segunda-feira, abril 30, 2007

ARTISTAS PORTUGUESES | António Gonçalves


















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António Gonçalves, com uma exposição intitulada Impossibilidade, no Palácio Galveias, entra perfeitamente nestas nossas «contas» de ir revelando autores portugueses contemporâneos, sem cronologia ou referência de idade, apenas pela oportunidade, pela revelação de certas experiências no campo das artes plásticas.
A narrativa articulada pelas fotografias reinventa ou ficciona um trato de mercado de arte impróprio, pois tanto podemos estar diante de um acto de secretetismo, com aspecto ilegal, como de uma simulação de tudo isso e alguma discrepância noa meios, quer no disfarce arquitectónico dos lugares, quer no uso de um sumptuoso carro que não se ajusta ao outro tempo, embora possa pertencer ao domínio dos instrumentos de certas actividades do mercado ilícito de hoje. Se as pinturas, trazidas pela rua nas mãos (assim parece) do próprio autor, não podem estar a montante do espírito que as criou em e simultaneidade com a sua verdade subjectiva a jusante, agora. Isso retira-nos a possibilidade de relacionar os objectos e os sítios, e a própria actividade das criaturas, num tempo imensurável, parecendo relacionar-se com o mercado obscuro da arte, pertencendo a um tempo sem medida de todas as ilicitudes. Assim armadilhada a nossa visão, passando por uma poética de formas paradoxais, resta-nos a solidão de quando somos o último espectador a sair do teatro, refazendo vezes sem fim o sentido das cenas e o seu repetido desconserto.
Como a arte não é, quanto parece, um campo de revelação, os que lhe dão corpo ou fingem copiar o visível, ou apontam a uma autonomia fundamentalista ou legam ao espectador a mentira de cada representação. A mentira assim produzida pode ser um caminho de efeitos precários, mas pode também sagrar-se como alibi de uma verdade escondida. Klee definiu este difícil nó com grande lucidez: «a arte não reproduz o real, torna-o visível» Daí, em boa medida, a sua raridade.
Quem são estes homens vestidos de preto? O pintor acaba por ser o próprio Gonçalves. Depois de esperar, os homens apropriam-se das pinturas, pela calada da noite, enchendo o carro de luxo. Que máfias são estas?. Como é que uma pintura pode ser objecto de comércia, nestes e noutros moldes?
A mentira da representação muda, rara e difícil, sobre a realidade talvez passe mesmo pela mercantilização da beleza e pelo equívoco das fotografias aqui referidas, ambígua teia de sgnificantes e significados que o usufruidor das aparências pode indiciar entre filosofias divergentes ou convergentes. O consumo megalómano do mundo contemporâneo não se reserva para uma arte problemática: prefere pagar uma arte caríssima e que pouco mais pode fazer do que anunciar a sua própria morte.
N: com base nos textos de Pinharanda

domingo, abril 29, 2007

ARTISTAS PORTUGUESES | Jorge Abade


MURDER BALLADS


Jorge Abade apresentou há pouco tempo, na galeria Sopro, uma exposição consolidadora da sua obra e inspirada num disco de Nick Cave que diverge um pouco das músicas mais divertidas. Agora há «violência e tensão», também «esperança e beleza de luto». E Jorge Abade, na tensão da metamorfose, tendo em vista inserir esta realidade mutante na sua pintura, inventa metáforas de inocência e guerra, apropria-se do corpo, transforma-o através de próteses parciais dele mesmo, retrato impossível em geminações trágicas. O novo organismo parece despojado de ideologia, de projecto de bondade. O mundo de «O Homem Elefante» não resiste a esta monstruosidade aparentemente vencedora. Muitos nos avisam da ausência de futuro, na incapacidade de nos reconhecermos de novo. O retrato de Bacon será sempre a metamorfose sedutora da sua distorção. Assim acontecerá com as belas criaturas de Jorge Abade, incapazes de desalojarem a evocação da guerra, mesmo em armas de plástico, e hastes a florescer como troféus ilusórios. Tragicomédia autodestrutiva, o retrato ao espelho intemporal reflecte baladas da arte contemporânea na hipótese assassina do jogo que se joga em volta.
N. este texto, do autoe do blog, foi publicado no JL de 25 Abril 2007

