sábado, novembro 29, 2008

O BAZAR LABIRÍNTICO DA VIZINHA PATRÍCIA




Este bazar ou coisa desse género, excessivo, por vezes como um campo de flores ao semi-cerramos os olhos, existe há cerca de cinquenta anos ali para a ponta da Ferreira Borges. É fascinante procurar coisas de que não precisamos naquela selva de latas, alumíneos, plásticos, vidros e madeiras. Para não falar nas caixas de cartão pintadas para quartinhos com bonecas. Já adquiri nesta casa transcendente alguns objectos mais comuns e recorrentes: caixotes do lixo e adereços funcionais para garrafas e especiarias. É tudo inútil e demasiado, pitoresco e avassala-dor, o comércio de bugigangas e de non-sense. Há dias procurei, numa parte do labirinto, encalhando em espelhos e baldes de plástico, um conjunto de pratos da Secla, objectos que eu já vira alinhados numa das montras iguazinhas ao interior. Patrícia sorriu e disse: «Já não temos material da Secla. Há tempo que a fábrica fechou».
Fiquei fulminado, como quem sabe da súbita a morte de um amigo. Quando olhava para as coisas da Secla lembrava-me das visitas que fazia à fábrica, com os alunos e com a televisão, para uma série documental. Onde estariam aquelas raparigas pintando pratos em série, num truque de mágica sempre a bater certo? Os rostos pálidos, as mãos precisas e finas, a pasta cerâmica cor de café com leite, nem escura nem clara, apenas no tom certo que o forno iria petrificar e encobrir com o vidro fosco.

A SAUDOSA AIA DA RAINHA CARLOTA JOAQUINA




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Sob o desconforto da chuva, olhando um céu de chumbo, volto à leitura dispersa dos jornais, restos do mundo, tempestades, ventos bárbaros, e acabo por encontrar, meio escondidos sinais criadores de algum júbilo: Alexandra Carita escreve sobre Filipa Martins, cujo primeiro livro que escreveu logo lhe valeu o Prémio Revelação da APE 2005. («Elogio do Passeio Público»). É-nos dito que Filipa «criou uma imagem forte de si. Nela mistura determinação com o que julga ficar-lhe bem. Mas o seu retrato só brilha quando deixa cair a máscara». Alexancra esconde os problemas do êxito neste improvável jogo da máscara, pois sem ela, nos dias que correm, dezenas de livros, de autores com talento, irão passar desapercebidos por todas as APE do país, malditos antes de o serem de facto, deslidos por editoras que não sabem o que querem ou andam a imitar os bancos, comendo-se umas às outras e publicando muito de pouca qualidade. Aliás, o artigo sobre Filipa Martins não aborda o livro nem favorece verdadeiras pistas para sabermos do seu real valor. Porque não basta dizer-nos que a autora «sabe justificar a estrutura da narrativa, a consistência de cada personagem, a construção frásica, a linguagem, o conteúdo mais supérfluo e mais profundo», completando entretanto esta espécie de retrato de alguém que viaja pelos vários continentes, licenciou-se em jornalismo e mostra o maior entusiasmo pelo programa televisivo em que trabalha, «Imagens de Marca», a par do fascínio pelo mergulho e pela fotografia (aquática, presumimos).
Assim mais esclarecidos sobre uma maneira de fazer jornalismo, lemos ainda que Filipa «voa de braços abertos quando conta de uma só vez toda a história do romance que escreveu sob a orientação de um professor faculdade e logo lhe valeu o Prémio Revelação da APE» (o sublinhado é nosso).
Penso nos escritores para si mesmos sonhando, talentos cuja criatividade vai ficando encoberta pelo desacerto com as regras das editoras agrupadas, cada vez mais semelhantes aos bancos de «todos os tráficos», deslendo obras virginais e anunciandoras de novas vozes. Um amigo meu, que tentou a primeira edição do seu primeiro livro em editora conceituada, recebeu os maiores elogios do director e o original ficou nas mãos dele, muito experiente, que lhe disse seis meses depois:«Meu caro amigo, o seu livro é notável a todos os títulos. Mas lamento dizer-lhe que não o posso publicar. Apesar da sua belíssima forma, não o posso publicar porque hoje já não se escreve assim».
O jornalisno possível, ao conceder duas grandes páginas ao sucesso de Filipa Martins, aflorando apenas envolvências de infância e outros aspectos do bem humorado feitio da autora emergente, poderia ter tocado menos nas circunstâncias ditas e um pouco mais nos céus obscurecidos que os mercados implantam nos crânios dos editores. Seja como for, ficámos a saber que Filipe obteve o seu refúgio em Queluz ou em Sintra (ela também não sabe) num espaço acolhecor onde terá vivido a saudosa aia da Rainha Carlota Joaquina.

