domingo, setembro 30, 2012

DÍVIDA, FINANÇAS, EUROPA PENHORADA NAS RUAS

 REGRESSÃO GLOBAL DA CIVILIZAÇÃO
ONDE RENASCEM A VIOLÊNCIA E OS NEONAZIS
A utopia de uma Europa forte e unida sob a protecção decisiva de uma "moeda única", o euro, teve  os  seus criadores e os seus respeitáveis teóricos e entrou em "roda livre" com tratados blindados, acenando ao  mundo, na pompa de todas as grandes vitórias, juntando todos os países já associados na grande festa de cada vitória, de cada milhar de páginas em regulamentos e normas para tudo, aspirando a uma solidária disciplina de reordenamento da produção e dos territórios, contra a memória histórica, técnica e cultural, como aconteceu com o nosso país, compelido a afundar frotas pesqueiras e vastas plantações vinículas, entre outras rasteiras que nem a França nem a Alemanha cuidaram de aceitar para si. Daí em diante, as diferenças seculares e o assalto concertado dos credores de países com dívidas (cuja norma de pagamento vinha de longe e se fazia sem usura transcendente) resultou numa súbita crise aberta nos EUA e que impediu os "Senhores do euro" de continuar a linha bem desenrolada desde o pós-guerra, forçados a morrer de fome ou a pagar tudo em poucos anos, reduzindo por magia os déficits e sofrendo o emergir do assombro que antecedeu tanto horror e tantos conflitos. Contornando, sem olhar à regra, o seu déficit, a Alemanha e a  França fizeram as malas para um directório que abriu fendas por todo o lado, afundou a Grécia, Portugal, Irlanda, agora a Espanha e a Itália, sem norma federativa à vista e respeito mútuo consolidado. A senhora Merkel e Sarkozy, sem respeito pelo Parlamento Europeu e pela Comissão, passaram a dar ordens e a impor austeridade económica, uma vertigem para a pobreza e sem esboços paralelos dedicados a uma futura consolidação económica. E entretanto os "resgates" rasgaram países, atingiram o limite do tolerável, infectaram a paciência dos povos: Madrid veio para a rua, a Grécia já luta há tempos, Portugal suportou até ontem, a Espanha resiste por si mas enfrenta desejos de independência da Catalunha, a Itália segue as mesmas medidas sagradas do FMI e na forte e intransigente Alemanha, estranhos fenómenos sócio-culturais tomaram aldeias, donde a população foi soprada de formas obscuras, e por lá se instalam grupos radicais, hostis aos muçulmanos, cortantes e sinalizados por chefes nacionais que disfarçam a confusão ética e política. Assim parecem começar os novos tempos e assim começaram os antigos desastres.




O mundo parece soçobrar a um falso desenvolvimento que mistura raças e procedimentos, tudo relacionado com estranhas simbioses e uma espécie de Natureza em revolta, o ar sujo, o lixo na estratosfera, os oceanos, rios e terras sob o efeito de milenares poluições -- e tudo se confunde no apagamento das Estações do ano, na crise do próprio planeta, aliás cada vez mais sob o efeito de produtos e cientificidades que desagregam os ecossistemas, os paraísos sonhados, excessos sem nome, cidades insustentáveis, o embuste gigantesco do dinheiro manejado na desmedida calibração de muito e nada, de grandezas e misérias. A China emerge, a Índia também, o Ocidente assusta-se e torna-se mais cativo dos seus luxos, das suas assimetrias. Mas nada disso é bem assim. O "efeito dominó" corre em espiral e os "donos do dinheiro" acabarão por perdê-lo nos próximos dilúvios, Dubai batido por estranhas areias, o Islão procurando implementar as suas próprias Cruzadas, em vez de das duas torres gémeas virá ainda um raio de estrela, os arranha-céus terão também o seu tempo de apodrecimento e as cidades em altura cairão por terra, restando, em vez do dólar e do euro, ilhas longínquas, no mar e na terra, onde os sobreviventes terão de inventar novos processos de manter a espécie e de moderar os hábitos, os desejos, os sonhos. Talvez até acabem as moedas. E um dia terá acontecido o envelhecimento da Europa, povoada da agricultores, sem banqueiros, tratando da alimentação regular e parca, das comunicações menos repentinas e menos globalizantes, trotando em carros de ligação, sem usura, sem Papas nem Cardeais, nem Ayatolas, nem Cristo, nem Deus. A ciência recomeçará sem ostentação. Porque, já no século XX havia muito mais coisas para descobrir e ordenar moderadamente do que encher uma ilha de centenas de prédios com mais de cem metros de altura. As escalas definem tamanhos determinados, mas não é isso que determina o valor nem das coisas nem da arte.
Portugal tem de voltar a navegar. E a China, derrubando as cidades vazias que edificou para os seus escravos, voltará a cultivar o arroz. Buda será enviado para o Nirvana e, no seu lugar, matadouros floridos servirão para matar e tratar a grande cultura de todas as vacas da Ásia. Lenine ressuscitará para criar uma estrutura pronta a exterminar todas as máfias que acederam à Rússia, ajudando a acabar com as outras, nos outros lugares do mundo onde existe esse flagelo. Os velhos poderão descansar nas igrejas. E os conventos, com as suas ordens religiosas, acolherão população envelhecida e dedicar-se-ão à produção de géneros básicos, para a alimentação e o vestuário.

