terça-feira, maio 29, 2007

A DOR SUPREMA

foto de Joan Moore / Getty Images / AFP
Ao ler hoje de manhã o Jornal Público fiquei prisioneiro desta impressionante fotografia e resolvi partilhar convosco o mesmo sentimento. A rapariga, deitada rigorosamente sobre a terra adjacente à campa onde jaz o noivo, vítima este ano de uma explosão no Iraque, exprime a dor da perda, a dor suprema, e talvez o seu pressentido acto de rezar pareça a muitos de nós o abrandamento funcional do sonho desfeito. Por mim, e embora respeitando a prece da «personagem» que o mundo irá engolir um dia, creio que esta atitude não significa apenas um acto de fé. São outras coisas que se esvaziaram e um retorno amado impossível.

domingo, maio 27, 2007

ARTISTAS PORTUGUESES | Gil Maia







pinturas em acrílico sobre tela de Gil Maia 2007
O pintor Maia nasceu em Mais, em 1974. São marcas curiosas. O pintor fala do gosto pelo silêncio porque nesse estado é sugerida a substância de encontro mais preciosos. Cita o canto da mesa como lugar cómodo, ou ainda o pátio enquanto possível lugar de todas as estranhezas. Mas aqui, pela excelente escrita do pintor, já nos encontramos em pleno espaço da pintura, diante do seu espectáculo, entre a batalha das linhas oblíquas e circulares, por vezes rectilíneas ou em faixa, e os planos cromáticos determinantes ou organismos subtis vogando nesse mundo ao primeiro olhar caótico, bem depressa desvendável nas suas cortinas, cortes, inesperados preciosismos, toda uma construção que, no conjunto, nos pode sugerir a interminável soma de próteses a completar e a dilatar as estações orbitais em movimentos inivisíveis, desarrumadas enquanto verdadeiro habitat humano, controladas entre gerações e gerações de computadores, a par de outras máquinas especializadas.
Gil Maia sabe certamente qual o grau de abertura das suas obras, mundos formados num quadro libertário, não raras vezes indecifrável pelas metedologias tradicionais, mas também nos revela um pouco, entre desfoques, algo que se pode «espreitar pelos buracos dos bordados», tendo assim em conta a sedução de uma de uma cortina naturalmente pendurada e cujo valor intrínseco parece atrair, de forma inexorável, o nosso olhar. É Maia quem nos diz, a propósito do pátio e de todas as as estranhezas, que esse é, ao fim e ao cabo, o apeadeiro dos viajantes sem regresso, o espaço onde pousam máquinas tão excêntricas quanto coloridas.
____________________________________________________________
Gil Maia é licenciado pela Faculdade de Belas Artes do Porto e deté já um curriculum de qualidade.

terça-feira, maio 22, 2007

OS MENINOS DESAPARECIDOS OU RAPTADOS

Esta menina, de quatro anos e origem inglesa, encontra-se desaparecida há cerca de um mês e o seu caso ainda não foi resolvido, como infelizmente acontece todos os dias com milhares de outras crianças em todo o mundo.