A ORDEM NATURAL DAS COISAS


Estas fotografias, de Rocha de Sousa, fazem parte de uma reportagem muito mais vasta, sobre a queda e fragmentação de um posto metálico de alta tensão (ou o seu derrube para desvio da linha) que mais parece, em contraste com a paisagem, restos de uma nave alienígea (como é nosso gosto invocar). Outras fotografias desta série foram publicadas (com trabalho de efeito plástico no blog construpintar02. Quando se fala, a propósito de eventos como este é razoavelmente comum evocar a ordem natural das coisas, justamente na medida em que a queda orgânica de volumes desta natureza, por falha dos apoios, tempestade ou outra razão similar, é mais uma vez a (por vezes) espectacular demonstração da lei da gravidade, de Newton

sábado, abril 21, 2007

PRESENÇA DA PINTORA ISABEL SABINO

2007 pormenor 9 de branco sujo
ISABEL SABINO

Isabel Sabino, pintora pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, onde lecciona, tem já um importante currículo e uma participação superior nos estudos das ciências das artes, com trabalho de pesquisa teórica e prática, participação em publicações de carácter ensaístico, a par de desenvolvimentos no domínio das metodologias ligadas às disciplinas de índole artística. Tem desempenhado cargos de relevo na Faculdade e dedicado um esforço sensível sobretudo na pintura. A sua obra plástica resulta de uma espécie de convergência de várias aprendizagens, as quais se juntam à resolução da forma, entre uma certa nostalgia da representação antiga e os elementos fracturantes do processo e do conteúdo relativos à forma plástica em si ou indicidora de referentes diversos. O tempo marca o que resta disso em paisagem, no sonho e na memória da vida humana, das suas marcas, dos seus lugares, numa arrumação falsamente empírica das coisas e dos seres, como aliás se depreende em parte no quadro recente aqui publicado.

sexta-feira, abril 20, 2007

FAVELA PARA SAMBAR E PARA MORRER


Só na cidade do Rio de Janeiro existem cerca de 750 favelas, onde habitam mais de um milhão de pessoas. A revista «Visão», de 19 de Abril, apresentou um excelente texto de Alexandra Correia (enviada especial para seguir os acontecimentos de violência naquela cidade) em colaboração com os fotógrafos Walter Mesquita e Fábio Café. Sobre este mar de habitações implantadas caoticamente num dos morros do Rio, entre céus tropicais, Alexandra diz que «os morros do Rio de Janeiro são cenários de guerra. Entalados ente os traficantes de droga, a polícia e as milícias populares, os seus habitantes são filhos do abandono, gente que o Estado esqueceu. Histórias de violência e da vida que existe para além dela». Raramente se encontra no mundo algo de semelhante a isto, bem perto dos belos prédios implantados na curva sequencial da baía, algo que o tempo vai fazendo explodir, clandestinidade dos materiais tratados de forma embrionária mas fazendo aparecer na distância uma fantástica tapeçaria quadriculada, festiva, num espectáculo de silêncio. De perto, tudo é escabroso, e ainda belo, vidas escorrendo pelas vielas e grupos tribais que disparam sonhos de grandeza entre a música, a vida e a morte.
Uma frase terrível abre o texto e cita bocados de uma história esfacelada: Alberto não é homem de contar quantas almas já separou do corpo. Sabe que começou com 11 anos e cedo aprendeu a fazer desaparecer gente pelo método do microondas. «É numa espécie de caverna, na rochas, no cimo do morro. A gente põe o cara lá, bota fogo e tapa a entrada da caverna». Fala de Alberto. Depois fala do método do pneu a arder, o cara dentro dele. Quando Alberto conta, com um cero brio do dever cumprido, que matou a tiro um «cara que passava as mãos nos sobrinhos, acaba assim, sem mais: «Nem era para matar, só para torturar. Mas olha, foi».

