quarta-feira, setembro 16, 2009

E ASSIM SE MASCARA A CONDIÇÃO HUMANA

José Sócrates, do PS

Quando mais envolvido pela vida me senti, nas fases tipificadas do desenvolvimento do corpo, da razão e das emoções no quadro abrangente da consciência, mais me fui apercebendo das pressões desajustadas que se exerciam sobre mim. Há nesse encontro com as coisas e os factos, à medida que nos damos conta dos efeitos do exterior sobre nós, uma brutal exigência de descoberta e de entendimento do real, através do imperativo de fazer escolhas espúrias, quer para fora de nós, quer sofrendo os embates de fora sobre a nossa própria condição humana.


Manuela Ferreira Leite, PSD

a menoridade das campanhas eleitorais
O povo português é, em geral, gravemente deficitário em apetências informativas, formativas e empreendedoras. Grande parte da população segue com minúcia e conhecimento de causa o processo anual dos campeonatos nacionais e internacionais de futebol. São raros os adolescentes que apostam na matemática, salvando a sua espécie de tabelas estatísticas vergonhosas, tanto mais que, simultaneamente, conhecem uma vasta percentagem de jogadores de futebol, dentro e fora do país, alimentando fidelidade canina por clubes, a par de desenvolverem elevado nível de saber acerca de tácticas e estratégias naquele domínio. Se, na matemática, ainda podemos responsabilizar certos professores, nomeadamente pela escassa invenção metodológica, já no caso do futebol o problema não se põe, porque não há professores e as aulas são de livre escolha. Ora este desporto, longo como na sua prestação, e hoje corrompido por atitudes competitivas nada saudáveis, perto da violência gratuita, implica uma excessiva manobra financeira, enquanto indústria do espectáculo, sendo claramente certo, até pelo peso logístico, que não vale a mítica atenção que as próprias autoridades lhe conferem. Governos, comunicação social, instituições nacionais específicas, todo esse mundo móvel, manobrador de interesses e de teorias do sucesso, cava no tecido social assimetrias delinquentes, seguidas de mistificações paralelas e da perda continuada de valores do gosto e da cultura.
Tendo tudo isso em conta, numa generalização aos mais impensáveis espaços do país, acontece que vivemos um momento crítico da nossa história, o qual nos obriga a questionar a natureza das chamadas campanhas eleitorais a decorrerem entretanto, pelas quais se decidirá a constituição da Assembleia da República e do Governo. O que sucede nas campanhas, mediante o debate de programas e formas ainda muito ruidosas de esclarecer o eleitorado, vai marcar profundamente o futuro próximo e de médio e longo prazo da vida dos portugueses. Se empreguei atrás o termo menoridade, dirigido às acções empreendidas pelos partidos e pela comunicação social, é porque entendo, como muitos outros cidadãos, que os factos estão carregados daquele sentido, indiciando uma estratificação das estruturas partidárias, um congelamento de ideias, com maus intérpretes da expressão discursiva, maus programas, em trabalhos conduzidos fogosamente antes do próprio começo oficial das campanhas. As forças político-partidárias, beneficiando amplamente de cobertura televisiva e do uso desse meio para debates entre todos os representantes superiores de cada agrupamento, não afirmam um projecto transformador do país e das consciências bloqueadas, antes tratam de mastigar restos de história, factos sem importância, sonhos medíocres e sempre votados à mera estratégia para ganhos numéricos de votos. O que tem acontecido nos debates da televisão é bem o sintoma agudo de que o o problema de um projecto nacional, capaz de tornar credíveis certos avanços anunciados para o futuro, não se renova nem ganha nitidez, porventura iludindo um maior balanço (simétrico) dos investimentos e dos proveitos, sempre em áreas vitais e onde são escassas as indicações quanto à defesa da qualidade nos vários níveis de ensino e seus objectivos, também quanto à problemática das estruturas urbanas, à importância dos direitos na habitação, suas regras e harmoniosa ocupação do território, ligando as coisas à inqualificável obtusidade de um plano capaz que deveria aclerar uma justiça de rosto humano, menos litúrgica, menos burocrática, tendo ainda em conta a paragem laminar da exploração do imobiliário, especulável e derrotista relativamente à vida quatidiana, a par da reinvenção do tecido produtivo, da sua distribuição geográfica, dos seus efeitos plurais ou inovadores, algo que refundasse o sistema industrial, a escala das empresas e dos grupos, vocações, prioridades, numa decisiva estratégia a favor da permanência e contra mobilidades caras ou desgastantes, precriedades sem o menor respeito humano.
Parece que os políticos e as centenas de comentadores que se multiplicaram nos últimos tempos não tomaram ainda consciência de que o nomadismo dos seres humanos foi queimando etapas sem glória enquanto os eixos civilizacionais, direccionando etnias e tribos, consolidaram a urbe, as redes de comunicação, a relativa homogeneidade das nações em visíveis áreas de conquista, geologicamente relacionadas com cada evolução; e assim grandes grupos se sedentarizaram em bases de criação e resposta às necessidades colectivas. Tal estabilidade, mesmo perante as transformações da revolução industrial, revelou-se de boa prestação, inventiva, aquietando os homens no estudo e construção do seu habitat, sem que a velocidade e as guerras de interesses dúbios acabassem por diluir o desenvolvimento dos saberes e a disponibilidade conferida à edificação de diferentes patrimónios.
Isto não se refere à mobilidade técnica e cultural de massas que se deslocam pelo mundo, abarcando tanto o desejo de conhecer lugares e pessoas como a cumprir relações profissionais. Nenhum destes viajantes circunstanciais (usufruindo de maior riqueza e respostas de serviço) promovem hoje indústrias ligadas ao lazer e à procura lúdica. E nenhum deles se desaloja do emprego e das suas raízes: não voltam à sua terra para dormir debaixo da ponte e procurar emprego precário por três meses apenas, na esperança desbotada de mudar de trabalho, ao acaso da oferta, bem longe da sua casa arrendada, aliás caríssima, e dos amigos e dos restos de tardes serenas fruídas não há muitos anos.

