domingo, outubro 23, 2011

ARTE: NOTA MÍNIMA E INDIFERENTE A TANTOS

artista plástica Maria Dulce Bernardes

Um importante diário que se publica pela manhã apresentava hoje uma nota de cinco linhas sobre a última exposição da pintora acima apresentada.
A nota dizia o seguinte e da seguinta maneira: «Está patente até 18 de Novembro, na galeria da Ordem dos Médicos, em Lisboa, uma nova exposição de pintura de Maria Dulce Bernardes, intitulada "Reflexos em Cidades Alfa"»
É assim que a comunicação social trata uma actividade cultural que se agita, apesar de tudo, durante todas as semanas de cada mês. Não conheço a obra de Dulce Bernardes mas o respeito que ela me merece é inequívoco, quero afirmar desde já. O problema que se coloca, perante fenómenos raros assim, perante a infindável indiferença dos jornais por estas notícias, pode comparar-se à facilidade com que os Lobbies sempre triunfam em tal jogo de influências, de surpreendentes benefícios mediáticos. O problema reside também, contra tal insuficiência informativa, na atenção pueril que os jornais, quase todos, derramam em páginas e suplementos a propósito do eterno futebol, dos grandes acontecimentos verificados na Gulbenkian ou a propósito de algumas bandas que picam sobre o país com os seus gritos e a certeza de uns 30.000 espectadores em plena crise, e ainda acerca de certos artistas em que a aposta parece obrigatória, enfática, habitualmente anterior à própria abertura das respectivas exposições.
Já alguém se perguntou a razão deste estado de escolhas mínimas e indiferentes ou sobre o que dirão, de igual forma, os nossos jornais sobre a abertura de novas exposições (daqui a pouco) em Lisboa, entre 20 de Outubro e 18 de Novembro?
Há problemas ditos menores que revelam a ignorância de muitos directores e operadores de comunicação social; e isso é de facto inquietante, porque acontece num obscuro silêncio oferecido a centenas de escritores e artistas plásticos do país, a par da resignação a que se habituaram muitos cidadãos perante o uso da televisão por funcionários seus ao publicarem um livro, antes de qualquer apreciação por especialistas. Um ecrã assim prolixo e sem provedor deveria ser mais regulado quanto ao critério das escolhas aí apresentadas e como e porquê.

sexta-feira, outubro 21, 2011

A MORTE DE KADHAFI SOB A RAIVA IRRACIONAL

a ostentação do poder

instantes da morte de Kadhafi

A vida e a morte na plenitude das suas redundâncias, o poder patético, os golpes impiedosos de gente que nem a sua própria história percebe, embora a esteja, em tais instantes, a torná-la mais viável. Morto kadhafi, a Líbia pode aspirar a mudanças positivas, se os povos se entenderem quanto às suas necessárias formas de solidariedade constitucional. Hoje, as multidões festejam o fim do ditador. Gritam, enquanto disparam as espingardas para o ar: «Chamava-nos ratazanas, mas ele é que morreu como uma». E morreu em Sirte, sua terra natal, depois de uma perseguição que o fez sair de um esgoto (Fotos da AFO) onde se escondera a título muito provisório. Os revoltosos instaram com ele para que saísse, abrindo fogo. Então Kadhafi saiu da moldura redonda, segurando os símbolos da sua alucinação ditatorial: uma kalashnikov na mão direita e a pistola dourada na outra. Olhou para a esquerda e depois para a direita e perguntou: «O que é que se passa aqui?» Os rebeldes dispararam de novo, ferindo-o num ombro e numa perna, ataque que o fez tombar. Dois outros tiros atingiram-no no temporal e no peito. O assalto convulsivo ao corpo, com os batimentos mais diversos, é visível num vídeo amador, testemunha que de tanto querer mostrar, oferece-nos um hediondo desfoque de bocados do real, onde uma cabeça ensanguentada rola, é arrastada, aparece e desaparece. Há mais tarde um documento de vídeo em que um homem inanimado e seminu é arrastado pela rua. Fotos da AFO mostram um jovem transportado em ombros por outros homens e ostentando a pistola de ouro que pertencia ao ex-líder da Líbia. Na cadeia destes acontecimentos, vários líbios pintaram a spray grafitis em volta dos canos, junto à auto estrada, em que Kadhafi se recolhera. Algumas palavras dizem: «Aqui escondia-se a ratazana Kadhafi. Deus é Grande».
Esta versão dos factos é «contradita» por um outro vídeo em que se vê Kadhafi ensanguentado, ainda vivo, a ser batido e empurrado por rebeldes junto de uma carrinha pick-up. São fragmentos temporalmente distintos mas não distantes. Há uma informação de um rebelde que assistiu a tudo e declarou à BBC que Kadhafi foi atingido por alguém com uma bala de 9 mm.
Pouco depois das primeiras imagens, na sequência da montagem televisiva, foi possível ver imagens do cadáver já limpo e que mostravam um ferimento de bala na têmpora. Os médicos que acompanharam Kadhafi na ambulância declararam que ele morreu com dois ferimentos de bala, o primeiro na cabeça e o segundo no peito.

