domingo, janeiro 13, 2013

A MODA DOS BELOS E ASSASSINOS SUPER CÃES

Em cima, um dono de Rottweiller encapuçado
e em baixo os belos exemplares que gostam de carne humana bem tenra
Cada vez mais, no nosso "jardim à beira mar plantado", cães de raças muito agressivas por natureza, difíceis de treinar e domesticar por um qualquer cidadão urbano, no seu apartamento de duas assoalhadas e varanda, têm provocado graves acidentes, em grande parte mortais, envolvendo adultos e crianças . A situação, que já deveria ter sido tratada com mais zelo e legislação apropriada, porque há "culturas" do pior senso possível, quer na cidade quer mesmo em lugares dedicados à agricultura, quintas e zonas um pouco isoladas. Hoje mesmo, a propósito do último acidente mortal com uma criança, uma senhora teve o desplante de dizer para a comunicação social: «filho meu nunca seria deixado a atravessar a cozinha, quase às escuras, tendo um cão desses em casa, fora ou dentro da varanda.» Esta senhora zela mais pela comodidade do seu cão mimado, que um dia lhe pode comer a mão bondosa, do que pelos direitos naturais do próprio filho.
Nos bairros de Lisboa, este facto alarga-se aos cães facilmente treináveis e que chegam a parecer capazes de assumir um certo lado humano, de presença e companheirismo. As noções de risco, que vêm dos desportos ensandecidos e coisas assim, são agora trazidas para o espaço urbano, mesmo o mais apertado, contrariando a postura familiar dos cães educáveis e fidelizados, rasgando, a par das sujidades que quase nenhum dono limpa do passeio, o equilíbrio destas concepções cívicas.
Ao ler problemas deste tipo, a propósito das mitologias dos comportamentos humanos actuais, consultei a par disso as questões legais que envolvem o convívio com estes animais.
Diz lá, sob o título de animais perigosos, que são vistos assim:
1. Se mordeu, atacou ou ofendeu o corpo ou a saúde de uma ou mais pessoas.
2. Que tenha ferido gravemente ou morto animal e pessoa fora da propriedade do detentor.
3. Que tenha sido declarado como tal pelo seu comportamento detentor à junta de freguesia da sua área de residência.
4. Que tenha sido considerado como tal pela entidade competente devido ao seu comportamento agressivo ou especificidade fisiológica.
Depois são especificadas estas alíneas, identificadas as raças perigosas, incluindo o alargamento da perigosidade pelos cruzamentos efectuados.
Tudo parece cuidado, em conta, e são indicados os procedimentos específicos, em termos legais, os quais terão de ser cumpridos contra multas ou coimas.
Os textos são mais vastos. Mas neles falta, se a moda continuar e os tais cães continuarem a ignorar, de súbito, a tal domesticação que os donos muito louvam: é conveniente, para cidadãos timoratos ou proprietários sensatos, criar (como já se viu no cinema, em super polícias biomecânicos) polícias robotizados ou mesmo carapaças para crianças e cidadãos que se deslocam  em certos locais, incluindo jardins. A gravura acima presume o efeito pretendido. De resto, apesar de tanto nos encantarem os pombos, quase essenciais às cidades e aos seus espaços de recreio, que  nenhum mal nos  fazem  excepto  nos brindarem com alguma caca de passagem, porque razão sanitária as câmaras municipais envenenam discretamente uma boa parte dessas aves, nos períodos em que a sua demografia começa a ser contra-indicada para as pessoas?

sábado, janeiro 12, 2013

"O EIXO DO MAL" OU OS MALES DO EIXO

do pré-genérico do Eixo do Mal

O programa televisivo «O Eixo do Mal» é uma tentativa curiosa de abordar em troca de depoimentos, através de cinco participantes, os problemas actuais da política na crise que o país atravessa. O autor deste blog confessa o seu apreço pelas crónicas e outros trabalhos de Clara Ferreira Alves. Quanto aos outros elementos que participam no jogo, o nosso conhecimento é relativo, embora tenha havido contacto ao nível das colunas que assinam na imprensa. Terá de ser dito, sem ironia e com pena, que os  protagonistas desta "série", momentos depois de começarem um "episódio", parecem subitamente transferidos para «A Casa dos Segredos», deixando-se como que contaminar pelo fechamento do lugar, sem contactos, claustrofóbicos e compulsivos nas falas e nos atropelos, perdendo, em parte, aquilo que melhor os poderia identificar: parecem, de facto, os meninos e as meninas da "Casa", nos melhores momentos de crise de despersonalização, uivando uns sobre os outros. Para além da muito longa pastagem por terrenos temáticos que se poderiam reduzir a dois ou três minutos, todos querem o malho e malham à vez ou todos de uma vez, o que torna ininteligível uma prestação que, em certos casos, caso a caso, poderia mobilizar o espectador. E se falam em comunicação a propósito da crise de entendimento dos  discursos  políticos (que hora são, ora não são), aumentam o ruído e descomunicam por completo. A sua prestação torna-se assim, lamentável. Estamos assim, num meio como a televisão, que tem que se lhe diga, perante uma prestação lamentável e inútil, mal assumida por pessoas porventura capazes de o fazer com boa medida e boa interacção.

domingo, janeiro 06, 2013

PÚBLICO: A SÍRIA ESTÁ A MORRER

                                          Jornal Público
A Síria está a morrer, escreveu em título o jornal PÚBLICO. E escreveu com razão, escreveu com as palavras nos olhos, com as imagens no coração. Foi assim que eu próprio pensei quando escrevi sobre esse Apocalipse e lhe reservei a forma de livro: «NARRATIVAS DA SUPREMA AUSÊNCIA». Escrevi durante dois meses, convulsivamente, rodeado de jornais e de gravações, pensando nos mortos que se revelavam dia a dia e que hoje a ONU, assumindo apenas o papel de observadora, conta por 60.000. Depois, como nem os povos, nem as nações nem os organismos internacionais se mobilizavam mais do que as minhas narrativas, parei de escrever e selei o monte de páginas em forma de livro. Ao contactar com as editoras, entre silêncios e escusas, apesar de eu insistir que estas vozes são mais importantes, na hora, do que as notícias sobre os campos de golfe, ao lado da nossa própria crise, os mails não tiveram resposta e as secretárias enviaram-me respostas automatizadas.
Dizia eu a certa altura:
A terrível realidade agora vivida na Síria ganhou sentidos e contornos apocalípticos. O mundo está perigoso. Os heróis não arrastam consigo nem a ética nem a razão. Transformaram-se em demónios do massacre e da petrificação da História, em o menor temor perante as cidades que destroem, o futuro que empurram para nunca mais, o suicídio bombista que os faz desaparecer, a eles e a centenas de outros em volta, gritando contra os tiranos ao accionarem a arma mais mortífera de que dispõem, sagração ímpia que atinge os homens e é premiada por Deus. É preciso que a religião tenha infectado a alma e a razão, a própria consciência das pessoas, para que o martírio adquira este estatuto leviano e cego, numa luta que vinga Deus oculto dos seus inimigos mais cépticos, antigos ou em espírito. Oculto, isto é: ausente.
Parece que falar desta forma, mesmo por alguém que já publicou muitas palavras, não bate certo, ou seja: não faz sucesso nem negócio. É assim a suprema ausência e a cegueira dos surdos que não nos podem ouvir porque ainda sabem contar o dinheiro só com os dedos.