João Jardim, PSD da Madeira

a precariedade do trabalho e o nomadismo apenas
destróem a verdadeira grandeza do espírito humano

A governação estratificada da Madeira, detida pela reeleição de um só homem, parece a alguns corresponder à estabilidade e à bondade da permanência de que falei aqui. Este homem, assim reclinado, fumando em delícia o seu charuto, é justamente o sinal contrário daquilo que se abordou atrás: os períodos de governação ou gestão de certo tipo de instituições devem ser limitados, pois o vício de tal acomodação comporta prejuizos diversos para a comunidade. Um aluvião pastoso, desvitalizado ao longo de anos, não se compara a uma terra firme e diversa onde os homens podem recriar processos técnicos e sociais de (digamos assim) sólida estabilidade.
Numa tentativa de globalização que pode criar massificações e homogeneidades cancerígenas, o mundo dá sinais de inquietação, apesar das populações, habituadas a consumir, se sujeitarem à moda do transitório, do emprego precário, dos recibos verdes, da mudança de casa, da fragilidade dos conceitos e das práticas, tudo a reduzir-se pela bitola rasca da competitividade.
Não sabem nada dos seres humanos, os senhores que anunciam com desvelo convicto e algum ênfase, a sua força: o lugar para sempre é conceito antigo. Hoje a mobilidade comanda a regra. As novas gerações não vão mais, e ainda bem, estar presas a famílias sedimentadas, a raízes de nascimento e memórias risíveis. Hoje tudo muda, tudo se troca, não haverá mais a pasmaceira do emprego fixo e da carreira garantida.
Perante estas vozes, algumas das quais, fingindo operar nesse sentido, nos roubaram em escalas monumentais, deveremos abreviar o seguinte: um professor do secundário, sujeito a mudar de escola e de terra todos os anos, viu agora a sua ansiedade aquietar-se por quatro anos; a seguir, mudará como dantes, perderá raízes recentes, amigos, alunos, sonhos. Estes homens e mulheres são o exemplo da injustiça social das sociedades modernas. Um professor só fará uma boa prestação se tiver tempo, estabilidade e permanência para estar com os seus, para investigar e descobrir novas estratégias pedagógicas. Um dia poderá escolher, por si mesmo, uma mudança que corresponda a um projecto próprio. De outra maneira, empurrado como as caravanas dos circos, virá a soçobrar muito antes da idade da refroma, se ainda houver reforma, porque há muitos organismos económicos e políticos que, de um momento para o outro, comem tudo à sua volta -- e se calhar em nome do progresso. Progresso, contudo, não é soma de lixos e de bens de consumo, perecíveis.
E o resto que se preconiza não passa desta nova versão da exploraçlão do homem pelo homem, de tão má memória. As empresas escolhem trabalhadores novos, de preferência pouco qualificados para poderem receber honorários de cão. Os mais velhos nem portas entreabertas encontram. Depois, flexibilizando tudo, um emprego dura três meses, com honorários abaixo do mínimo nacional, e poderá dar acesso a um novo patamar, do quel se transitará para o contrato. Tudo eufemístico ou abusado: cada vez mais os primeiros três meses se transformam em precariedade. E o trabalhador vai arranjar curriculum noutra empresa ou noutra cidade -- e só será um verdadeiro homem do século XXI se tropeçar nos meses e nos anos desta maneira, cada vez mais vazio e sem acesso ao desenvolvimento social e cultural. Vai ficando na orla das massas. E todos nós bem sabemos como essas multidões podem ser destruídas com uma simples pressão periférica: absurdas e cegas e mudas, cairão em cascata, aos montes e de lado. Dos que morrerem não falará a história. Os sistemas de crescimento actuais não se traduzem em mudanças qualitativas: a esquizofrenia espalhou-se por todo o lado, da América à China, passando pela perfumada e decadente Europa. Além dos exemplos aqui ilustrados, qualquer de nós, seriamente, pode arranjar centenas e centenas de precariedades, pobreza e pestes.

