
MORTES INÚTEIS

documentos da imprensa nacional e internacional

Os momentos de horror que se multiplicam na Síria, onde crianças são mortas com balas de equipamento militar, constituem um problema não só daquele país mas da comunidade internacional. Uma cidade, pelo menos, foi destruída quase por completo e abandonada ao silêncio da morte. Escapam animais que farejam os destroços, procurando sobreviver. Não há razões de Estado ou de Ideologia que justifiquem a ausência de diálogo, a persistência numa repressão cega, de terra queimada, e os fundamentalismos cá e lá que neguem de ponta a ponta estes factos, os testemunhos de jornalistas, alguns dos quais se sacrificaram pelo seu trabalho, e as imagens e os refugiados e tudo o que é dito para minimizar a brutalidade de um Governo contra o seu próprio Estado, tudo a ferro e fogo na imensa desproporção dos grandes martírios.

domingo, março 11, 2012

VELHOS AO ABANDONO NUM PAÍS SEMPRE ADIADO

É nosso costume apontar a história de oito séculos que nos representa. É vulgar falar sobre as velhas famílias e os velhos avôs, irmandade e pais batendo a terra, gente sentada nos valados, os netos ao colo. Portugal foi-nos sempre mentido nas derrotas e nas vitórias, entre coroas, mortos, viagens pelos mares, povoamentos de terras descobertas, conquistadas e ocupados por mais de cinco séculos.

Hoje dizem-nos, de verdade ou novamente a mentir, que o país está em crise, o mundo também, os próprios senhores do poder por essa Europa fora, América ou Rússia, quase todo mundo, excepto os antigos impérios colonizados ou culturas milenares, a China, a Índia, alguns importantes povos asiáticos e uma orla de África, homens ganhando fortunas com o petróleo e a primavera árabe frutificando devagar e em diversas tonalidades mortais.

Ninguém se atreve a falar de velhos, preferem dizer idosos, eufemismo do medo e do desinteresse. Velhos não são os trapos. Veja-se, neste país sempre adiado, como sobram velhos por todo o lado, mais do que jovens, e frequentemente perdidos em aldeias quase desertas, casas inóspitas, paisagens de uma indevida agricultura de subsistência. Um velho sábio, aqui, conserva a força do olhar a pensar ainda no futuro. E há casas a cores, em aldeias de 200 habitantes e até um pouco menos ou mesmo abandonadas. Para 400984 velhos no interior e nas cidades, há uma taxa de mortalidade avassaladora. 35% daqueles velhos vivem sem ninguém por perto em caso de urgência; e em melhor proximidade 22%. Morreram 28722 velhos em 2011 e 103 já contados em Janeiro deste ano, 2012. Os jovens não passam de metade da população mais velha e os filhos nascem cada vez menos: a média da composição das famílias, entre pais e filhos, é apenas de 2,8.

As casas que morrem são velhas, sobretudo nas aldeias, e país abandonou-as para povoar o litoral, onde se situam as grandes cidades, num pavoroso ordenamento do território, tudo cada vez mais feio e a paisagem tomando conta de si. O mar de outrora é dedicado como ciclorama do betão onde pernoitam turistas: já não há caravelas, nem idas nem vindas, nem pesca sequer. As pessoas têm a nova religião (irracional da praia e do bronze), compraram e venderam casas, vogaram no sonho que os bancos apregoaram e hoje ouvem falar, espantadas, que Portugal tem uma grande zona marítima cheia de riquezas.


Nas grandes cidades, e mesmo na outras, mais pequenas, morrem velhos em total solidão. São descobertos por vezes dois anos depois da morte, ou meses, ou dias, caídos no chão, enrodilhados na cama, a decompor-se e sem sinal de suicídio. Morreram por que sim, porque a sociedade já não o é, e se as famílias mal têm filhos (porque já não podem na escravatura do trabalho moderno e precário) os velhos avôs e avós ficam desempregados, sem netos nem filhos, vivendo de pensões miseráveis. Porque sim. Se não comem nem pedem esmola, adoecem na sua casa de sempre, poeirenta e desarrumada, e morrem de fome, entre memórias e esquecimentos, como Deus manda. 28.722 mortos solitários, sem assistência, sem nada, nem um grito ou sinal de socorro. Deixaram-se ficar, a vida é assim. Este ano já se contam 103, só em Janeiro, como se disse, de idades entre os 70 e os 90 anos.

Não há fogo que não os ronde na terra desabitada, ervas secas em volta, casas isoladas no monte, sonho de outrora em que se ouviam gargalhadas dos netos, as fanílias ainda tinham média de dois filhos, hoje nem um lhes sobra.