Todo este detalhe, baseado em jornais de hoje, dia 21, sobretudo do «Diário de Notícias» não procura vilinizar o homem, nem mesmo a convulsão dos circunstantes. Pela minha parte, sei que a maior parte destas questões acabam assim, sem dignidade de parte a parte. Vimos isso com o tratamento na selva do corpo de Savimbi, rolado sobre cartões, cheio de pó e sangue, filmado pela voragem impiedosa dos que se «livravam» de um herói e o mostravam indigno de si mesmo. De resto, o assassinato de Ceausescu, na Roménia, dado quase em directo pela televisão, é outro exemplo eloquente de tais casos. Ninguém desculpa a vida sangrenta e genocida de tais figuras, mas a grandeza de os julhar, mesmo a título póstumo, é respeitar os seus despojos. Não é vão nem pueril escrever estas palavras: o mal não está só nesses personagens, está em cada homem, mesmo quando não o parece. E não inventamos a cremação para acabar com os nossos concidadãos, já mortos, como a Inquisição acabava com antepassados nossos, vivos e na fogueira.


detalhes do ataque final a Kadhafi


Savimbi exposto às moscas, como peça
de caça que vai ser avaliada e esquartejada

sexta-feira, outubro 14, 2011

APESAR DA EUROPA, A PÁTRIA NÃO MORRE

António Barreto

António Barreto, figura grande da cultura portuguesa, que participou em governos pós-25 de Abril, Professor e intelectual com importante recorte filosófico, pronunciou-se há pouco sobre a situação de Portugal na Europa e a fragilidade quase abismal em que parece termos caído. Dir-se-à que é um pessimismo recorrente, ainda que justificado. Ora o dr. António Barreto, no seu lamento, disse que Portugal poderia vir a não ser um país numa Europa diferente e, presumivelmente, reformada. É caso para perguntar se a Alemanha, configurada depois do nosso país, teria direito a continuar a ser o que é. Vasco Pulido Valente, na sua coluna Opinião, anotou o efeito de desagrado que tais palavras terão provocado em certas pessoas. E, embora não conhecesse todas as palavras da intervenção de Barreto, colocou algumas hipóteses. Seja como for, ainda disse não ter percebido «com toda a clareza onde ele queria chegar. Mas percebo, pelo menos, que não percebi nada. Há três possibilidades. Ou o dr. António Barreto se esteve a referir a Portugal como nação, ou seja, como entidade cultural, e, nesse caso, não tem razão ou se estava a referir Portugal como Estado soberano, e, nesse caso, desde o século XVII que não tem razão. Ou ainda se estava a referir-se à autonomia económica de Portugal, e, nesse caso, nunca teve razão.
«Na primeira hipótese, é óbvio que dez milhões de portugueses, com uma língua única, uma literatura erudita, uma religião maioritária (e pacificamente aceite), uma história comum, um império de que restam respeitáveis vestígios (como, por exemplo, Angola e Brasil) e sem qualquer diferença étnica notável formam uma nação. Nenhuma outra unidade política nos quereria absorver. Seriamos sempre uma fonte de conflitos, pior do que os flamengos na Bélgica e muito pior do que os bascos ou os catalães em Espanha. A nossa separação, sólida e formal (não escrevi: independência) garante a tranquilidade dos vizinhos. As nossas desordens domésticas devem ficar rigorosamente domésticas.»
Pulido Valente analisa, com a mesma pertinência as outras hipóteses que colocou para contraditar o fim de Portugal profetizado por António Barreto. Bem vistas as coisas, é fácil fazer tais afirmações de apagamento, porque o próprio planeta já não está muito longe de poder albergar uma espécie em vias de extinção, o Homem. E não se aponta aqui para uma catástrofe demográfica natural.