sábado, setembro 12, 2009

CIVILIZAÇÃO DO PARADIGMA, OBESA E CASTRADA


Estamos a viver a idade do paradigma, quando, ainda há bem pouco tempo, a obviedade é que contava. O paradigma tanto pode anteceder as decisões erradas dos pensadores como a prosódia e prosápia dos políticos, ou mesmo dos comentadores. O paradigma permite-nos encarar com maior optimismo a globalização, necessariamente massificante e geradora de soluções comunitárias híbridas. Esta cultura tende a apagar a memória mais profunda das antigas civilizações e sem excluir a compressão redutora da própria civilização contemporânea, esta mesma, feita de adições inúteis ou de necessidades artificiais, com vista a tornar tudo fascinante mas cada vez mais despido das grandes sínteses pelas quais se coordenam possíveis descobertas de viragem para objectivos fortes mas amenizantes. De resto, estamos igualmente a viver o empobrecimento da virilidade, entre perigosas mitologias sobre o corpo sexual, a par de sucessivas fracturas do prazer livre, sobretudo naquele quadro através do qual julgamos entender o mundo; não há mais paradigmas que invertam a perda da actitude eréctil ou o desconforto da ejaculação precoce, temores crescentes com diagnósticos facilitados pela desordem do mundo, pela complexificação de todos os excessos, entre o desejo, a informação e o consumo. O desgaste do homem aumenta com as forças insensatas a que se submete, porque o ensinaram (manipularam) para competir em vez de partilhar, porque lhe curaram as pestes com curto-circuitos cerebrais, convencendo-o de que o vácuo que também cresce é apenas uma armadilha da lassidão ideológica.