ARTISTAS PORTUGUESES | Sara Maia



Portrait with Mun and Dad 2007


Na sua última exposição Sara Maia utilizava em título «O Sono do Cão». Em inglês, esta expressão idiomática - Dog's Sleep - significa um certo teatro, mise en scéne. Assim se esplica, com outras frases idiomáticas visuais, a série de sinpopses que a autora propõe no catálogo para cada quadro, uma espécie de roteiro, «uma representação das representações esperadas». Afinal, diz a pintora na mesma abertura: «O título 'O Sono do Cão' expressa ainda o facto de os cães dormirem em vigília, num permanente estado de alerta. Pela sua sensibilidade apurada, a sua orelha atenta, o seu olfato sagaz, e sendo o cão um animal doméstico, carente, dependente e que assume sentimentos próximos do humano, é nele que recai a minha escolha»
Lendo bem, ao sabermos como decorreu a infânca de Sara, entre uma espécie de «sequestro» e um ilimitado espaço de liberdade criadora, o fio do nosso imaginário desenho o desenho da menina que ela ainda parece, julgamos perceber donde nasce a fascinante alegoria do cão. A menina estava sempre alerta como ele, o cão, sabendo, como todas as meninas, os modos de inventar para além das coisas, entre a crueldade e o contentamento.
Sara Maia viveu uma infância dolorosamente marcada por fragilidades, doenças, e por isso parmanecia em casa longos períodos: era aí que formatava a sua liberdade e onde inventava fantasmas, monstros, velhos meninos, situações incontornáveis. Surgem então narrativas, da menina cega aos velhos que tanta estranheza lhe causavam e cuja beleza, nua espécie de redenção, veio redimensionar no Ar,Co., onde estudou e onde desenvolveu as grandes potencialidades do seu imaginário. Daí muitas das suas preferências recairem em Frida Khalo, Francis Bacon, vang Gogh ou Bakthus -- referências, assinala, da sua própria formação.

Os quadros da última exposição de Sara, de grandes dimensões, abriram mais um capítulo no percurso da autora e são dominados por uma força expressiva poderosa, entre o monstruoso, a ironia, o sarcasmo, o que resta da bondade da menina. Sara, cúmplice com o seu tempo, olha as distorções aociais, o real degradado dos seres, a ternura e a sua impossibilidade, criando assim (como aliás vem acontecendo na pintura de hoje) certas narrativas de um realismo impossível, bordalescas por um lado e violentas por outro, acto político também.


















On ones lap
The Saint of the Little Bottles

segunda-feira, maio 21, 2007

A COVA EM QUE O HOMEM SE ENCERRA

ilustração de Corbis/VMI
«Fiquei em estado de choque quando à noite ele me confessou que tinha horror a estranhos e preenchia o silêncio com disparates» Este subtítulo deixou-me atordoado, não pela frase em si, mas pelo que ela anunciava ao meu próprio sentimento de horror, não raras vezes. Procurei o início do artigo, um texto de Erika Castriel com ilustração de Corbis/VMI («Psychology Today»). Muitos dos meus amigos, quase todos companheiros na guerra que Portugal travou em Angola, falavam-me de sintomas destes e de uma terrível sensação de claustrofobia. Perdi o contacto com a maior parte deles e na altura em que regressámos a Lisboa não se falava em síndroma póstraumático. Angola fora, para grande parte de nós, um encontro com o medo, com a saudade, com a impotência, com a raiva e a depressão. Mas, no meu caso, recebendo notícias e livros que a minha mulher me enviava, o medo contraía-se em certas viagens nocturnas, dias e dias para cobrir umas dezenas de quilómetros. Além disso, uma vez que levara a minha máquina de escrever, sempre que nos encontrávamos numa base da rede ocupava-me a escrever, desde narrativas sobre as nossas deslocações no terreno a peças de teatro, contos e novelas. A zona da floresta dos Dembos era estranha e muito bela, tanto como as margens do Loge, em Ambriz, e só isso bastou para que nunca me sentisse acossado, na iminêcia de morrer. Apesar de tudo. Apesar dos próprios mortos.
