segunda-feira, dezembro 31, 2012

"SIGHT & SOUND" TROCA CITIZEN POR VERTIGO.

Imagens de Citizen Kane por Vertigo

A revista Sight & Sound, fazendo a vontade aos cultores de Hitchcock e outros lobbies mais ou menos esquisitos, retirou Citizen Kane de melhor filme de todos os tempos e colocou lá um bem carpinteirado filme do velho mito de Hollywood, Vertigo, do cineasta atrás referido. É talvez um processo de ensandecimento e de vénia comercial a um autor sem dúvida de grande mérito, mas cuja obra (depois do seu primeiro período) foi sucessivamente louvada pelas mais diversas razões, assaz sempre discutíveis e em geral menores. Porque o realizador Hitchcock tem uma obra de base americana, engenhosa mas não universal, e que, quanto a nós, nem mereceria (com Vertigo) estar em segundo lugar. A América já colonizou demais os outros espaços culturais e cinematográficos com as mais diversas bugigangas da indústria do cinema, donde nos habituaram a extrair de facto grandes obras, como Citizen Kane, num mar imenso de variedades de consumo, ainda que em muitas delas a marca vertiginosa da técnica e dos meios seja apreciável. 
Acontece que Citizen, de Orson Welles, é uma excepção difícil de superar, feita por um génio do cinema quando ainda tinha 24 anos, um rapaz prodigioso e que já angariara fama nas suas peças de teatro e intervenção radiofónica. Ao tocar em problemas magnos da América do capital e dos grandes influenciadores do poder político, como W. Randolph Hearst, Orson Welles quebrou as estratificações conservadoras do cinema americano e da própria América. Houve depois outros, como Kazan. O cinema de Orson foi sempre excessivo e comprometido com a densidade da realidade humana e do mundo em geral. No filme em questão havia mesmo pontos coincidentes entre as biografias de Hearst e Kane. Para além disso, o filme marcou a linguagem cinematográfica com importantes inovações, tanto nas técnicas narrativas como nos agentes significantes da escrita visual. Foi considerado, por grande parte da crítica especializada, como o maior filme da história até ao momento: figura em primeiro lugar na lista do American Film Institute.
Alguns filmes de Kazan (América, América ou Um Rosto na Multidão) podiam colocar-se à frente do excelente carpinteiro de filmes policiais, freudianos e de suspense made in América, que é Hitchcock. Vertigo não passa de um dos seus mais hábeis exercícios de piscar o olho ao espectador. Nick James, da própria revista Sight & Sound, mostrou-se surpreendido com esta exclusão ou troca. Outros continuam a falar em obra estadudinense. E os comentários feitos à troca de lugares, muitas vezes sob anonimato (porque será?), apontam quase todos, para o melhor filme até hoje, a extraordinária obra de Tarkovsky «Andrei Rubliov». Esta escolha atesta a favor de uma sensibilidade e cultura cinematográficas que podemos situar, com efeito, acima de Citizen.



Planos de VERTIGO, de Hitchcock

domingo, dezembro 30, 2012

MORREU ONTEM O CINEASTA PAULO ROCHA

  
cineasta Paulo Rocha
falecido, com 77 anos, a 29.12.2012
 

        
 plano do seu último filme


                plano do seu primeiro filme «Verdes Anos»

plano de «Ilha dos Amores»