terça-feira, setembro 25, 2012

CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE ALBERT CAMUS


ALBERT CAMUS  
prémio Nobel da Literatura 1957

Vivemos uma época de grandes conflitos, global mas fracturante, refém do dinheiro e de várias submissões, em guerras depois da última Grande Guerra, e são cada vez menos os que festejam os grandes artistas que marcaram a história e a cultura de forma indelével. Está a ser gerida uma mostra dedicada a Albert Camus, ancorada na data do seu nascimento. E parece que este grande escritor, prémio Nobel de forma cristalina, é outra vez Estrangeiro numa França que, segundo se lê nos jornais, se encrespou em torno desta exposição, vivendo uma «guerra civil da cultura». A PESTE voltou e não foram os ratos que a trouxeram. Ao abrirmos esse livro podemos ler uma citação da Daniel DeFoe: «É tão razoável representar uma espécie de encarceramento por uma outra como representar qualquer coisa que realmente existe por qualquer coisa que não existe». 
Mas, atendendo à morte aparente do bacilo da peste, Camus avisa-nos que ele de facto não morre, persiste nos mais recônditos lugares, anos a fio, «nos lenços e na papelada e que virá, «talvez o dia em que, para desgraça e ensinamento dos homens, a peste acordará os seus ratos e os mandará morrer numa cidade feliz».
Algo de semelhante está a acontecer e confundimos tudo com crise e progresso.