Dois anos após o meu regresso a Lisboa, acordei de súbito em pânico, um fogo de ansiedade pulsando no meu peito. E foi então que tudo começou, a palpitação do ser, a rejeição do mundo. Erika Casriel escreveu que «os nossos corpos são como uma máquina hipersofisticada, mas os sinais que emite estão calibrados para a Idade da Pedra». Tenho conversado com amigos que também sustentam a ideia de um corpo já obsoleto e vulnerável, cada vez menos capaz de responder à problemática ou à pressão que o seu próprio cérebro engendrou, agigantando a nossa condição de reféns -- e de reféns da civilização assim criada, carregada de sistemas de produção e de comando que apenas excitam o desejo egoísta da posse, do direito a mais bens, dentro de centros urbanos absolutamente antinaturais, inclassificáveis segundo os valores guardados na gaveta; centros urbanos afinal concebidos como crimes contra a humanidade.
«A ansiedade social, de fraca a grave, como por exemplo na agrofobia, que pode aprisionar a pessoa dentro da sua própria casa, alastra e agrava a ordem das coisas». Convencido de que a minha depressão se expandiu em consequência de raizes genéticas e na força das responsabilidades profissionais, mais pela memória do inferno escolar do que pela guerra lírica num paraíso suspenso, vejo o mundo actual a ser conduzido contra os valores positivos e pacificantes que ficaram simbolicamente gravados na Carta dos Direitos do Homem, enquanto as transnacionais, os exércitos regulares ou de guerrilha, as epidemias, as fomes, os genocídios todos, atingem a mais alta progressão de sempre, a par da agressão tecnológica do ambiente e da sua resposta biblicamente catastrófica, sem retorno.
Uma das palavras que mais detesto é a famosa competitividade. Quem é que pode sustentar a boa natureza de tal conceito, entre seres que sofrem efeitos bem perversos de um combate sem leis, a par da concorrência, a imagem peregrina de que os mercados devem ser totalmente livres, sem Estado ou com pouco Estado, porque tais mercados se equilibram naturalmente? Tudo isso releva de desvios comportamentais e de uma grande ignorância sobre território que se habita e cultiva -- como, porquê, para quê? Talvez a morte branca salve os sobreviventes humanos da crise em que se dilaceram, transformando por vezes uma imensa tristeza na maior das barbaridades. Partindo eventualmente de uma escassez salvadora, procurando o equilíbrio entre as relações de produção e consumo, talvez os ocasionais homens de um futuro distante possam ordenar comunidades bem dimensionadas, culturas de partilha e mercado coordenado, tendo em vista objectivos não dementes ou megalómanos como os de hoje, antes dedicados ao convívio e ao conhecimento para todos, na evocação deste universo onde as galáxias pulsam e movem-se não se sabe porquê. Mas procurar uma aproximação a esse delírio fascinante é melhor projecto do que iludir a morte com orgias planetárias.
Neste sentido, a ilusão dos heróis do quotidiano acabará entre silêncios, na utopia, embora aparentemente sem saída nem glória.