sexta-feira, novembro 28, 2008

PAISAGEM DE UM RESCALDO TRÁGICO NA ÍNDIA

Bombaim, 26 de Novembro de 2008. Uma rua da cidade onde se espalham efeitos dos ataques verificados naquele dia, objectos, sangue, ainda corpos. A notícia e uma só pergunta a seguir, ainda em estado de choque, estupefacção, os olhos cegando de lágrimas e da luz terrosa que envolve a paisagem urbana.

VOLTAREMOS À BARBÁRIE NO SÉCULO XXI ?



A propósito desta imagem de terror, alguém poderia perguntar se ela se refere a uma tentativa de entreajuda nas cenas de exterior do filme de Fernando Meirelles, «Blindness», recentemente nociado neste blog. Este documento não vem da ficção, retrata antes um pormenor do terror generalizado em Bombaim, onde, na quarta-feira à noite, se verificou um largo número de polos de ataque, os quais foram coordenados por terroristas islâmicos. Vivendo, com a China, um recente desenvolvimento económico, a capital financeira e tecnológica da Índia viu-se submersa nesta luta imprevista, que provocou 125 mortos e mais de 300 feridos, sob a odiosa paisagem de cenas de barbárie indescritíveis, segundo várias testemunhas. O exército indiano controla a situação, mas o problema não está ainda totalmente resolvido. Ao que parece, os terroristas visavam fazer reféns estrangeiros em pontos nevrálgicos, sobretudo americanos, ingleses e franceses. Os comentadores não parecem relacionar esta operação com o 11 de Setembro (Nova Iorque), mas não deixa de ser estranho o método, a sincronia dos actos, e sobretudo os alegados objectivos.
Talvez tenha chegado a hora, com a crise internacional, a derrapagem do capitalismo e as sequelas de uma civilização cada vez mais acrescentada de processos desenvolvimentistas, aliás meros crescimentos materiais, se estamos de facto confrontados com uma viragem aterradora, após milénios de egoismo e ganância, enfim envolvidos de guerras um pouco por toda a parte, de uma universal insegurança, justamente no início do século XXI, para o qual tantas utopias se anunciavam.

terça-feira, novembro 18, 2008

O ROSTO TRÁGICO DOS REPLICANTES



Do filme «Blade Runner», que tive o gosto de rever, relembro os seres biorobóticos, programados para viverem quatro anos, destino amargo imposto pelos homens na imaginada condição de deuses, assim, ao limitarem a tecnologia do sublime ao desperdício de uma temporalidade rasca.

SARAMAGO DADO A VER POR MEIRELLES


A relação do cinema com a literatura foi sempre atravessada pelas maiores incertezas. Tudo acontece pela dificuldade em tratar formas literárias, o seu próprio tipo de recepção, num quadro linguístico muito diferente, cuja apreensão decorre de um tipo de imagens em geral fortemente coladas ao real. Um livro como «Ensaio sobre a Cegueira», de José Saramago, ao contrário de outras imitando o mais possível a vida quotidiana das pessoas, é o caso das obras aparentemente intraduzíveis no cinema. Até porque parece desenvolver-se fora da realidade, mercê de um fenómeno de cegueira súbita que se estende, como horrível epidemia, a todas as pessoas (menos uma, saberemos), situação projectada no mundo urbano, numa grande cidade algures, gerando as maiores tragédias e a destruição alargada da rede que liga os indivíduos, as suas instituições de trabalho, a gestão das logísticas e das leis capazes de conferirem à vida em comum vários equilíbrios de sustentabilidade.