quinta-feira, abril 19, 2007

BAGDAD, ALGUNS DIAS MAIS TARDE






















reconversão de uma fotografia editada pelo PÚBLICO
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Cerca de dois dias após ter sido publicada (aqui) uma fotografia documentando a existência, a sul de Bagdad, de um cemitério de destroços de carros-bomba numa área de 5 kms quadrados, é anunciado mais um desses atentados, na mesma cidade e no Mercado Al-Sadriyah, com a morte imediata de aproximadamente cem pessoas, numa contagem que terá aumentado em virtude dos feridos muito graves. Apenas seis atentados, só na zona da capital, mataram mais de duzentos indivíduos. As forças americanas limitam-se sobretudo a uma situação de patrulhas, abrindo por vezes rusgas mais ou menos aparatosas. Mas, enquanto se espera por uma nova estratégia, o exército estrangeiro que ocupa o Iraque, ocupa-se difusamente das margens. Entretanto, e para comandar as acções anunciadas, o país foi entregue ao general Petraus, ao que parece muito experimentado nesta linha de interveções militares. Tudo isto é estranho e desconfortável, pois o general só poderá dispor de um novo contingente para operar lá para meados de Julho, embora o plano tenha começado há mais de dois meses, com resultados pouco significativos. aquém dos objectivos traçados. E quem sabe se esses objectivos, para um futuro sem nome na área, terão alguma vez um rosto?

segunda-feira, abril 16, 2007

A GUERRA DOS MUNDOS

foto: Ahmad Al-Rubaye/AFP parcial
Esta fotografia regista a imagem de um grande cemitério de destroços de carros-bomba. Embora o documento apareça aqui reproduzido só em parte (cerca de 50%), o efeito que projecta em nós é sem dúvida muito forte e coloca-nos questões de fundo relativas à situação da humanidade no século XXI. Aqui, milhares de ferros retorcidos, entre esmagamentos indescritíveis, ocupa a sul da capital do Iraque uma extensão de 5 km de terrenos. Desde o início do conflito, rastilhado pela intervenção americana naquele país, o extremismo entre xiitas e sunitas já provocou a morte de mais de 61 mil iraquianos, a maioria vítima de atentados com veículos armadilhados. Em média explode um carro por dia, só em Bagdade.
notícia veiculada pela revista SÁBADO.

domingo, abril 15, 2007

CRÓNICA CONVENTUAL DAS VELHAS ARTES

EXCERTO DAQUELE LIVRO DE ROCHA DE SOUSA

A promiscuidade que se vivia no labirinto de terrenos e barracões, entre pintores e escultores, contraditórios na teoria e no fazer, mas condenados a uma partilha sem nexo, gerava, em todo o caso, alguns frutos surpreendentes. Nas oficinas de grandes dimensões, apodrecendo pelos travejamentos superiores, as peças tentadas, contudo, decorriam de uma realidade assim, da moleza inicial e propiciatória do barro, certamente, entre as esperas debaixo de plásticos tendo em vista minimizar os efeitos do tempo -- e eram veredas ladeadas pelos cavaletes, tulhas de argila, bancadas e maços sujos, guindastes de arrasto, pranchas móveis, espátulas, formões, goivas, instrumentos para afeiçoar ou cortar a pasta de argila. Tudo isso, nas diferenças e nas semelhanças, colava-se ao atelier próximo, cheio de enormas telas com manchas de trincha, figuras oitocentescas geminadas aos símbolos da pintura pop, cujo léxico era mais americano do que português, e os passos e batas em volta, milhares de manchas de cores numa espécie de harmonia por antítese, objectos velhos, inorgânicos, por vezes composições tridimensionais, proibitivas, formas com passagens da madeira ao ferro, ou telas fingindo cartazes de touradas sangrentas, de mistura com os rostos sedosos da perfumaria capaz de cativar (em offset e paradoxo) o nosso próprio olhar, pele, desejo, nostalgia de gente perdida nas adolescências da periferia social. Recortes também. Citações. Quadros pendurados uns por cima de outros nas altas paredes da sala, um cheiro a óleo e vernizes, este era um mundo também confuso pela falta de espaço, pela desarmonia dos tipos de cavaletes e de outros equipamentos, pelos lavatórios entupidos, baldes de socorro, um oceano de pinceladas nas camadas de tinta branca ou cinza que cobriam quase por inteiro as faces internas dessa espécie de cubo com um janelão de quatro por cinco metros, de ferro e vidro, solução imprópria, porque demasiado rígida, produzindo tanto um clima de estufa como a pulverização do famoso efeito de catedral.