sexta-feira, outubro 07, 2011

ARRUMAR O IMPÉRIO NUM CAIXOTE DE RETORNO



Dulce Maria Cardoso

Vinte anos depois de ter passado à «disponibilidade», entre as primeiras tropas regressadas de Angola, reuni apontamentos tomados nas viagens pelos Dembos, apontei a memória a tudo o que estava então bem arrumado no meu espírito, escrevi o livro «ANGOLA 61, uma crónica de guerra» e a "Contexto" arriscou a publicação, numa altura em que havia ainda poucos testemunhos daquela terrível descida aos infernos, a despeito da sua beleza, com excepção da inicial prestação escrita de Lobo Antunes. Eu já tinha, portanto, assistido ao regresso compulsivo das populações das colónias, a famosa ponte aérea, os dramas e as tragédias daqueles que chegavam todos os dias, muitos esperando porventura os caixotes enviados por via marítima, cidade de madeira que tantas vezes visitei em Alcântara. Dulce Maria Cardoso decidiu uma aventura ainda mais densa, baseada também nas memórias e no sofrimento daqueles tempos, pois agora, 40 anos depois (embora haja escrito outras peças de verdadeiro interesse testemunhal e literário), publica O RETORNO, o «primeiro caso sério de reflexão literária sobre os 500 mil retornados que aterraram em Portugal em 1975.» Vinda de Angola, a escritora foi um desses retornados, mas neste seu livro não pretende «um ajuste de contas» com o passado. José Riço, no «Público», anota que a escritora, noutro sentido, talvez procure um ajuste de contas com a sua própria obra, a anterior. Citando Dulce Cardoso, sente-se o que já muitos disseram, de outros modos: «Era-me muito penoso visitar o passado. Eu vivi parte dos acontecimentos que a personagem principal narra, portanto tive de revisitar esse passado, e também o outro que ia descobrindo. E isso magoava-me. Mas não era isso que me impedia de escrever. O que impedia era não ter encontrado uma proposta de reflexão. Foi um tempo de muito sofrimento para muita gente, e eu não queria usar o sofrimento sem que a ele estivesse associada uma proposta de reflexão».
O problema aqui enunciado pela escritora foi também sentido no meu caso: só vinte anos depois é que tudo ficou claro, certos acontecimentos transformada em alegoria, o visível e o invisível no bater dos corações sob o medo e um dia sob a melancolia das distâncias relembradas. Quanto à entrevista concedida por Dulce Maria Cardoso ao jornal «Público», não é fácil segui-la sem voltarmos a sentir nas mãos o pó das picadas e na memória as imagens multirraciais que povoavam, em gritaria de crianças brincando, as cinco estrelas do Altis.

BASTAM SETE PRÉMIOS NOBEL PARA A SUÉCIA?

O Prémio Nobel da Literatura, em 2011, coube ao poeta sueco, Tomas Tranströmer, quase um desconhecido para a grande maioria das pessoas. A escolha é falhada: um homem traduzido, é certo, mas apenas com 15 obras durante a sua longa vida e feitor de uma poesia que não se pode comparar com a qualidade do nosso Herberto Hélder. É difícil concordar com a afirmação de que Tomas Tranströmer tem uma obra vasta e é o maior porta vivo sueco. Mas para além dos grandes talentos vivos da Suécia, há muitos outros, e maiores, fora da Suécia. A poesia regressou ao Nobel, mas, pela nossa parte, estava aberta, descaradamente, a porta da Academia. A Suécia já tem, apesar do frio e da vida sedentária dos génios nas suas ilhas, sete prémios Nobel. Há aqui uma estranha assimetria e o gosto de Academia cada vez mais informado sobre o gosto no mundo.

MORREU STEVE JOBS, E TALVEZ COM ELE A MAGIA

grafismo do «Público»


«Morreu o homem que transformou as máquinas em objectos íntimos», título de hoje, no jornal «Público». Em certa medida, o homem da APPLE, parecia confundir-se com a empresa que fundara, humanizando os computadores, criando aparelhos únicos. Transformou-se ele mesmo num outro, um ícone que mordeu a maçã e assumiu essa suprema sabedoria. Os diversos modelos dos aparelhos criados e aperfeiçoados pelo seu espírito, vivem certamente numa sequência cinética depois da sua morte. Mas um grande número de admiradores começa já a duvidar que o espírito transmitido por Jobs às suas criações se mantenha por muito tempo. O mundo consumista tem razões caninas imparáveis e banalizantes. Imaginem a maçã em vermelho sobre preto ou adocicadas variações tonais conforme o «gosto» das pessoas.

quarta-feira, outubro 05, 2011

COINCIDÊNCIAS VOLUNTÁRIAS, UM LIVRO RARO


Um livro que se recomenda a todos os que gostam das artes e das letras, mesmo que, para isso, tenha de telefonar para a editora, aproveitando, enquanto pede o envio do livro, para protestar pelo facto de uma obra deste tipo não tenha lugar (pelo menos à vista) em Lisboa. Aproveitamos para publicar um pequeno excerto, talvez bastante para aguçar a vontade de «intervir».

«Tenho a manta sobre as pernas, os dedos frios, e uma dor nas costas que me anuncia, sobretudo nos dias húmidos de inverno, os desacordos do meu corpo com a Natureza. Olho para o texto que sobra no écran, já alinhado, e coloco o queixo sobre os dedos erguidos e dobrados da mão direita, talvez para saber se tem algum préstimo, mesmo em jeito de rascunho, escrever assim um atalho na direcção da alma ou da memória lacunar, coisa repisada de notas antigas e depreciadas.
Revisitação, escrevi no início. Mas é sobretudo um exercício contra a perda, as mãos separando papéis, fotografias, livros anotados, rascunhos de actas sem data, projectos inacabados de visitas verdadeiras, porventura a confirmação de que avistadas em certos lagos significam ainda, ao sul, um apelo utópico de solidão e permanência, contra a morte».
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autor Rocha de Sousa, Editora Edita-me, rua Barata Feyo, 140-Sala 1,10
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tel: 965393431