Há um pequeno filme de produção inglesa, ligado às opções musicais e televisivas, que nos mostra o termo da civilização tal como a conhecemos agora, entre cidades devastadas ou submersas. Imperam tribos urbanas disputando territórios e meios de comunicação abortiva, salteadores munidos de câmaras de vídeo em pleno paradigma da caça redutora de imagens, correndo nos corredores virtuais do acesso ao poder. Sobram, por outro lado, palavras intermitentes nas grandes paisagens carregadas de ruínas, siglas de velhos impérios transcontinentais, biliões de referências descodificadas que o homem das novas máfias, obeso, acumula em substituição das proteínas, por dentro de cozinhas onde se dispersam, inúteis e fora de todos os prazos, caixas de doces e enlatados sem nome. Restos de salas ou quartos exibem igualmente largas obstruções de lixo, incluindo monitores ligados em permanêmcia a uma rede de canais ZIK, marca brotheriana, aindda capaz de simular o advento de novos paradigmas, com domínio em prosódia radical, lexical, e larga incontinência de discursos opacos. O verbo surge em pleno ruído sem pausas, tudo deglutido pelos neotoxicodependentes das caravanas geminadas, apartamentos incompletos, caves soturnas alimentadas do exterior com atmosfera pouco oxigenada. Max, o reporter, caminha ou corre como qualquer personagem dos antigos thrillers americanos. Ele maneja a sua câmara como qualquer máquina letal dos exterminadores vindos do futuro para emendar erros do passado e salvar paradoxalmente o futuro, dimensão que o espaço e o tempo não explicam, acabados entretanto os paradigmas. Max é um combatente de qualquer coisa cujos limites e identidade ele mesmo já não sabe localizar com precisão. E trabalha com uma mulher irrecusável, em cenários dignos dos melhores videoclips do fim do século XX.



Um último personagem, condenado ao consumo da informação mais aleatória e alienante expedida pela ZIK, surge em planos fixos cortados por cascatas dos mais diversos dados de informação, algo que nos lembra a tortura da «Laranja Mecânica», ver contra a vontade dos olhos e a capacidade do cérebro, do corpo todo, imagens e letras, brumas, cores, alarmes, tudo sem fim e sem melodia. O homem que está preso por esta cadeia de informações não descodificadas, tudo em nada no registo macro, absorve sinais sem história e luzes insuportáveis, os gritos e ansiedades do mundo sob máscaras de empresas perdidas no fundo do tempo. A aflição deste condenado da civilização que o integra e serve tende a minimizar a nossa própria consciência e é no paroxismo daquela carga sem retorno que assistimos, em paradigma, ao rebentamento de um provável novo homem assim amordaçado à terrível ordem do horror, projectado em todas as direcções na forma de pedaços de carne e peças anatómico-estruturais cuspidas em redor, os olhos, os ossos da cabeça, todo o ventre dilatado espirrando líquidos e tripas, jactos de sangue, palavras mal digeridas e logo diferidas, parte da face, um maxilar, líquidos gordos, amnióticos, milhares de dados indecifráveis caindo, pouco depois, como flores de neve sobre um território urbano inteiro, chuva de assombro, calada no mais opaco dos silêncios.




Provavelmente, isto não passa de um pequeno artifício das artes visuais, anos 90, para gerir o medo que que excita a fome de tudo, bolos secos e carne pôdre, medo também do futuro e das graves infecções do mundo obstruído em nome de uma civilização assente no paradigma do global, entre monstruosas catástrofes «naturais» que começava a engolir toda a ideia fanática dos crescimentos insustentáveis.


Fui ver o noticiário da televisão (ontem, quando escrevia este texto) e o que vi, numa longa reportagem de alguém que, por acaso, dispunha de uma câmara vídeo, testemunhava mais do que estivera a pensar: registava a própria derrocada das torres gémeas, em nova Iorque, mostrando um certo fascínio que o horror também provoca, enquanto os bombeiros, confinados a um átrio onde nada podiam fazer, estremeciam a cada estrondo dos corpos que caíam do alto do edifício que se desfez mais tarde. Essa boca aberta no esgar da morte por explosão exprime brutalmente o que muitos cidadãos americanos e de outros países sentiram no seu dia de apocalipse.




Um novo Sísifo,
talvez um novo Prometeu
a sofrer um crescimento
que não inventou
nem pediu
nem reclamou.