sexta-feira, abril 06, 2007

EXPOSIÇÃO ARTE E PROPAGANDA

propaganda, lazer, família

Exposição de artes plásticas numa «perspectiva crítica que procura semelhanças e diferenças entre diversas formas de discurso persuasivo em regimes democráticos e totalitários.» Nuno Galopim deu-nos, na revista do Diário de Notícias, interessantes orientações sobre este acontecimento. As linguagens comparadas (sobretudo visuais) coincidem, no tempo, com a Alemanha de Hitler, a Itália de Mussolini, a União Soviética dem Estaline e os Estados Unidas de Roosevelt. O projecto é tentar dar a ver o uso dessa linguagens em favor da disseminação de ideias políticas, antes e durante a II Guerra Mundial. A aprendizagem académica tem aqui muitos reflexos, projectando formações representativas que os autores podem aproveitar no sentido do enaltecimento de uma personalidade ou de um regime. O modo como os líderes, por exemplo, são apresentados transcende (mesmo na imitação) a sua natureza menos profunda, eventualmente epidérmica. Um retrato de Estaline pode sugerir uma bonomia (falsa) diferente da força intrínseca do cartaz onde Roosevelt nos olha com determinação mas sem estigmas desviantes. O retrato escultórico de Mussolini, de Renato Bertelli, sugerindo uma liberdade futurista inovadora, consegue explicar-nos melhor a personalidade em causa do que qualquer cópia, pois arrasta uma simetria rotativa avassaladora e claríssima quanto à identidade dos perfis, coisa omnipresente seja qual for a posição que tomemos perante ela na perspectiva da percepção. Hitler, vítima de uma enfatização panfletária, acaba por nos parecer um tigre de papel, aliás pela própria simbologia e técnicas usadas. Galopin, na cuidada abordagem que apresenta no seu texto, diz, a certa altura, que entre oa quatro pólos retratados há espantosas afinidades apesar das, por vezes, enormes distâncias que os separavam. O culto do corpo, na Alemanha, não foge do russo, se bem que no primeiro caso esta via seja usada em favor de mensagens e ordem, militarismo, e lazer familiar. Apologias da conquista do trabalho e dos desportos, celebração dos feitos da tecnologia americana, são planos que acabam por se assemelhar aos dos soviéticos. O carisma dos líderes é explorado de diferentes maneiras e um fim idêntico, aliás como parece notório entre Mussolini e Hitler, ou mesmo Estaline. Há depois uma série de aspectos decorrentes da perspectiva ideológica e cultural das áreas tratadas, quer em termos sociológicos e psicológicos, quer em termos éticos ou políticos, eventualmente encarando uma procura no sentido da deontologia, como acontece com outros criadores. O que parece ressaltar desta via, a par de outras que têm sido desenvolvidas, é a confirmação de que a arte não tem, como função intrínseca, ilustrar ou exaltar aqueles valores, o que não impede muitos atistas de se deixarem ficar reféns de tais contextos e amarras. O Século XX, no processo da sua revolução artística, tornou visível essa concepção libertária da arte numa ordem consequente de autonomia. Mas não se pode fazer deste caminho um campo operatório redutor, nem discriminar para a sombra obras superiores embora ligadas a directivas que a modernidade colocou no index. Podemos, com efeito, avaliar a grande qualidade de peças tratadas sob qualquer jugo, o que por vezes acontece e acaba por pairar sobre o mundo de forma surpreendente e quase encantatória. Por isso aqueles líderes sabiam escolher os operadores que conseguissem os bons resultados sem reserva deontológica, dedicados ao fazer e alheios ao zelo ético na contingência do mundo. Esta indiferença continua a verificar-se, de certa maneira: a arte não toma partido, isenta-se da dor em volta ou mesmo do horror genocida. Diletante e acima das batalhas, os artistas podem morrer numa escaramuça de rua mas no atelier são sacerdotes de uma autonomia mais ou menos inerte. Salvam-se os fotógrafos porque a sua arte só tem verdadeiro senntido no seio da realidade: se o seu testemunho combatente não existisse, nem saberíamos metade do apocalipse que nos rodeia, o que se revela verdadeiramente inquietante e se agrava com o funcionamento alienante das televisões, apesar de não lhes puder ser indiferente os 11 de Serembro que talvez se aproximem em repetição, como nos espectáculos tão desejados pelas multidões, e aparatosamente difundidos, com o futebol, pelos canais do bigbrother que merecemos.