The Lost Soul, 2006 Nuno Cera

sábado, maio 19, 2007

A INFINITA COLISÃO DAS GALÁXIAS



APOCALIPSE BRANCO




CITAÇÃO

Hélder Spínola


No mundo em que vivemos, o aquecimento global, a poluição e o degelo são alguns dos sinais que reflectem o nosso impacto no planeta e nos fazem recordar a nossa responsabilidade ambiental. A percepção de que a rentabilidade das empresas depende de um desenvolvimento sustentável, a sensibilidae dos limites e potencial do crescimento económico, seu choque na realidade natural, passam necessariamente pelo ecodesign dos produtos bem como por equacionar a utilização dos materiais resultantes dos próprios processos de reciclagem.

Palavras que se inseriam em muitos discursos do século XX, como se fosse possível conservar a raiz do mal sem trabalhar a sua raiz, o comportamento e a lógica da acumulação em sucesso. O problema, em última instância só poderia ter passado pelo redireccionamento do desejo, pela contração em ordem ao essencial, pelo fortíssima mudança dos objectivos de toda a sociedade.

pequena reflexão para ficcionar

A fase de agravamento das condições ambientais do planeta Terra só foi devidamente pressentida por astrónomos do século XIX, alguns visionários, outros criativos, como Flamarion, e por muitos cientistas, astrofísicos, geólogos, especialistas de oceanografia.
Hoje acabou a agonia de Indonéia. Dela apenas flutuam nas águas alguns destroços que parecem subitamente muito antigos, animais, aves perdidas do céu e dos ramos das árvores, milhares de corpos humanos semelhantes a bóias inchadas, encalhando aqui e ali, já em decomposição e sem nenhum auxílio em volta, ao invés do que acontecia quando as catástrofes, no século XX, pareciam ainda pequenas, domináveis, superadas por grandes massas de auxílio e reconstrução. O céu -- dizia um jovem astrónomo inglês na sua noite de embriaguez -- está decididamene desordenado. Já contei oito cometas em oito dias, um erro colossal não sei porquê, pois nem sequer se previa qualquer fenómeno desse tipo para esta altura, no quadro da cartografia cósmica que controlamos.
Em maio de 2147, o Hublle10 e o observatório lunar 538C, sincronizados depois das fotografias iniciais resolvidas através do primeiro daqueles aparelhos, registaram em centenas de fases e angulações, aquilo que terá sido, há biliões de anos, a fase terminal do choque entre duas galáxias. Não me sai da cabeça esse fabuloso acontecimento, apesar das pesquisas actuais e das eventuais vias de passagem para outros universos. Aquela tragédia então fotografada, lindíssima, precisou de muitos milhões de anos para atingir tal limite, tal ponto, o que vemos ainda todos os dias, numa extensão interminável de anos luz, algo que está chegando aos nossos olhos frame a frame e que nunca passará disso antes da nossa morte na relatividade das escalas, do espaço e das massas, nas virtudes de velocidade que, embora perto da deslocação da luz, só os atingiu em convulsão (calcula-se) depois de um milhão de anos. Na «Nave da Esperança» que deriva por impulsos gravitacionais, pensamos na nossa galáxia, aparentemente protegida em longa estabilidade, e no entando sabemos como as estrelas explodem aqui e além, enquanto os planetas com vida que eram estudados numa fase crítica já tinha morrido há mais de um século.
Quando a bela Veneza se afundou, os sobreviventes da catástrofe universal ainda lá foram em pequenos grupos.O testemunho desses visitantes parecia patológico e a sua própria vida já perdida. Deixavam-se arrastar em novos barcos accionados por baterias, contornando as varandas, vogando ao acaso, olhando longamente as cornijas e os telhados sombrios. Para esses lados parecia não haver as intempéries e derrocadas de países como os Estados Unidos da América nem a imensidade dos lagos que lá surgiram, todos os dias chupados pela terra empapada. Mas estas coisas, tendo em conta a velocidade imprevista dos acontecimentos, criavam condições nunca imaginadas e outras exigências de resposta. Os bombeiros de Nova Iorque, por exemplo, deslizando em embarcações próprias nas ruas transformadas em rios, onde os arranha-céus haviam atingido a natureza aparente de anões, raramente tinham de acorrer a fogos. Ao contrário, e sem ilusões quanto ao nível das águas, haviam apurado métodos e tecnologias para acudir a imensos desabamentos, vítimas ou suicidas, gente impreparada para a situação e não raras vezes afogando-se após horas de resistência com as mãos enclavihadas em cabos e pontas de cartazes desactivados.










O aquecimento do planeta, tropicalizando a Europa e outros locais de latitude idêntica, trabalhava num verdadeiro paradoxo com a descida dos gelos, cidades inteiras como transatlânticos brancos dirigindo-se para sul. O branco imperava em toda a parte, tornava o apocalipse de uma alvura aparanetemente salvadora.
Metade do planeta já se afundou em imensos oceanos de lava branca, contra um céu branco, de nuvens altíssimas, a par de invernos curtos e absurdos. A Indonésia soçobrou por fim. A Rússia morre de frio, sempre branca, com a população reduzida a um terço. De um lado e do outro da antiga cortina da guerra fria já não é possível accionar os silos onde hibernam os grandes misséis intercontinentais. Não já verdadeiros suicídios colectivos. Os homens suicidam-se em solidão, sabem enfim que esse é, como dizia Camus, o único problema filosófico ainda convocável