Um fotógrafo que metralha o visível
com a sua câmara insaciável



































Ela sabe guardar
os circuitos
informáticos
e dar respostas

rápidas ao cameraman que
procura um atalho para o futuro

segunda-feira, setembro 07, 2009

MORREU JOÃO VIEIRA, FICA A SUA OBRA LETRISTA

João Vieira


Não há muito tempo que João Vieira me telefonou por causa de um texto meu, pedindo autorização para o publicar. Conversámos um pouco. Estava a trabalhar, era a sua voz e as suas letras emblematizando mensagens na tela, ou apenas formas, ou talvez nem isso, como diria Álvaro Lapa. Falámos devagar sobre a roda dos tempos. Eu sempre o tratei com deferência, com uma admiração disfarçada, talvez por sabê-lo mestre e isso me condicionasse numa espécie de pudor. Era respeito pela sua convicção nas coisas que produzia. Nunca esqueci a extraordinária encenação que ele fez, no Monumental, para a peça «Quem tem medo de Virginia Woolf?». Glória de Matos no seu melhor, Jacinto Ramos muito bem, embora sabendo que não podia competir com Richard Burton. E as instalações, e as coisas que João Vieira sabia inventar antes da hora em que eram expedidas do exterior. A instalação com letras de espuma, na Judite Dacruz, onde uma magnífica «desordeira» como Dorita Castelo Branco se entrelaçava, a significar gestos, ainda longe de saber o martírio que a esperava. Depois as letras boiantes no chão , nas quais as senhoras tropeçavam e tinham de descalçar os sapatos de salto alto. A desmistificação da pose era uma coisa grata a João Vieira, apesar do charme que sabia apontar aos cultos da bueruesia, no alto das escadas, nas aberturas dos salões, «mitologias de hoje», saudades de amanhã. Agora, que faleceu, pode olhar-nos assim, entre a melancolia do passado e a força de escritas que recuperava de um modo gráfico, sólido, sem drama mas com força para juizos de amanhã.

sexta-feira, setembro 04, 2009

SAUDAÇÃO A LA FÉRIA APESAR DOS FÃS ANÓNIMOS


é preciso ver o sol apesar das catástrofes


quem sabe rir pode escrever torto, e bem, por linhas direitas

Tenho sofrido a maior das perplexidades, quer pelos desfocados indicadores da democracia, quer pelos que, negando com o anonimato esses indicadores, vêm negar-me o direito de duvidar das avançadas competências de Filipe La Féria. Um comentarista anónimo, suponho que o mesmo por duas vezes, vem dizer-me que eu devo estar com dor de cotovelo, pois, do bom teatro que se faz em Portugal, Filipe La Féria consegue sempre superar e ter salas cheias. Este simpático anónimo conclui que fica à minha disposição (de) perceber. E acrescenta, sem a menor dúvida: que eu devia mudar o post dedicado a La Féria dizendo «AS COISAS IMPERDOÁVEIS QUE SOU CAPAZ DE FAZER por não saber o que hei-de fazer e querer assunto para colocar no blogue.
Estas admoestações, a que não tenho o hábito de responder em contraditório, são, no caso do senhor referido, susceptíveis de algum esclarecimento. Ele deveria ter lido com mais atenção o meu post sobre os espectáculos de La Féria, pois a ironia por vezes parece aumentar a negação; além do mais, o senhor anónimo, se desejasse saber se eu tenho ou não assuntos para publicar no blogue, podia pesquisar um mínimo os materiais aqui existentes e teria referências a muitos artistas, de várias áreas como o teatro, o cinema, a literatura, as artes plásticas, a par de problemas actuais, da civilização que vamos diluindo. Aquele meu correspondente anónimo diz-me ainda, a terminar, que, se eu moro em Portugal, antes de criticar o bom trabalho de qualquer cidadão, procure saber escrever e copiar aquilo que em outros (orgão) da comunicação está presente.
Este correspondente, que pensa com paixão e escreve pior, quer-me ensinar a escrever e a copiar as revistas. Sobretudo se morar em Portugal. Não vou naturalmente falar da minha identidade: embora não viva dos valores mediáticos, ninguém me pergunta se vivo em Portugal.