O filme do brasileiro Fernando Meirelles, além de nos dar a ver os personagens e as situações do livro com grande fidelidade de aproximação, torna frequentemente mais claro o sentido (e as simbologias inerentes) do que a própria obra literária aponta.. Não é uma questão de ser melhor ou pior. É o alcance da justa medida das analogias, superações indispensáveis, identificação corporal dos grupos humanos inicialmente atirados para uma quarentena abominável. Como é provável, o modo aparente de propagação da cegueira levou as autoridades sanitárias à solução preventiva, aliás a breve trecho intolerável, em gueto, na medida em que a demografia dos pacientes aumentava, inclusive até à carência dos meios alimentares e de qualquer suporte de segurança. Fechados em duas camaratas bem depressa inundadas de desperdícios, fezes, líquidos iníquos, os cegos atemorizam-se primeiro, relacionam-se mal, dividem-se em facções: os que se apropriam da corrente de víveros impondo aos da outra caserna a lei do meis forte, através do roubo e pela troca de mulheres por certas quantidades de comida.

Julianne Moore

É preciso dizer desde já que, a partir dos primeiros sintomas, a mulher de um dos personagens (actriz Julianne Moore) conservou a visão, facto que o casal decide esconder em nome de sobrevivência. E ela conservou a visão sempre, apesar de teremer perdê-la de um momento para o outro. Mas isso permitiu-lhe, estoicamente, minimizar esforços, ordenar muitas coisas, dirimir conflitos. A história desta peste branca é contada com grande verosimilhança e detalhes surpreendentes, além de medonhos. Depressa se vai compreender que o eterior estará também vitimizado e que a assobrosa barbárie vivida na quarentena tem de ser interrompida em nome da dignidade possível, em busca da mínima aprendizagem dos actos comuns, em ordem à sobrevivência e aos agrupamentos solidários, capazes de partilharem lugares de vida, entendimentos, compreensão so estado do mundo.


O ensaio, no fundo, é mais sobre a natureza humana do que sobre aquela oclusão visual por uma espécie de cortina branca. A redenção é alcançável, pensam os mais atentos aos sintomas em redor, sobretudo quando, além da mulher não invisual, outro elemento do grupo organizado em torno dela recupera a visão. A estabilidade insular desse grupo, porventua como de outros que vemos no caos inóvel das grandes paisagens urbanas, aponta para novos objectivos e para a própria irradicação do fenómeno. É então muito plausível que nos lembremos de «A Peste», de Camus. A busca do homem, contra uma realidade absurda, assaz destruidora dos valores individuais.

A pastosidade da escrita de Saramago, a sua falta de sentido visualizador através da palavra, tornam ´«Ensaio sobre a Cegueira» algo obtuso e pouco empolgante. O filme de Meirelles descodifica sombras e ocultações, usa efeitos de fotografia, encenação e montagem, com forte qualidade expressiva e belíssimo recorte plástico. As diversas situações, crise após crise, tem um lado de blasfémia esclarecedora, faz-nos ver com a mulher que vê, sentir a grandeza da sua força, do se humanismo, da sua esperança. Há soluções cinematográficas, inclisive a passagem a uma certa unificação pelo branco e pelos valores cinza, que nos arrebatam e iluminam, desberta após descoberta. Saramgo é-nos dado a ver pela densidade funcional do filme de Meirelles. E quando a mulher, na varanda da sua casa transformada em albergue, na escolha solidária da paz, ergue os olhos ao céu, num espanto de atmosfera branca e pergunta quando será a sua vez, o realizador baixa a câmara, entrando em campo o esplendor semi-desfeito da cidade em todo o horizonte, a chave humana da salvação é desvendada à clara luz da manhã.