BONECOS FEITOS EM NOME DO PODER

Schurpin* Estaline

Renato Bertilli *«Perfil do Duce» 1933














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à esquerda Hitler Hubert Lanziger * à direita cartaz, Roosevelt James Flagg.

Esta «amostragem» acompanha um excelente artigo de Nuno Galopin a que nos referiremos depois.

Uma perspectiva crítica que procura semelhanças e diferenças entre as diversas formas de discurso persuasivo em regimes democráticos e totalitários

quarta-feira, abril 04, 2007

BREVE OLHAR SOBRE A OBRA DE FARRERAS





Francisco Farreras nasceu em Barcelona a 7 de Setembro de 1927. Iniciou-se muito cedo na actividade artística, orientado por António Gomez e Mariano de Cossío na Escola de Artes e Ofícios de Santa Cruz de Tenerife (Canárias). A sua afirmação vocacional consolida-se na Escola de San Fernando, em Madrid. O título de Desenho é-lhe atribuído em 1949. Inicia-se então um vasto percurso internacional e os seus trabalhos, premiados e adquiridos em museus, alcançaram uma projecção e um aprofundamento da maior relevância. É realizada em 1999 a primeira grande exposição retrospectiva da sua obra (140 peças criadas ao longo de 50 anos de actividade) no Centro Cultural da Cidade de Madrid. O seu currículo não é aqui mais do que pressentido ou intuído. Por isso ainda é importante que se noticie a atribuição a Farreras, em 2000 e pela sua obra, o prémio da Associação Madrilena de Crítcos de Arte.
Francisco. M. Cano, ao escrever para a exposição de Farreras que se encontra nesta altura na Casa da Cerca (Almada) e na Galeria Prova de Artista (Lisboa), diz, entre outras coisas, o seguinte:«Dentro da análise que quero evitar (e estou a evitar), - e entendendo o conceito de matéria tanto de um ponto de vista físico como metafísico - deveria, também, submeter a estudo os elementos que configuram a alma da obra farreriana: quer dizer, o respeito aos princípios básicos da beleza, a elegância que toda a sua obra destila, a sugestiva sensualidade, a falta de ruído e de gestos desnecessários, a apreciada qualidade estética, um bom gosto refinado, a precisão e o cuidado do seu tratemento, a harmonia subrtil, um intimismo ilusório, uma extrema intuição reflexiva, a qualidade da discrição e simplicidade e a sensibilidade e honestidade que dão coererência ao conjunto global da sua obra».
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Excerto do texto do catélogo da exposiçãp aqui assinalada, prefácio de Francisco Cano