Caro Filipe La Féria: o senhor é dos trabalhadores do teatro (e não só) que conheço há mais tempo. Já nos encontrámos na Sociedade Nacional de Belas Artes, em boa hora, mas os nossos caminhos foram diferentes e o seu crispou-se, com coragem, em torno das produções de grande espectáculo, musicais, teatrais, na senda dos exemplos que nos chegaram cedo da América e da Europa. A minha iniciação no apreço por tal género de arte começou em Londres, com o famoso «Hair», o primeiro, o original, que arrebatou tanta gente. Mas tenho a certeza de que o artista que o senhor é, e tem progredido com meios desencadeados por si, concordará comigo que a encenação fílmica de «Música no Coração» fica muito áquem das produções da Brodway ou, citando ainda o cinema, a belíssima versão de «My Fair Lady». E agora, por certas de dúvidas que me assaltaram a propósito de algumas das suas encenações, aqui publicadas, gostaria de saber de si (ou que esclarecesse os seus admiradores) se é possível apreciar o seu esforço, muitos aspectos do seu trabalho, e discordar de outros ou achá-los menos dignos de concorrerem com as versões vistas de peças como as citadas em propostas aparecidas em Londres, EUA, Alemanha, Inglaterra, etc. Isto é possível e é possível dizê-lo publicamente, tal como o La Féria faz com a sua liberdade de as dar a ver ao público?
Para terminar, peço-lhe desculpa de me dirigir a si directamente. Mas é importante fazer cultura conferindo aos outros o direito de a aceitar mais ou menos, conforme processos, linhas estéticas, modos de fazer e representar. Eu sei que o La Féria não faz certas coisas, do ponto de vista formal, porque não tem meios para isso: trata-se de um problema endémico do país, contra o qual muitos de nós têm lutado. A prática por si ganha tem emprestado a algumas soluções interessantes ardis de sucesso visual e popular. Mas, estou certo de que concordará comigo, o ar solto, minimal e de gosto imediato, em certos epectáculos de que o público costuma gostar, ou até idolatrar, não nos retira a grandeza das melhores óperas de Wagner, sobretudo as que a televisão gravou em alta fidelidade e que tiveram audiências notáveis. Embora a televisão, socializando as obras, não seja, contudo, o meio apropriado para a formulação operática.
Caro La Féria, eu estou em desacordo, na generalidade, não na especialidade, com a sua estratégia estética, o modo de formar, os arquétipos em certas cenas ou personagens. Posso falar sobre isso jocosamente, mas não me condena por isso, pois não? Ou acha que eu devo copiar o que dizem sobre as mesmas obras as grandes revistas internacionais do espectáculo, comparando os respectivos conteúdos com os seus trabalhos?
Nas revistas portuguesas não encontro nada capaz para copiar. Presto-lhe assim o dever desta saudação, com a qual o revejo na vontade, e me afirmo no direito de tratar publicamente as minhas ideias, sabendo perfeitamente que você não aprecia anonimatos e frívolos encantamentos pelo que faz. Ver é compreender. Compreender implica análise crítica. E sem falar agora da crítica jocosa em que o nosso país era mestre.

quinta-feira, setembro 03, 2009

SÃO 28 BARATAS MUMIFICADAS EM SERRALVES

Este é um dos acontecimentos mais importantes da vida cultural do Porto, este ano. A publicidade paga, pelo que se pode ver por uma quase página da revista «Sábado,» exprime bem o espírito avançado que norteia os responsáveis pela apresentação das obras da colecção do Museu de Serralves. Exposição mamutiana, com obras como as que publicamos aqui, por baixo do comentário, e que obviamente só um grupo de privilegiados desta área de actividade pode acreditar terem algum valor patrimonial ou artístico, vai desdobrar-se em mais dois «capítulos». Pela qualidade dos objectos expostos, nem todos, naturalmente, podemos ter uma ideia sobre os gastos que justificam tão novas e complexas propostas. O rei não vai nu, não senhor. Estes senhores vestem-no assim e compram a artistas notáveis (Pomar ou Paula Rego), obra menos representativa desses autores, desses e de outros. Este critério começa a roçar devaneios pouco explicáveis: um dos curadores da exposição chegou a dizer em público que não se trata de coleccionar o óbvio (o melhor e mais próprio dos melhores autores) mas de nos deixarmos surpreender com o inusitado de cada «pedacinho» de tão erudita escolha.
O cartaz públicado na «Sábado», diz-nos exactamente o seguinte:

«CAIXA DE VIDRO RECTANGULAR COM 28 BARATAS MUMIFICADAS E EQUIDISTANTES UMAS DAS OUTRAS»

e, como nota de procedimento a cada espectador:
as obras da colecção Serralves. É preciso ver para sentir.

uma exposição que junta as obras mais representativas
do seu acervo a obras nunca antes expostas











?
o melhor, nunca dantes visto
a interrogação é nossa

até 27 d Setembro de 2009 | 1ª parte