terça-feira, setembro 18, 2012

SÍSIFO CAÍU DA MONTANHA ENROLADO NA PEDRA



Passos Coelho, primeiro ministro de Portugal, e Paulo Portas, ministro nos Negócios Estrangeiros, envelheceram nestes últimos dias amareladamente: um deles queria representar o papel olímpico de Sísifo, há um ano que transporta a pedra do castigo para o alto da montanha. Mas, à quinta vez, escorregou numa casca de banana e enrolou-se no bloco que o arrastou  para o fundo da Segurança Social. Portas ficou com o papel ímpio na mão e falou no belo estilo dos "homens de Estado": não concordava com a ideia da TSU
os trabalhadores aumentados na taxa social, que ofertavam aos patrões a fim de que esses obtivessem melhores condições para aumentar os postos de trabalho. Do fundo do buraco negro da «Segurança Social,» Coelho geme e grita que nada o fará recuar, nem mesmo o poço cósmico em que se encontra. Paulo repete que não pensa desfazer a coligação, pois sabe que vai logo parar ao inferno, pede apenas algum «manejo», uns retoques mas, seja como for, está tudo bem. Há um ano sonâmbulo, o povo veio todo para a rua, mais comportado do que os seus políticos.
Realmente, que raio, agora que já se esbulhou (excepto os ricos) quase toda a gente e que a Troika até nos acompanhará até 2014, que raio de birra é esta: há pelo menos vinte maneiras de arranjar uns trocos, tanto mais que os patrões até vão oferecer aos trabalhadores a cobrança para eles projectada, equilibrando os dinheiros de todos e inventando maneiras menos pobres de tratar do aumento dos postos de trabalho, pois aquela solução era pior que um eufemismo e nem sequer engordava os nobres empreendedores. Lá porque mora onde mora e faz dieta, o primeiro ministro Coelho (Passos) não deve disfarçar teimosia e arrogância em jeito de menino bem comportado e nada arrogante. Dobre lá o papel. Divida isso em partes iguais. E mande flores à Merkel, um galo para o Elyseu, dois biliões de tostões aos amigos gregos. Para Espanha basta uma caçadeira e para o CDS a medalha de bom comportamento. Daqui a oito dias faça uma festa, visite o BCE com um pacote de dívida portuguesa (da melhor casta) e diga ao maior banco alemão que até os grandes se esvaziam e que até em Portugal há bancos chiquérrimos.
É que os senhores não têm nenhum problema entre mãos. têm a pedra. Façam dela um monumento à Troika e mandem outro "cão-de-água" ao Obama.
Não se esqueçam de começar a prender os corruptos, os que já mandam em vocês, incluindo o catedrático a quatro bancos. Barrela, limpeza, avante pelas autoestradas acima.

DE GATO A LEÃO, MIA COUTO COM O SEU MELHOR

Enfim
TERRA SONÂMBULA
A CONFISSÃO DA LEOA
Encalhei durante muito tempo na escrita de Mia Couto, porque a tentativa de dizer África e os seus mitos e os seus povos, tudo passava por uma bondade inocente e por certa disneylândia de neologismos assaz ruidosos que salpicavam poquenos livros ou contos.
Desejando corrigir o que hoje tem, para mim, outra face, agradeço ao próprio Mia Couto ter sabido alcançar uma grandeza literária bem engrenada no espaço e na cultura africana, na devida extensão, na imagética e vaga fantasmagoria de gente ou espíritos, com leões que anunciam restos de erros, assimetrias do poder e do território. Este Mia Couto é quem há muito eu esperava.
Foi com estes dois livros que me deixei convencer, porque a paisagem vista do "velho autocarro" mistura duas tragédias, milhares de memórias, ou suprema deambulação dos mortos sobre os destroços das guerras. A escrita concebe-se naquele continente a flutuar, em terra e no oceano, espaço todo feito por referências de eleição. Quando se lê «não havia aldeias no desenho do nosso futuro» estamos a navegar sem restos de canas fingidas (neologismos) a cada mergulho das pás dos remos. E a respiração aproxima-se da nossa interioridade e da próxima experiência de África, no cume do desastre que muitos de nós viveram.
Quando li a sinopse deste segundo livro, talvez pela redacção de banda desenhada, ali parecia ostentar-se um outro escritor (inicial) que não ultrapassara a curiosidade invulgar pela história real convocada. E pensei que se perderia uma colossal metáfora sobre a memória da construção colonial, entre erros e sonhos, da imensidade dos povos em espera. Mas não. Tratava-se de uma obra maior, verdadeiramente inesquecível.

terça-feira, setembro 11, 2012

O GRANDE CINEMA CUJA VIDA ESTÁ EM PERIGO

                                                                                            1
 
                                                                                         2

Cito aqui dois filmes que se notificaram em Cannes. Os festivais são ainda o que sobra das melhores escolhas de arte no espaço empestado da civilização sobrevivente, gananciosa, infectada de bolsas de infecção industrial e de outros estereótipos.

1- filme de Kim Ki-duk, PIETA (Leão de Ouro)
2 - filme de Wang Bing, THE SISTERS (Prémio Secção Horizontes).

