sexta-feira, novembro 30, 2007

QUEM SOMOS NÓS, ALÉM AO FUNDO?


Enquanto convocava esta fotografia da Terra vista da Lua a fim de a trazer para aqui, na linha daquele fascínio que as imagens do espaço cósmico exercem sobre nós. Tinha o televisor ligado, atrás de mim, e ouvia vagamente as vozes de um programa da tarde. A certa altura, ao enquadrar a imagem, ouvi um diálogo onde se citavam vários casos de antropofagia no nosso próprio país, entre o boato e o facto provado, além de outras citações de semelhantes acontecimentos confirmados no estrangeiro. Um noivo mata e decompõe a noiva, comendo-a até ao limite do possível. Os intervenientes falavam de impulsos de origem longínqua na espécie humana e de outras metamorfoses neurológicas inquietantes. Um deles dizia mesmo que é legítimo relacionar estes fenómenos com a situação do feto, durante a gravidez, como um ser dependente de uma alimentação orgânica, vinda da mãe, como se verifica depois do nascimento, pela demorada deglutição do leite materno.
A fotografia tinha surgido, certa e normalizada, mas eu havia esquecido o motivo que me levara a publicá-la. Olhei demoradamente aquela distância diurna e nocturna e apaguei o título que tinha escolhido para esta imagem, trocando-o por este que vos remeto, com uma velha pergunta que as viagens espaciais, concretas e imaginadas, ajudam a colocar cada vez com mais angústia.

terça-feira, novembro 27, 2007

DO MÉDIO ORIENTE A SETUBAL

Entre certas coisas ou circunstâncias, há semelhanças por vezes inquietantes, embora saibamos distingir que não é tudo do mesmo fim. Como símbolo de um conflito que se eterniza, o jornal Público apresentou hoje a fachada de um prédio palestiano em cujos andares semi destruídos se notam as marcas da lepra resultante da fuzilaria, andar após andar, fachadas e fachadas com este aspecto.
O mesmo jornal, também hoje, publica a frente esventrada de um prédio de doze andares, em Setúbal, inutilizado nos últimos andares (isolámos aqui aspectos de três apartamentos) em virtude de uma aparatosa explosão de gás. Na diferença, e até na diferença das causas) a semelhança fisionómica destas arquitecturas, após os colapsos, relevam de um mesmo contentor infernal: a guerra de várias faces no Médio Oriente, e uma outra guerra, em Portugal, que corresponde aos surdos interesses de muitos construtores, erros de edificação, incompetência, negligência, sucessivas batalhas mal ganhas na ocupação desordenada, senão criminosa, do território nacional.


domingo, novembro 25, 2007

UM PERFIL PORTUGUÊS


Pulido Valente, historiador, escritor, cronista, comentador, homem de ideias, surge aqui, na capa da Visão, menos expedito do que costuma ser. Expedito no sentido de atalhar de súbito, entre revelações que ninguém espera, demolindo à esquerda, demolindo à direita, calando vozes, gozando frases, argumentando com agúcia e por vezes após uma colherada de pimenta que nem ele. Sempre gostei muito de o ler, do tempo das crónicas do Independente, mesmo quando caricaturava os próprios erros e os erros dos outros.
Há dias, quando foi vedeta de capa, respondeu a uma entrevista de Ana Soromenho e Rui Castro, assim numa espécie de breve depressão. No início da peça jornalística, foi destacada esta sua fala: Pedi a Cavaco que se candidatasse. Portugal precisava de um polícia. De facto, Vasco Pulido Valente almoçou com Cavaco Silva porque os grandes negócios em Portugal fazem-se com o Estado ou com informação do Estado. Só a presença dele em Belém coíbe muita gente. Referia-se a Cavaco. Mas a seguir considerou que as conversas com os políticos não servem para decidir nada.
Acerca de Sócrates, Pulido disse que nem se lembrava de o ter visto em pessoa e que ele, o primeiro ministro, é de uma pavorosa mediocridade. Pior: é um homem que tem uma linha de pensamento convencional. Que assenta em todos os lugares-comuns deste tempo e reproduz de uma maneira tosca esses mesmos lugares-comuns.
Com este sério depoimento, Vasco Pulido Valente aproximou-se inexoravelmente do perfil dos portugueses.