segunda-feira, abril 02, 2007

OS GLOBOS DE OURO E A SUAS OMISSÕES




Chegámos ao século XXI com uma avançada carga de tecnologia, nem sempre bem utilizada, e um óbvio déficit cultural, não tanto por falta de quantidade, mas claramente por falta de qualidade, escolhas precárias, redutoras, cada vez mais colonizadas (em termos globalizantes) pelo imediatismo, mercantilismo, numa indelével promiscuidade de géneros, grandiosidades dos espectáclos, cascatas de jóias e vestidos milionários, de estlistas snobs, que procuram a todo o transe a magreza de tudo, dos modelos, da criatividade, das pindéricas encenações com que se apresentam um pouco por toda a parte.
O dia 1 de Abril pareceu mesmo um dia das mentiras, sobretudo na SIC, com a sua gala de galardões, globos de ouro, numa retumbante boda aos pedintes de espírito, como decorre dos textros sagrados. Havia bolas de ouro, com um arremedo de esfera armilar, aos montes, perdulariamente, presunçosamente, numa edição muito mal apoiada pelos documentos indispensáveis de apresentação dos nomeados. A recolha desses elementos era pobre, destituída de tempo de leitura ou sem leitura, enquanto a régie se deliciava a passear pelo espectáculo da plateia, resmas de mulheres bonitas, artistas, intelectuais, génios ainda em idade menor, o sonho que deveria re-lembrar a necessidade de um esforço colectivo para nos lenvantarmos destes ridículos mimetismos, destas grandezas fátuas, desta mediocridade omissa, entre caricaturas da democracia.
Para simplificar, a Caras e a SIC, de novo reunidos, resolveram premiar mais uma vez personalidades «incontor-náveis» do teatro, cinema, moda, toda a música, entre bandas e solistas que nunca se ouvem sob o assombroso troar das barerias electrónicas, entre dezenas de milhares de wats. Eles foram o melhor actor, a melhor actriz, tanto em cinema como no teatro ou televisão, o melhor humorista, a melhor causa huanitária, a maior personalidade -- e falta-me o fôlego para fazer mais nomeações. Não se falou de cenografia (teatro e cinema), não se indicou a notoriedade de algum cientista (que os há), esqueceram outras artes e autores que a televisão deveria inter-relacionar (artistas plásticos, intérpretes em vários instumentos de música erdudita, inventores (que os temas a sério), casos raros no domínio da literatura (de que até temos um nobel), da poesia (que nos caracteriza bem), de outros mais espaços assim, incluindo as editoras que também pecam por falta de prospecção e devem abertura a autores que se deixam adormecer na sombra das gavetas. Os homens do pensamento, os intérpretes de imagens (incluindo os fotógrafos que também faltaram), todo esse mundo que não chega aos tablóides ficou no casinha do isolamento e da omissão. Mas, apara além de se alargarem a toda a espectacularidade que campeia por aí, e tudo o mais que se sintetizou atrás, estas empresas da «comunicação» ainda inventaram ostensivamente mais um campo nomeável e premiável por tão preciosa democracia de votantes ad-hoc: o melhor beijo. E lá apareceram os vários beijos nomeados e o premiado foi o mais desconfortável, trocado pelos principais protagonistas da Floribela sob uma chuvada quase tropical.
Houve mais coisas, com certeza, de que já nem me dou conta, mas o que aí fica demonstra bem a indigência do poder destas instituições, a ignorância e mau gosto que propagam, o desentendimento das coisas que podem caber dignamente num orgão de televisão, que não se dedica exclusivamente ao espectáculo, concursos, musiquinhas e shows até à sufocação. Não é por acaso, embora com muita exiguidade, que lé se fala de literatura, de artes visuais, de arquitectura. O Siza Vieira não serve apenas para noticiar, após um prémio, em 30 segundos do telejornal. O recente prémio atribuído a Lobo Antunes poderia ter tido um adoçante globo. Houve por aí muito mais sucesso autêntico e nobre do que todas inundação do 1º de Abril na SIC. O que pareceu ter acontecido naquele Organismo terá sido a tradicional mentira daquele dia?

domingo, abril 01, 2007

NEM CORPO NEM ALMA, O BAPTISMO





Ainda não é a coluna madura de uma árvore, não fabrica
fruta amarela gota a gota,
ninguém debaixo fica tão fresco,
lento,
essencial, que aprende uma língua
respirada em cada furo que tem uma língua da natureza
das coisas --
a boca no ponta de um animal e na outra o ânus, e o sangue ponta a ponta,
ou uma haste para correr
o líquido do outro -- ainda
não se despiu nem mostrou o umbigo,
ninguém lhe entalou no flanco
nem estrela que batesse de dentro para fora
como um nome de baptismo, (...)


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extracto do poema DO MONDO, de Herbet Helder (POEMA CONTÍNUO)