segunda-feira, novembro 23, 2009

ARTE POR DÉCADAS RESULTA NUM VER REDUTOR

obra de Artur Bario

obra de Joaquim Vieira


O meu apreço pelos textos e análises críticas que Hugo Canoilas publica no seu blog «O Infinito ao Espelho» assenta no entendimento que ele mostra ter sobre as coisas da arte (e não apenas), acertando a voz, sobretudo, nas horas menos resolvidas da nossa fraca vontade de achar. Há bem pouco tempo, referindo-se à exposição realizada pelo CAM e ordenada em volta da década de 70, ele fez uma afirmação (invulgar entre nós) ao considerar que o conjunto de trabalhos exibidos naquele Centro podiam estar em qualquer outra parte do mundo. «Podiam ter acontecido na Polónia ou na América Latina, pois pertencem a um movimento que se tornou global, onde as mudanças sócio-políticas se repercutiram de forma intensa no plano artístico, não sendo possível, por vezes, separar uma acção artística de uma demonstração política».
Esta observação está na área de algumas intervenções minhas, sobretudo na medida em que defendi as diversas redes dos géneros artísticos, já desdobrados por um pluralismo cultural formado na dinâmica das transformações do princípio do século XX, entre tecnologias encantatórias e o aprofundamento científico da natureza dos problemas perceptivos, a par de uma nova consciência do mundo. Iludiram-se os que julgavam possível (e necessário) castrar a inteligência dos criadores numa qualquer unicidade de «produção». A pluralidade de hipóteses formais e de outras metodologias para reformular os modelos em decisivos processos paralelos do fazer, na diferença e na semelhança. É isto que se vê no CAM, libertos provisoriamente dos ostracismos e sobreposições sem nexo. Esta ideia das décadas, onde certas coisas parecem óbvias mas logo rompem com o tempo, é impertinente, em especial quando entregue a uma nova categoria de agentes culturais chamados curadores. Os curadores não são artistas, embora o desejem pela guilhotinagem que praticam sobre muitos artistas, criando pequenos montes de jovens talentosos, prometedores (ou já geniais), quase sem solha para a história, balançando as tais diferenças na semelhança sem notar que tal relação não é a do paradoxo mas o sentido da natureza das coisas.

segunda-feira, novembro 09, 2009

O MURO DE BERLIM CAIU HÁ VINTE ANOS

fotos do Expresso/Actual e revista Sábado


O muro de Berlim, obra aberrante que se tornou emblemática da Guerra Fria, conflito do terror nuclear para um falso equilíbrio entre os blocos de potências a Leste e Oeste (Rússia e EUA), foi rasgado e tombado há vinte anos, na sequência de desanuviamento que se deve em grade parte a Gorbachev. Aconteu de 9 para 10 de Novembro, inesperadamente, como se uma fronteira bélica e sofisticada, onde morreu mais de uma centena de cidadãos que procuravam atravessar para ocidente as terríveis barreiras, o muro, os seus adereços mortais e os atiradores especializados em torres, se parecesse com um velho castelo de cartas. Este muro, construdído pela União Soviética, começou a erguer-se e a expandir-se, cheio de grafitti do lado ocidental, queria ser um modo de dividir Berlim em dois sectores, tornando a chamada RDA uma parte do império comunista, sujeita ao mesmo regime, organização que mantinha, na Alemanha da Leste, um informador ou agente da Stasi por cada 63 pessoas.
As condições históricas e políticas que permitiram a destruição, a céu aberto, do medo de décadas, pairavam entre murmúrios a propósito de perestroika, o muro parecia assim ter uma morte anunciada mas não esperada para tão cedo. Porque, num passado nem sequer longínquo, nos anos 70, ainda se falava a Leste da queda do capitalismo. E naqueles dias, após a derrocada consentida e tomada como resultado político de um verdadeiro desanuviamento, cerca de três milhões de cidadãos da RDA passaram para Berlim Ocidental. As ditaduras comunistas da Europa depressa, e por sua fez, foram caindo uma após outra. Dois anos depois acabou a própria União Soviética, soltando-se algumas vozesduras que anunciavam um difícil fim da história. Rui Ramos, historiador, pergunta (na revista Sábado): «Como foi possível? E sobretudo, porque é que ninguém o antecipou?»

É o próprio Rui Ramos quem escreve: «Em 1979, quase ninguém admitia a hipótese de que o comunismo deixasse de existir na Europa dentro de uma dúzia de anos. A ditadura comunista no antigo império russo durava desde 1917; e, depois da Segunda Guerra Mundial, exportara o sistema para muitos países, até abranger um terço da humanidade». Dirigidos nesse sentido, grupos armados, de sentido marxista-leninista, coordenavam-se e haviam atacado as colónias portuguesas, chamadas então de Províncias Ultramarinas. Essa força expansiva era colossal mas ficou sob pressão. Retomados os espaços, foi o exército português, desde 61 nas picadas e matas de Angola e Moçambique, a ter de defender uma outra expansão, procurando responder replicar a uma ampla guerra de guerrilha, adaptando-se bem às condições, reestruturando as unidades de combate, mas sem grande sucesso a longo prazo, como se verificou. A influência soviética, após operações bem sucedidas, estava um pouco por toda a parte, em particular no armamento e meios de socorro, apoio logístico, treino de angolanos, nos termos apropriados à chamada guerra de libertação.