segunda-feira, novembro 12, 2007

OLHAR PARA PEARL HARBOR EM 7.12.1941


Em 7 de Dezembro de 1941, a esqudra americana do Pacífico, acantonada em Pearl Harbor, foi atacada, subitamente e em massa, pela força aérea japonesa, o que gerou uma das mais impressionantes catástrofes quando acabava a II Guerra Mundial. A situação caótica do momento não permitiu, nem uma verdadeira reacção militar, nem o registo suficiente do que se desenrolou naquele dia. Muitos testemunhos foram usados para a reconstituição do golpe. Os Estados Unidos, com a maior das fidelidades possível, realizou, ainda há pouco tempo, mais um filme sobre a hora maldita de Pearl Harbor.
Mas as fotografias que vemos aqui, por mais extraordinário que pareça, estavam armazenadas numa velha câmara Brownie, desde 1941, e foram encontradas no armário de um marinheiro que serviu no USS Quapaw. A qualidade das fotos é surpreendente e o valor histórico inestimável, pois foram tiradas durante o ataque a Pearl Harbor.















Hoje, em Novembro de 2007, algures numa das guerras que se travam no mundo

sexta-feira, novembro 09, 2007

BREVE VISITA A ANTONIO CLAVÉ

Antoni Calvé «Etrelas e Signos»
Entre as oportunidades que surgem todos os dias para visitarmos criadores de todo o mundo, e na impossibilidade de acedermos a esse mundo de estrelas, aproveitamos uma visita particular para dar a ver algumas obras de um importante pintor espanhol, nascido em Barcelona, em 1913, 5 de Abril. É visivelmente uma personalidade viril, com uma obra que se estende dos anos 30 a 2005, ano em que morreu, em Agosto, França. O seu currículo é inacessível neste tipo de espaço e isso pode avaliar-se, desde logo, pelos museus em que se encontra representado: Museu de Belas Artes de Bilbao, Museu de Arte Moderna de Paris, Museu Nacional Centro de Arte Rainha Sofia, em Madrid, além do Museu Britânico e da Tate Gallery, Londres.
É de destacar, em 1984, o pavilhão que lhe foi dedicado na Bienal de Veneza. Antoni fora «avaliado» com uma retrospectiva no Centro Pimpidou Museu de Arte Moderna (Paris, França)
vários anos antes, 1978.
Entre a grande quantidade de textos que foram produzidos sobre a sua obra, destaca-se «Antono Clavé: Fotógrafo», da sua própria autoria, ed Actar. Isto é tanto mais curioso quanto demonstra o universo de factores e apelos em que se moveram os artistas do século XX.
As obras aqui apresentadas, da segunda metade daquele período, geram sinais da tradição plástica espanhola, mas a verdade é que o autor não deixa, na sua identidade e diferença, de mostrar a semelhança com grandes galáxias afins, na ordem estética da pintura, bem pujantes no quadro das transformações verificadas sobretudo desde as primeiras décadas do século XX.



«Sempre ele» 1998

«Natureza Morta com folhas»


«Estrelas de Fogo» 2004


quarta-feira, novembro 07, 2007

ARTISTAS PORTUGUESES CONTEMPORÂNEOS | Isabel Sabino

homenagem 1987



Lugares 1985


Donde, o quê, para onde? 2007




Nestas apresentações sucintas de artristas porugueses contemporâneos, sobretudo no domínio da pintura, ofereço hoje algum espaço a Isabel Sabino cuja obra conheço desde os tempos da Escola Superior de Belas Artes, agora Faculdade (Universidade de Lisboa), instituição onde a pintora lecciona em áreas decisivas para um melhor desenvolvimento da formação dos licenciados, sobretudo por forma a que disponham de capacidades e informações (na múltipla aplicação), coisa que, infelizmente, os governos do nosso país ainda não entenderam. Os autores que saiem daquele espaço, aliás como do Porto, são universitários muito bem qualificados, dos quais, em certas indústrias, autarquias, actividades interdisciplinares, entre outros fins, poderão ser recrutados e adequadamente nobilitados.
Isabel Sabino, com quem trabalhei neste sentido e na concepção de manuais em áreas artísticas na formação a distância da Universidade Aberta, é uma das professoras mais habilitadas, da FBAUL, em termos práticos e teóricos. A sua prestação nesse domínio não a roubou à avançada prática da pintura ou do desenho, o que tem tido reflexos igualmente no campo da investigação e no quadro cultural resultante desse esforço, o que se pode apreciar em algumas peças aqui publicadas, pertencentes a períodos dos anos 80 até ao presente. A apresentação não cronológica destas imagens pretende salientar a coerência formal e conceptual de tão grande percurso. O que se pode apreciar é que a concepção que Sabino tem da pintura não se desprende de noções ancoradas na memória da representação, desdobrando-se por caminhos coerentes, de algum paralelismo, de recursos iconográficos semelhantes, a despeito dos diferentes modos de formar e do trânsito temporal. A idade clássica espreita alguns desenhos, incisões, montagens capazes de gerarem sequências dentro de sequências, marcas de há milénos e da orla mediterrânica dispostas a uma espécie de planificação que torna visíveis objectos imprevistos, figuras, poses, modelos e módulos. Tudo tem uma ordem, dependências arrumadas, projecto, auroras menos definidas aqui e além mas que ajudam a situar os dados da composição numa órbita dentro do tempo, perto ou longe de nós, pequenos usufruidores de cada deriva pelo espaço enleado nas artérias do sonho.