Rocha de Sousa


Vejo o livro como um hino à comunidade. É como se estivesse a dizer que é preciso tirar a visão às pessoas para que possamos, finalmente, criar um ambiente de solidariedade comunitária. Fernando Meirelles

segunda-feira, novembro 10, 2008

COSMOGRAFIA DO DESLUMBRAMENTO E DO LIXO

SPACEJUNK, animação de Miguel Soares

Há cerca de cinquenta ou sessenta anos a revista «Colliers» já publicava, pelo imaginário de van Braun, largos conjuntos de projectos dedicados às viagens no espaço cósmico, ou pelo menos entre os planetas mais próximos do Sistema Solar. Alguns desses projectos inspiraram, por fraccionamento, as verdadeiras pistas das primeiras cápsulas tripuladas (com vantagem para os soviéticos, nessa altura) e as possíveis viagens entre planetas. A prudência tecnológica, e as próprias limitações orçamentais, conduziram ao estudo de sucessivos rastreios comandados à distância, usando satélites artificiais capazes de orbitarem a Lua, Venus ou Marte, fase em que se acedeu a importantes conhecimentos sobre esses astros, tendo em conta cartografias decisivas e detecção dos componentes da armosfera, do solo, de uma grande variedade, aliás, de acções robóticas relativas a espectros químicos, por exemplo, cujos resultados eram enviados para a Terra. Pelo uso posterior, ou a par destes métodos, de sondas com meios de aterragem, movimentação e pesquisa, hoje já se pode defender que conhecemos praticamente todo o planeta Marte, além de estarmos cada vez mais informados sobre Vénus, Mercúrio, Júpiter ou Saturno, com exploração paralela dos vários satélies desses astros. De resto, ao lado desta programação que acabou por se estender até ao limite do Sistema Solar, além de sondas atiradas para o infinito, através da nossa Galáxia, o homem foi cumprindo um trabalho de avanço até à Lua, acabando por fazê-lo por intermédio do Projecto Apolo e de sucessivas viagens com astronautas que não só alunaram como trabalharam na superfície do nosso satélite.

Todo este conjunto de acções no espaço exterior à atmosfera terrestre, incluindo uma possível viagem até à superfície de Marte, precisa cada vez mais, no território do nsso planeta e em estações orbitais de carácter experimental e logístico, com astronautas permamentes, trocados em tempo próprio, o que se preparou, agora numa colaboração entre os mais avançados países ligados à exploração do espaço, com instalações entretanto já caducadas. Passou-se para a junção modular de nova concepção, habitáculos com gente a bordo, em rotação, sobretudo pela criação das recentes naves mediadoras, «Vai-vem». Essas naves de ida e vinda transportam vários astronautas, possindo um grande porão, apropriado, para carregamento de partes diversas, muito material de construção ou de sobrevivência, em ordem a cumpir as fases estruturantes da Estação em órbita, à qual atracam os cargueiros/mensageiros, cujos tripulantes convivem com os «residentes», fazendo, por intermédio de um grande braço móvel das naves mediadoras, o transbordo das mercadorias desse ponto para lugares estratégicos, na proximidade do ponto de montagem. Ao longo de todo este tempo, várias décadas, os estrategas de diferentes especialidades, passaram a controlar uma imensa rede de satélites robóticos que giram em torno da Terra, segundo diversas rotas, permitindo alertas de defesa, redes de comunicação e vigilância, a par de outras vias que são mais votados a experiências de retorno.

A imagem aqui publicada, de grande realismo, «imita» certas fotografias tiradas no espaço e em circunstâncias semelhantes. Este género de estações eram as «anunciadas» na «Colliers», nos anos cinquentam, e cujo modelo Kubrick usou no seu filme «2001, odisseia no espaço». Quase tudo, nesse filme, fazia parte de uma invenção decalcada em projectos «possíveis». Mas as chamadas Plataformas de Anel foram por enquanto abandonadas. Tarkoski realizou o seu filme «Solaris» num cenário a condizer com esse tipo de instalação cósmica, embora procurando, entre ruínas e lixo abandonado, desenvolver profundas reflexões sobre o homem, sua existência e situação no Universo. A figuração plástica que nos propõe Miguel Soares reveste-se, para além da sua singularidade enquanto espectáculo, a um tempo histórico do futuro no qual Plaraformas com esta confiuguração anelar, meio construídas ou meios desconstruídas teriam uso. Pode tratar-se de um desastre futuro, lixo em volta da constrção arruinada, assim destinada a vogar no silêncio até qualquer possível aproximação e queda na Terra. Mas as fases de construção chegam a parecer espectáculos assim. Os astronautas engenheiros não pousam as suas «caixas de ferramentas» numa mesa a seu lado, mas apenas no vazio e perto de si. Daqui e dali se recolhem peças, ferramentas, cabos, ligando o que há para ligar, encaixes, desperdícios de facto, consolidação dia a dia, semana a semana, ano após ano. E o que é mais inquitetante é o facto de uma rota orbital diversificada estar hoje carregada de satélites artificiais, restos de naves e de peças, caixas provisórias, tudo na mesma linha de comportamento que foi enchendo o nosso habitat dos mais diversos lixos, vulgares ou cada vez mais perigosos. Os mesmos erros além do horizonte. E talvez um dia, num local longínquo, colonizado pelo homem, espécie superior mas de difícil adaptação a uma profunda mudança de sentido e medida, dado a esta à sua mania de crescimentos apocalípticos.