A morte de Paulo Rocha, cineasta que chegou a ser assistente de realização na rodagem do filme «Acto da Primavera», de Manoel de Oliveira, fez o cinema português perder mais uma figura de referência: o jovem que soube pesquisar aspectos da Lisboa dos anos 60, no seu primeiro filme («Verdes Anos») aqui ilustrado. Ele morre pouco tempo depois de Fernando Lopes, de tão grande importância, gerando assim, como que simbolicamente, um vazio nos vazios do nosso país desde há três anos a esta parte. João Mário Grilo escreveu sobre este acontecimento, dizendo: «É um momento muito triste para a cultura portuguesa (...) Paulo Rocha foi o que melhor soube fazer, a relação entre a poética do cinema e a poética do país.» Tanto ele como Fernando Lopes souberam usar a arte para interpretar a vida» coisa que não é nada fácil entre transformações que, durante todo o século XX e parte do actual, descarnaram saberes e técnicas em nome da novidade pela novidade, encobrindo o visível que Klee tentou explicar para pôr ao nosso alcance a complexidade do real. Cada filme de Paulo Rocha, nesse sentido e nas suas normas de simplicidade, é uma luta contra as diversas novas vagas de que foi contemporâneo. «Há uma conjuntura que Paulo lê muito bem e incorpora-a». E assim procura dar a cada filme a natureza dos objectos singulares (como em toda a obra de arte mais rara sempre acontece), de tal modo relacionando personagens e história. Ou, como diz Grilo, fazendo desses filmes, também, invulgares ou grandes documentários sobre a vida portuguesa.
Paulo Rocha pertenceu ao tempo em que «as pessoas tinham muito poucos meios para filmar». Bem sabemos que isso joga contra os  verdadeiros autores, pois o cinema só se torna possível através de alianças muito sólidas, desde os fundos económicos aos meios técnicos e logísticos. Por isso a personalidade aqui citada sublinha com eloquência: o ecrã é também uma pele muito fina entre o cinema e a vida.
Aqui dizemos, pela nossa parte; os homens do cinema já aprenderam, em Portugal, a sua linguagem e a maneira de poupar os meios sem deixar de zelar pelo sentido da imagem e voz que nos oferecem. Os distribuidores e exibidores não aprenderam nada: minimizam os meios, oferecem caixas claustrofóbicas e rudimentares como salas de projecção, para desdobrar, na maior tacanhez, os sítios de «exibição», nunca em nome do cinema, sempre em nome do dinheiro. É preciso acrescentar a isto, na morte de alguém que sofreu na pele tamanha exiguidade, que as salas onde se explora entre nós o cinema não ganham  qualquer «reajustamento»  através de tão equívoca austeridade. E sempre aos berros, como se as máquinas servissem para triturar imagens e bandas sonoras.

segunda-feira, dezembro 24, 2012

TAP NÃO FOI VENDIDA A SALDO, HÁ CARAVELAS

                   TAP, PARTE DA IDENTIDADE DE PORTUGAL

Foi publicado neste lugar um post que contradizia a venda da TAP e fazia algumas considerações sobre o sentido dela mesmo num espaço de crise, denunciando os males físicos e humanos do nosso país em dificuldades. Aqui se enunciavam as catástrofes políticas, sociais e culturais a que temos estado sujeitos, num lamento contra a perda da TAP, última esquadra a lembrar as caravelas do secular destino oceânico dos portugueses, vínculo de uma gasta aventura já em névoa nos testemunhos de tal grandeza nas várias partidas do mundo.
Alguém se zangou com o post e procedeu à sua remoção, facto que denuncio aqui sob forte protesto, sacudindo as más recordações censórias de outros tempos.
Com um avião igual ao publicado há dias, voando em sentido contrário, aqui reforço a notícia de que o governo teve de suspender a venda da TAP, por problemas financeiros não clarificados a tempo pelo comprador. A teimosia na venda continua,
mas ontem, na televisão, Marcelo Rebelo de Sousa forneceu a ideia de um processo de alienação da Empresa cuja ligação a Portugal seria mantida pela pluralidade dos meios e dos acordos entre compradores, inclusive entre grupos nacionais.

quarta-feira, dezembro 05, 2012

CENA NO DIA DA MORTE DE JOAQUIM BENITE, TMA


JOAQUIM BENITE | encenador

Jonas acreditava na sua estrela


Joaquim Benite, homem que se dedicou desde longa data ao teatro e ao seu tratamento através de encenações recuperadas de vários ângulos da modernidade, nomeadamente no Teatro Municipal de Almada. O teatro em si foi uma grande aquisição para o meio e a programação absorveu as mais diversas peças, do clássico à contemporaneidade, tendo como condutor relevante o próprio Joaquim Benite, de quem fui amigo e cujo trabalho só me foi possível seguir à distância, por razões de saúde. Morreu hoje, esse batalhador por uma arte que tanto tem sofrido com as massificações das indústrias culturais e crise civilizacional. Morreu de forma quase fútil, com uma pneumonia pertinente e absurda. Lembro-me das nossas conversas e do muito que ele apreciava Camus. E pelo facto de eu ter feito uma adaptação de Jonas (novela de Camus) ao teatro, a ele a confiei, embora soubesse quanto era árdua a sua montagem. Chegou a estar agendada e numa altura em que eu ainda estava disponível. Fica aqui a capa, não para uma publicidade inútil e logo absorvida nos habituais azedumes e equívocos. É a minha homenagem a Benite, um trabalhador incansável no âmbito do teatro, redescobrindo actores e processos para dar a ver difíceis mensagens de uma arte do espaço e do tempo, vivida num frente a frente entre actores e público. Que Almada possa continuar esta obra.