2006


2007 Stridons Lassü


2007 cores sujas



1987 técnica mista


2007

sábado, novembro 03, 2007

ESTRANHEZA E FEALDADE NAS BELAS-ARTES

Hans Memling

Em todos os séculos, filósofos e artistas sempre forneceram definições do belo; por isso, graças aos seus testemunhos, é possível reconstruir uma história das ideias estéticas através dos tempos. Mas, com a fealdade aconteceu de maneira diferente. Na maioria dos casos, definiu-se o feio em oposição ao belo, mas quase nunca se lhe dedicaram tratados extensos, somente alusões parentéticas e marginais. Portanto, embora uma história da beleza se possa servir de uma ampla série de testemunhos teóricos (dos quais se pode deduzir o gosto de uma época), uma história da fealdade terá, na maioria dos casos, de ir procurar os seus documentos às representações visuais ou verbais de coisas ou pessoas, de algum modo, consideradas «feias». Contudo, uma história da fealdade tem algumas características em comum com uma história da beleza. Antes de tudo, podemos somente supor que os gostos das pessoas comuns corresponderiam de algum modo aos gostos dos artistas do seu tempo. Se um visitante vindo do espaço entrasse numa galeria de arte contemporânea e visse rostos femininos pintados por Picasso e ouvisse os visitantes a julgá-los «belos», poderia conceber a ideia errada de que, na realidade quotidiana, os homens do nosso tempo achassem belas e desejáveis criaturas femininas com rostos semelhantes aos representados pelo pintor. Todavia, o visitante espacial poderia corrigir a sua opinião se assistisse a um desfile de moda ou a um concurso de Miss Universo, em que veria celebrados outros tipos de beleza. A nós, ao contrário, isto não é possível, porque, quando visitamos épocas remotas, não podemos fazer verificações nem em relação ao belo nem relativamente ao feio, porque dessas épocas só nos restaram testemunhos artísticos. Outra característica comum tanto à história do feio como do belo é a que devemos limitar-nos a registar as vicissitudes destes dois valores na civilização ocidental. Para as civilizações arcaicas e para os povos chamados primitivos, temos achados artísticos, mas não dispomos de textos teóricos que nos digam se aqueles se destinavam a provocar o deleite estético, o terror sagrado ou hilaridade. ________________________________________________ Citação da abertura da História do Feio dirigida por Umberto Eco

Frank Frazetta


Geor Grosz

Joseph Adams

Quentin Metsys

Hieronymus Bosch

TristanTzara

Este problema, que vimos introduzido acima por Umberto Eco, não escapa, no livro, a considerações que vêm apurar comparações e julgamentos ali aligeirados. Um artista como Picasso, ao defrontar-se com máscaras africanas, e mesmo depois de saber as suas aplicações ou usos, aplicaria certamente, em plena fruição da estranheza, um conceito de beleza ao objecto. E sabemos como tais máscaras contaminaram uma sociedade em transformação, no século XX, adquirindo um inalienável estatuto de beleza. Isso não evita que pessoas menos informadas, menos cultas e abertas à questionação das formas, classificassem ou classifiqem as máscaras como feias. Esta relatividade não depende apenas do testemunho real no tempo de cada antiga escola artística, depende muito da cultura pessoal, da sua sensibilidade e da riqueza do seu imaginário. Quando eu declaro que considero em geral belas as ruínas de antigos patrimónios, formas que provocam alguma agonia noutras pessoas, isso decorre de identidades culturais peculiares. As próprias imagens que se publicam aqui, do livro citado, são, para muitos de nós, exemplares do belo, ou da estranheza, ou desta e do belo simultaneamente. Ou apenas feias.
A sensibilidade humana, e a longa viagem do seu imaginário, entre guerras e santificações, não é mensurável de tal modo -- ou não é mesmo de nenhum modo.