domingo, novembro 09, 2008

DESENHAMENTO | PALAVRA/IMAGEM:PUREZA


O jogo de encontrar uma imagem fotográfica que possa conotar-se com certa palavra ditada por uma fonte anónima implica rebuscar em arquivos ou socorrer-nos da memória a fim de resolver esse problema. Parece uma tarefa fútil, de facto um jogo: mas não se trata principalmente disso. O que acontece é mais complexo e tem uma carga pedagógica, cultural, eventualmente interventiva. O nosso arquivo tem localizações específicas, as palavras não se encontram na mesma «gaveta» das imagens, enquanto estas se relacionam com outros espaços de arrumação e relação. Fotografar um elemento da vida para se colar à palavra «morte» pode cair num resultado ambíguo, mas pode também estabelecer uma metáfora pluralmente significante.
Aqui a imagem procura ilustrar a palavra pureza.

quinta-feira, novembro 06, 2008

SOBRE A ARTE CONTEMPORÂNEA PORTUGUESA | José Carlos Teixeira


O trabalho desenvolvido por José Carlos Teixeira envolve, sem efeitos formais ou fingindo que eles não existem integrando o projecto, indicadores que nos ajudam a entender a problemática da língua e da fala, as transmigrações entre os sinais da linguagem, o reconhecimento do todo pela parte. Isto também se ajusta ao modo da pessoa estar e como se relaciona com os contextos, objectos, situação. Uma figuração performativa pode apoiar-se na mulher sentada, ou dobrada para o chão, presente em ausência, e a simples demora desse acto confronta-se com o sentido da nossa espera visual, tanto no gesto como na pose, quando encostada à parede, em pé, reformulada pela luz: a linguagem visual muda o sentido da própria «dispensa» dada ao modelo sobre uma posição, falando com os experimentadores: a fala é sempre, mesmo quando não o parece, um pressuposto ou proposto acto performativo.


Antes de qualquer formulação dedicada ao público, as relações de José Carlos Teixeira têm sido testadas nesse âmbito perfomativo, convivial, de ensaio de ideias, todo o tempo em registo vídeo das conversas trocadas. Entre as sombras e as claridades, calculadamente, as personagens falam das suas experiências, quer se mostrem imprecisas, quer surjam debruçadas sobre a realidade, a sua intrínseca movência, a prática em revelação constante na linha do seu discurso ou das não histórias no rumor de cada introspecção, sem medo, razão das emoções que nelas formam a falsa certeza do espaço de afirmação temporal, é presente e é devir, conjugando a pertinência do nosso apelo pelo espectáculo, sem negar o valor expressivo do plano paralítico (no papel que nos cabe) para não nos alienarmos à escassez significativa de um meio riquíssimo de hipóteses formais ou de ligações dialécticas com a experiência e o seu inverso absurdo.