Aqui se lamenta, mais uma vez, que os monopólios da distribuição, em Portugal, continuem a facilitar o caos de gostos e de falsos entretenimentos, sem um ciclo sequer de obras actuais e no plano histórico, produção especial de autores exemplares para que aconteça um pouco o que aconteceu quando o Quarteto passou toda a obra de Tarkovsky e a Cinemateca fez ciclos de Kazan e Welles, os eternos pilares que estiveram acima de toda a indústria do cinema em desenvolvimento, hoje corroída pela doença crónica do imaginário americano, monstros e efeitos irreais, ruído, um largo tsunami de lixo que muitos copiam e mal.

domingo, setembro 02, 2012

AFUNDEM O SERVIÇO PÚBLICO DA RTP1 NA RELVA

MATEM A RTP2
ÀS MÃOS DO CAVALEIRO DAS TREVAS
SEMPRE A MELHOR ESCOLHA 
_________________________________________________
Logo ao pequeno almoço, João Lopes, crítico de cinema e de olhar apurado, apeteceu-lhe variar um pouco e comer uma boa taça de morangos, a par da projecção do fabuloso e bem apoiado filme MORANGOS COM AÇUCAR. Toda a gente sabe do que se trata, justamente na hora em que o governo, sem tabus nem histerias, se prepara para vender ou concessionar o canal 1 da RTP e fechar a sete chaves o canal 2, onde ainda perpassa um leve perfume de cultura, integrando notícias e referências de quase todas as artes sobreviventes em Portugal e no estrangeiro. Ao lado do repasto, o crítico tinha uma nota e uma imagem sobre o filme «Oslo, 31 de Agosto», filme da Noruega, sem morangos.
Ao começar, pouco depois, a escrever a sua coluna para o DIÁRIO DE NOTÍCIAS, acentuando, nomeadamente: «não se pode esperar que um público educado por Morangos com Açucar mostre o mínimo interesse em ver, por exemplo Oslo, 31 de Agosto, um belo filme norueguês, estreado no mesmo dia de Morangos, que não passou em nenhum noticiário televisivo. Tem a ver com quê? O ser ou não ser jovem, a dificuldade de amar e a dependência de drogas. E tem alguns actores sem tiques publicitários, a começar pelo brilhante Anders Danielsen Lie.»

«Oslo, 31 de Agosto»
João Lopes chama a atenção para o ostracismo a que vai ser remetido este filme. As performances das bilheteiras «desenham uma fronteira intransponível.» Reconhecendo Esse desastre cultural, Lopes acrescenta apenas «que o comércio é a primeiríssima forma de cultura. Na sua inquestionável inteligência, os responsáveis pela operação Morangos com Açucar sabem que esse evento existe «como um perverso ministério da cultura, com um poder simbólico superior ao de qualquer instituição educacional.» E sublinha: «Meus senhores, eis a crua verdade: os grandes agentes culturais são vocês».


o homem do leme: deixa a RTP 1 para um opaco campo de relva

Pela nossa parte, esta intervenção de João Lopes é exemplar: e este tipo de «discurso» deveria constar do contrato de concessão da RTP1 a uma «agência privada». Por conceder apenas, e à borla: não compensa em nada o país, nem a história nem a descoberta científica ou cultural. A excelência dos privados (mito lusitano sem nexo) vão tratar da sua courela, criar outras e mais clientelas acéfalas, desbaratar um fio condutor que deveria ser moderno e isento.
Sobre este bizarro e mal anunciado evento, João Lopes é oportunamente sarcástico: «A conjuntura apela ao desespero da caricatura. Assim, depois de pelo menos duas décadas de metódica degradação populista do espaço televisivo, nasceu das pedras da calçada uma avalancha de gente preocupada com os destinos da RTP, incluindo alguns políticos que nunca ligaram ao assunto. António Borges foi o santo milagreiro: com meia dúzia de palavras displicentes, conseguiu consagrar o reconhecimento de uma verdade rudimentar, regularmente enunciada por alguns críticos de televisão nos desertos do nosso pensamento democrático: que a televisão (e, em particular, a RTP) é uma questão absolutamente prioritária na conjuntura político-cultural portuguesa.»

Diremos nós, deste sítio de reflexão, oiçam as palavras deste homem e olhem para as sombras que restam na vil exploração das imagens e das consciências.


OREMOS