Quem é esta gente que nos abandona, apesar dos socorros de comida e mantas e afectos de psicólogos? Esta gente não é ninguém, tornou-se anónima nas enormes distâncias que as cidades estabelecem entre eles e os que magoam a vida por trabalhos de duração curta. Novos e homens de meia idade. Dizem os senhores do poder, que de humanidades sabem um calhau: «Trabalho para toda a vida? Que disparate e que desperdício, a mobilidade é tudo e tudo assim nos faz felizes.» Esta gente fez cidades erradas e destruiu as actividades de manutenção de qualquer comunidade. Têm pressa, não se sabe porquê. Nem porque raio guardam o dinheiro em paraísos fiscais. Então a vida não é mobilidade, transumância, pica e corre, como o pardal urbano. O país arrisca-se a cair ao oceano: e os velhos das aldeias terão um país inteiro para eles, agradável e de pastoreio. Sem televisão. Sem Internet. Sem realidades a mais. O mar está chegando junto da bicharada e o bronze vai deixar de estar na moda.

sexta-feira, março 02, 2012

NOVA ESCRAVATURA NESTA EUROPA CIVILIZADA?


HOLANDA

SUIÇA

Falou-se há tempo na agricultura para discutir estratégias de combate. Mas onde deveria ser recrutada a mão de obra para trabalhar montanhas? Gente obscura tratou disso. A Europa civilizada, entre a Suiça, a Holanda e alguns mais, entrou em crise e fez com que o sul se catalogasse como periferia e outras coisas mais, desde pigs a candidatos à nova escravatura. Há angariadores um pouco por toda a parte, sobretudo nos países intervencionados, como Portugal ou a Grécia. Gente desesperada com a falta de trabalho e meios de sobrevivência é aliciada para postos de trabalho não identificado na Holanda, por exemplo, com remunerações à volta dos euros. As pessoas deitam tudo para trás, pagam 190 euros para serem transportadas de «táxi» (leia-se carrinha) até ao destino. Que vão ficar num hotel. Que vão trabalhar numa GPA (empresa desconhecida). Não vão nada para hotel nenhum, nem para uma vivenda. Vão para casas rústicas, tipo bungalow, nas quais, por estranho que pareça, há mini-quartos para duas e quatro «hóspedes», em certas circunstâncias dois homens e duas mulheres, ou mais tarde em casas isoladas, tipo vivenda, onde são alojados nove indivíduos, os quais pagam equipamento e outros «deveres». Pagam certas coisas à cabeça, ficam a dever a um patrão oculto, só sabem dizer quem os contratou, uma tal Manuela que tem terras em Portugal e uma casa de campo de bom aspecto e nunca abre a porta a jornalistas ou simples vizinhos. Mas ela angaria os novos trabalhadores e a filha transporta a malta no «táxi», desaparecendo à chegada. O marido da Dona Manuela fica na Holanda, distribuindo serviços e cobrando dívidas. Porque o trabalho errático e diverso logo se desvanece para dois ou três dias de cada semana, sem alimentos nem direitos de função. Os portugueses mais antigos, que ainda vivem naquele «planeta» à espera de pagar as dívidas e ganhar algum para o regresso, todos eles se queixam e há mesmo organizações embrionárias, crentes em Fátima, que procuram criar condições mínimas a esta gente minimamente tratada, esquecida, escravizada numa «não periferia», a senhorial e rica Europa, a norte, no frio, onde os carros de alguns aventureiros trabalham noites inteiras a fim de que os donos, dormindo, possam sobreviver aos 15º negativos, uma vez que nunca receberam o prometido alojamento de trabalho. A TVI deu hoje uma entrevista sobre estes casos, alguém ofereceu a cara para contar, para testemunhar, porque dos regressados ao pobre sul, afinal rosto atlântico da tal europa, ninguém se atreveu a correr esse risco. Mas há riscos? Alguém acena que sim com a cabeça. «Até os que experimentaram na Suiça e voltaram sem futuro e sem alma». Isto são casos entre milhares, na Europa que se desagrega do seu projecto, sob o «jugo» de duas figuras cimeiras, o presidente da França e a Chanceler da Alemanha. Seria este o plano que se pensava para sociedades do século XXI, esta exploração miserável do trabalho como no requiem dos antigos impérios, como na África onde a política pode resolver-se através de genocídios e de dinheiros por lavar? Procurem no coração dos despojados. Façam de conta que estão interessados. Imaginem que a mafia os recebe em hotéis de cinco a dez estrelas, ao lado de sulcos em terras de ninguém, onde o povo italiano protesta, procurando mostrar que há desalojados (e perigos para a produção agrícola) se aquele TVG Turin/França for concluído. Um luxo em plena crise para a grandeza de conquistar ao tempo três horas de morte adiada.