A pesquisa de José Carlos Teixeira, icluindo vídeo-instalações como «ESSAY ON UNSHEL TRED BODIES» ou «38 minutes of anthropology», tende a estabelecer actos separados e ligações imprevistas sobre a natureza dos nossos sentidos no contexto cultural a que pertencemos. A gravação de discursos orais encadeados, ao confrontar passagens do inglês para o português, avisa-nos sobre a qualidade das experiências individuais e em grupo, mostra-nos como os nossos sentidos estão a ser estimulados e como esse facto envolve diversas sonoridades ou expressões poéticas, sem versos, sem tonalidades cromáticas, sem espectáculo, mesmo quando, em certo momento do estudo, o operador tenta criar «desacertos» e «acertos» no corte das imagens, no seu enquadramento, no recurso ao close-up, manipulação plástica e cinética que matém no off funciona a decorrência das falas, já sem que saibamos a quem pertencem. Não se trata portanto de seguir um guião mas de reunir e confrontar as sensibilidades, urgências, nostalgias, métodos, coisa nenhuma.



Etnógrafo do profundo sentido do homem, experimental e contornando o espectáculo, José Carlos Teixeira parece desdobrar os pontos de vista, ou, como disse Elizabeth Line, «os corpos convertem-se em topografias debaixo do olhar do autor.» Por exemplo: «procuram um equilíbrio entre a promiscuidade extrema do movimento nómado, característico da era do capitalismo global e o seu próprio enraizamento.» Ver a instalação fotográfica, legendada, e confrontar essa instalação com a sua edição em vídeo, são atitudes bem diferentes afinal perante coisas semelhante: a mensagem densifica-se, a dimensão autoral do objecto ganha mais determinação.


O fenómeno da desterritorialização não tem apenas efeitos libertadores, incidindo sobre a identidade. Teixeira terá desconstruído o melhor que há na qualidade individual da pessoa (e os vídeos o demonstram em parte), enquanto a ocasionalidade tende a contribuir para tornar redutora a forma da nossa admirável contingência. Aquela ponte de outra geografia mostra, de um modo inquietante, pela aceleração das mobilidades entre velhas rotinas e gente acossada pela vida actual, sombras sem rosto, sem nome, pedaços de coisas vogando na madrugada em direcção a um amanhecer lasso.
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Rocha de Sousa, com base num estudo publicado
no Jornal de Letras em que procurou abordar al-
guns aspectos intelectualmente relevantes da ar-
te conceptual de José Carlos Teixeira.

quarta-feira, novembro 05, 2008

BARACK OBAMA, PRESIDENTE DOS EUA



Obama, membro do Senado dos Estados Unidos da América, alcançou, após uma extensa e árdua campanha eleitoral, o cargo de presidente deste país. Afro-americano, dispondo de uma folha de serviços limpa, falando com desenvoltura num projecto de mudança e de crença nas capacidades do seu país, este homem abriu uma frente de impressionante vigor durante o trajecto pelos Estados Federados da maior potência do mundo, hoje acossada por grave crise do sistema financeiro. Obama foi alvo das maiores manifestações de sempre na noite de ontem, através de todo o acto eleitoral, assumido em massa pela maior participação dos eleitores, algo como cem milhões de votantes. O seu adversário não era uma figura apagada da América dos nossos dias: McCain tem um percurso político de mais de vinte anos e é considerado um herói do Vietnam, onde combateu e foi feito prisioneiro, suportando durante cinco anos essa difícil situação num teatro de operações como foi aquele. Mas a sua visão do mundo, tocada por ideias de cariz conservador, dir-se-ia ensombrada pela diferença do discurso adversário; contudo, a sua força emocional e alguma rebeldia perante o pior do status quo, ainda o tornaram difícil, provável ganhador em alguns Estados problemáticos. Barak Obama, contudo, recortado por uma diferença sensível, com respostas bem calculadas perante as notícias do momento e a sua firmeza consistente na projecção de certa imagem cerebral mas imprindo legibilidade aos apelos que fazia, mostrou-se capaz de posturas serenas, descontraídas, paralelamente tocadas por um sentido de impressionante oportunidade intelectual.
Perante a situação do país e a penosa administração Bush, o confronto destes dois candidatos à Presidência dos EUA mostrou-se frutuosa em muitos sentidos. A votação de ontem e a expressiva vitória de Obama, tanto no acesso ao cargo de Presidente como nas maiorias do Senado e da Câmara dos Representantes, traduz-se em qualidade e valor histórico. O mundo espera que a diferença que marcou, para Obama, esta luta épica, seja de facto uma viragem capaz de unir esforços e contribuir para pacificações cada vez mais urgentes.

John McCain