Gorbachev, em 1988, demarcava-se da ajuda de sobrevivência a outros egimes comunistas. Esta atitude, bem vista a ocidente, tinha custos pesados para aquele líder no interior da União Soviética. Mas ele esperava, com as suas medidas, reduzindo a autocracia, incrementar uma nova vontade nas populações relativamente à «construção do socilaismo». No fim dos anos 80, e porque dependiam exclusivamente da força para manterem, as ditaduras na Europa entraram em colapso político. Perante sociedades «industrializadas urbanizadas e instruídas, não podiam mais contar com o ensimesmamento rural». (R.Ramos) Ao se esfumar o quadro de garantias da União Soviética, a governação daqueles países rapidamente se teve de confrontar com grandes vagas de protesto. Em cada dia que se passava, em plena desorientação, o poder começava a ceder. Tudo mudou, a partir daí, em pouco tempo. E a queda do imenso muro de Berlim, que cortava a Alemanha em duas, foi mais um desses sinais, talvez simbolicamente o maior de todos. Podemos aqui ver, enfim, o escorço do muro na sua plenitude, algo que parece indiscutível e se dilui na distância. Parece pouca a nostalgia e a desertificação controlada a Leste. Mas quem lá esteve pode ainda lembrar-se da cor baça das casas, da estratificação dos modelos, e de uma nostalgia que uns achavam ser o desenho da paz e outros a marca da liberdade ausente.

terça-feira, novembro 03, 2009

E SE UM DIA O HOMEM EMIGRASSE PARA OS CÉUS?

módulo lunar | projecto apolo

À medida que a nossa civilização, agora avaliável em termos planetários, avança no espaço e no tempo, crescendo fisicamente na mais absurda produção de excessos, empastando de lixos tóxicos todos os continentes, uma parte da humanidade começa a interrogar-se sobre quais os meios de sustentabilidade para este fenómeno. No limiar da revolução industrial, as conquistas práticas derivadas de descobertas inalienáveis pareciam abrir ao homem um espaço, no futuro, altamente promissor quanto à facilitação da vida e da sua qualidade. Mas escolhas nem sempre foram sensatas, poucas vezes o foram mesmo quando pareciam evidências colossais. O cálculo do crescimento, que deveria ser enquadrado no projecto da ocupação territórial activa, perdeu-se em apenas duas décadas, não mais, e os novos materiais, tecnologias, maquinarias, processos construtivos de todas as áreas, acederam à ideia de crescer, crescer sem estatuto nem norma, crescer em altura, em extensão, e sobretudo com o fluxo absolutista de meios energéticos derivados do carvão ou do petróleo, no sonho imberbe de que o mundo, pela sua imensa dimensão, diluiria tudo o que fosse expelido em completa desnecessidade para a atmosfera, para certas zonas periféricas dos continentes, para o espaço profundo dos oceanos.
Hoje, apesar dos devaneios insanáveis e das assimetrias assim geradas, tendo em conta o aumento exponencial do quadro demográfico dos povos e os erros de confundir crescimento com desenvolvimento, os organismos mundiais de maior responsabilidade tentam atenuar o famoso efeito de estufa, prever ricochetes tormentosos, investigar alternativas, ponderar as formas de contrair as cargas monumentais de CO2 atiradas para os céus que nos protegiam e garantiam a vida. Porque também a água começa a faltar e os gelos a descer dos polos, provocando um aumento aterrador do volume dos oceanos, mais sete metros no seu nível, daqui a uns séculos curtíssimos, tudo isso configurando as circunstâncias que obrigam a recuar, a redireccionar energias, projectos, falsas necessidades. A catástrofe do sistema orgânico das estruturas fnanceiras, aviso brutal de que ainda estamos a mastigar as consequências, precisa de uma prevenção muito ampla, revisão de mercados e sua regulação. Tais medidas são gotas de água no oceano, as sociedades querem ainda iludir-se com limpezas de superfície, continuarem ricas, permanecerem reféns de uma absurda ideia da deificação para a eternidade do milionésimo de segundo a que nos reduzimos.
Os profetas do século XIX, e sobretudo do século XX, têm sido os cientistas e escritores da literatura de ficção científica. Hoje prevêem cada vez com maior base de conhecimentos e segundo metodologias de áreas como as da biologia, geologia, física quântica, antropologia, entre outras. E já acertaram demasiadas vezes para serem apenas encerrados nos campos do entretenimento. A viagem para o espaço, com as rudimentares caravelas de que dispomos, já começou. A comunicação automatizada à distância permite-nos conhecer de perto astros dentro e fora do nosso sistema solar. Estamos mesmo numa fase na qual se tornou possível descobrir planetas remotos, mais de 400, e daqui a pouco saberemos o que são e como são. Continuamos, contudo, ligados a propulsões quase caricatas, não há rotina à vista, nem velocidades de cruzeiro. Seja como for, a mística instalou-se, de forma distorcida e de forma plausível: o homem tende a desejar conhecer o Universo visto de outras perspectivas, capacitando-se de como será possível, um dia, enviar emigrantes humanos para o espaço com algumas probabilidades de ultrapassar tal destino de um milionésimo de segundo de eternidade.
Olhando para o módulo lunar do Projecto Apolo, o insólito da imagem sobre a Lua, com a Terra brevemente em fundo, altera muita coisa em termos de imaginário. Mesmo quando sorrimos para o design cacofónico destas peças mitigadas, tão claustrofóbicas como as cascas de nóz em que os povos antigos navegaram longamente, para conhecerem onde viviam e o que poderiam esperar do futuro, o nosso espírito agita-se. Após o desaparecimentos de milhões de pessoas, uma geração qualquer, num amanhã indescortinável, poderá assistir à partida sem retorno, em direcção a pontos fora do Sistema Solar, de grupos protésicos de novos «argonautas».