terça-feira, maio 15, 2007

ARTISTAS PORTUGUESES | Ana Maria


pinturas de ANA MARIA


O que é a arte?
O que é a pintura?
Ana Maria, nascida em Lisboa, em 1959. Em 1982 conclui o curso de Filosofia na Faculdade de Letras do Porto. A par da actividade docente, começa o seu percurso artístico, em vários domínios das artes plásticas. Trabalha neste domínio desde 1960, tendo participado numa exposição de arte portuguesa no Japão, 1998. Tem um curríulo vasto, entre muitas exposições individuais e colectivas, além da obtenção de sete prémos.
Curiosamente, tomando como questão, as perguntas iniciais, Ana Maria, durante 25 anos, não falou da sua arte por um conjunto de dúvidas, entre os porquês e o destino da arte. É interessante verificar que na exposição entretanto apresentada, S. Mamede, Maio 2007, o texto da apresentação é assinado pela própria Ana Maria.
excerto do texto:
Nunca lhe interessou a mensagem social ou explorar a relação da arte como modelo de reflexão ou formas de consciência mais ou menos relaxada, mais ou menos política, talvez porque o actor filósofo passou essa mensagem num combate partilhado com os outros, com militância mas sem propaganda. Mas a arte é outra coisa, o indizível. É um discurso nunca treinado que resulta não de um código de sinais mas de um jogo ocasional e acacial (acção incontida) que une vários elementos e do outro lado o figurino a submeter forma. É quase a mesma guerra que existe entre o mundo e a existência, entre a matéria e a forma. Se no quotidiano aceitamos que somos lutadores até ao fim, também o acto criativo é a convicção permanente de que aquilo que fazemos é não só a possibilidade de intervenção convicta no mundo e sempre uma nova batalha. Então onde entra a técnica? É um segredo, ela seduz primeiro as figuras, ama-as ou condena-as. Fracasso... Falhanço... Festejo..., é o final com que nos apresentamos, reconhecimento dos limites e recomeço deste ciclo de afirmação/negação.
Sonhadora e actriz agradeço as palavras e fujo para a tela para não morrer nas mãos do encenador,
Praia da Granja
Ana Maria

segunda-feira, maio 14, 2007

PÁGINAS DE VIAGEM

pintura de MANUEL TARAIO

Com uma exposição presente na Câmara Municipal das Caldas da Rainha, Taraio dá-nos oportunidade de divulgar um exemplo esplendoroso da sua pintura, entre ambiguidades representativas que nos obrigam a uma saborosa decifração entre imagens antropomórficas ou frutos e tubérculos, na mais genuína das naturezas mortas. Eu não sou decifrador. Observo e conheço as regras internas, os «códigos» desta oficina soberba, tão desdenhada hoje em nome de todas as infâncias perdidas ou de todas as adolescências frutificadas. Esta é um talento frutificado.

