sexta-feira, abril 06, 2007

EXPOSIÇÃO ARTE E PROPAGANDA

propaganda, lazer, família

Exposição de artes plásticas numa «perspectiva crítica que procura semelhanças e diferenças entre diversas formas de discurso persuasivo em regimes democráticos e totalitários.» Nuno Galopim deu-nos, na revista do Diário de Notícias, interessantes orientações sobre este acontecimento. As linguagens comparadas (sobretudo visuais) coincidem, no tempo, com a Alemanha de Hitler, a Itália de Mussolini, a União Soviética dem Estaline e os Estados Unidas de Roosevelt. O projecto é tentar dar a ver o uso dessa linguagens em favor da disseminação de ideias políticas, antes e durante a II Guerra Mundial. A aprendizagem académica tem aqui muitos reflexos, projectando formações representativas que os autores podem aproveitar no sentido do enaltecimento de uma personalidade ou de um regime. O modo como os líderes, por exemplo, são apresentados transcende (mesmo na imitação) a sua natureza menos profunda, eventualmente epidérmica. Um retrato de Estaline pode sugerir uma bonomia (falsa) diferente da força intrínseca do cartaz onde Roosevelt nos olha com determinação mas sem estigmas desviantes. O retrato escultórico de Mussolini, de Renato Bertelli, sugerindo uma liberdade futurista inovadora, consegue explicar-nos melhor a personalidade em causa do que qualquer cópia, pois arrasta uma simetria rotativa avassaladora e claríssima quanto à identidade dos perfis, coisa omnipresente seja qual for a posição que tomemos perante ela na perspectiva da percepção. Hitler, vítima de uma enfatização panfletária, acaba por nos parecer um tigre de papel, aliás pela própria simbologia e técnicas usadas. Galopin, na cuidada abordagem que apresenta no seu texto, diz, a certa altura, que entre oa quatro pólos retratados há espantosas afinidades apesar das, por vezes, enormes distâncias que os separavam. O culto do corpo, na Alemanha, não foge do russo, se bem que no primeiro caso esta via seja usada em favor de mensagens e ordem, militarismo, e lazer familiar. Apologias da conquista do trabalho e dos desportos, celebração dos feitos da tecnologia americana, são planos que acabam por se assemelhar aos dos soviéticos. O carisma dos líderes é explorado de diferentes maneiras e um fim idêntico, aliás como parece notório entre Mussolini e Hitler, ou mesmo Estaline. Há depois uma série de aspectos decorrentes da perspectiva ideológica e cultural das áreas tratadas, quer em termos sociológicos e psicológicos, quer em termos éticos ou políticos, eventualmente encarando uma procura no sentido da deontologia, como acontece com outros criadores. O que parece ressaltar desta via, a par de outras que têm sido desenvolvidas, é a confirmação de que a arte não tem, como função intrínseca, ilustrar ou exaltar aqueles valores, o que não impede muitos atistas de se deixarem ficar reféns de tais contextos e amarras. O Século XX, no processo da sua revolução artística, tornou visível essa concepção libertária da arte numa ordem consequente de autonomia. Mas não se pode fazer deste caminho um campo operatório redutor, nem discriminar para a sombra obras superiores embora ligadas a directivas que a modernidade colocou no index. Podemos, com efeito, avaliar a grande qualidade de peças tratadas sob qualquer jugo, o que por vezes acontece e acaba por pairar sobre o mundo de forma surpreendente e quase encantatória. Por isso aqueles líderes sabiam escolher os operadores que conseguissem os bons resultados sem reserva deontológica, dedicados ao fazer e alheios ao zelo ético na contingência do mundo. Esta indiferença continua a verificar-se, de certa maneira: a arte não toma partido, isenta-se da dor em volta ou mesmo do horror genocida. Diletante e acima das batalhas, os artistas podem morrer numa escaramuça de rua mas no atelier são sacerdotes de uma autonomia mais ou menos inerte. Salvam-se os fotógrafos porque a sua arte só tem verdadeiro senntido no seio da realidade: se o seu testemunho combatente não existisse, nem saberíamos metade do apocalipse que nos rodeia, o que se revela verdadeiramente inquietante e se agrava com o funcionamento alienante das televisões, apesar de não lhes puder ser indiferente os 11 de Serembro que talvez se aproximem em repetição, como nos espectáculos tão desejados pelas multidões, e aparatosamente difundidos, com o futebol, pelos canais do bigbrother que merecemos.

1 comentário:

Maria disse...

Pronto. Este blogue fascina-me.
E hoje tive de o dizer...