segunda-feira, maio 07, 2007

AS INSTALAÇÕES DOS INSTALADOS

instalação de Nuno Vasa

A revolução das artes durante todo o século XX, apesar das duas guerras mundiais ou talvez por isso mesmo, gerou movimentos teóricos sobre a forma plástica, a mobilidade visual e os modos de realização prática. Os museus da arte antiga, de importante significado para historiadores, antropólegos, sociólogos, técnicos de conservação, entre outros, foram ficando na rota turística e dos estudiosos. Os valores estéticos mais estáveis acabaram também por ser abalados em virtude de transformações formais inusitadas. É verdade que, a princípio, modos de formar como o dos impressionistas, conservavam a densidade pictórica, dilatando-a pelo espaço óptico, tornando-se laica, embora ainda apoiada na relação entre olhar e ver, tendo a percepção, aqui, um papel decisivo. Começa então o caminho da mudança, por se julgar que, em boa medida, as coisas representadas se pulverizavam no espaço, atravessando a consciência, a razão e as emoções. Se a qualia da pintura era a cor, eis o que importava colocar no centro da polémica, procurando definir as estruturas dessa linguagem. O que não é tonto de todo e depressa se tornou um acto redutor, no convencimento de que, antes de tudo, importava (além do ponto) entender o plano (campo) na sua geometria óbvia e na secreta, a linha e o seu comportamento, a cor e as variações dos valores lumónicos, a espessura ou textura das matérias dispostas na superfície. Este despojamento intelectual foi tornando crível o processo da cebola, a obra substantiva, calibrada, em camadas construtivas, ganhava verdade quando se limpavam as cascas e camadas expeteriores até se revelar pequena e regular - um termo absoluto mais revelador da essencialidade das formas do que ds seus trajes e adereços. Assim se limpou tudo e se orientou a nova cultura para as virtudes do movimento, como no futurismo, ou para o salto sobre as aparências, para o outro lado do visível, entre registos simultâneos de vários pontos de vista, como mo cubismo. Até à tela branca e ao rasgão laminar que Fontana lhe aplicou..Mais tarde, o pouco sabia a pouco e os novelos permitiram recuperar o esplendor das antigas tapeçarias e a distorção expressiva das figuras, como em Bacon, fazia-nos regressar à aproximação do real, não por simples sentido mimético, mas na validação expressionista dos efeitos protoplásmicos da matéria distorcida, esses flashes que tantas vezes nos assaltam aqui e além. Novas práticas simultaneamente construtivas e desconstrutivas atravessaram o universo da criação artística, enquanto os autores mais insatisfeitos começavam a geminar outros processos, matérias, materiais, levando a pintura e a escultura para um espaço absurdo, por vezes vagamente arquitectónico, com máquinas imóveis ou animadas, no uso de restos da civilização industrial, ferros, madeiras, aço, e, por outro lado, restos humildes do cultivo da terra, um ramo ou uma flor no topo de um monte de areia dentro da galeria. Ou só areia para nos impedir de disfrutar «de dentro» o assentamento de pequenos cristais. Este é o domínio, agora novamente em voga, das instalações, formação com base em processos híbridos, mais ou menos complexos. E aqui chegamos a uma exposição da galeria SOPRO, onde se apresenta a impositiva instalação de Nuno Vasa. Latas de tinta, de dimensão variável, acumulam-se no espaço, embargando substancialmente a entrada. «Impedidos de entrar ou sair - diz Pinharanda - somos, mais uma vez, na genealogia de obras de Nuno Vasa, confrontados directamente (mas agora numa situação inesperada fornecida pela liberdade de expressão da arte contemporâmea) com a angústia tipificada do artista tradicional: a metáfora do espaço branco esperando uma qualquer inscrição ou rejeitando toda e qualquer representação. «Acto», assim se chama o acto, é uma lata de tinta branca entornada na fronteira entre o interior da galeria e o seu acesso exterior - impedindo qualquer entrada ou saída. De novo se estabelece uma forte relação física entre a acção da obra e o espectador». Não é uma relação feliz e nem sequer agressiva. É um adiamento. Um acto académico (de hoje) que adverte o espectador de duas coisas possíveis: imaginar sentidos ou voltar criativamente para casa.

domingo, maio 06, 2007

TÚMULO DO MALOGRADO D.SEBASTIÃO

Este é o túmulo de D.Dinis, numa soberba fotografia de Eurico do Vale, que nos confronta com a luz exterior, memória fecunda da vida do rei e do reino, simetria simbólica de quem teve a verdade do projecto e Portugal um retorno por vezes deslumbrante. A Galeria Carlos Carvalho, Arte Contemporânea, atreveu-se a esta viagem quase científica dita Retratos dos Túmulos dos Reis de Portugal. Trata-se de uma viagem em que a fotografia só é espectacular à medida da imponência das pedras, das esculturas e do ângulo que o fotógrafo explorou com superior parecer. O que nos resta para reflectir é então o espectáculo da luz e da sombra, a fotografia em si, o silêncio que envolve os meandros da época, da figura evocada, da demorada medida de tudo isso.
Em baixo vemos uma fotografia do túmulo de D. Sebastião, o malogrado rei que alguém terá iludido e que neste túmulo (vazio?) se desdobra na dinâmica piramidal, eventualmente simbologia do crescimento amputado, enquanto a grandeza é apenas mítica, vista por uma câmara que regista de baixo para cima, em oblíquas, sem a grave serenidade vertical das outras peças. A névoa era um mito diferente para chegadas tardias. João Cutileiro trouxe D. Sebastião para uma estátua não tumular, mármore facetado, cor de cinza, e um rosto rosado de menino ao mesmo tempo temerário e assombrado, expressão concentrada nos olhos que, embora pequenos, se iluminam para diante, na patalogia ir.