sexta-feira, dezembro 31, 2010

GOSTO CEGO DA MODA OU LENDA DE AUSCHWITZ?


CARTAZ DA CAMPANHA DE CHOQUE CONTRA A DOENÇA
A MORTE DO MODELO ISABELLE CARO PODE SENSIBILIZAR
OUTRAS DOENTES SOFRENDO DE ANOREXIA
EM ANALOGIA COM A BULIMIA, MAIS LIGADA
A CAUSAS CULTURAIS, EM PARTICULAR AS DA MODA
A morte de Isabelle Caro alerta muita gente jovem para os arquétipos de beleza instituídos através da indústria do vestuário. Ela própria acabou por reagir na altura em que se viu num ponto de muita gravidade: era tarde, não havia retorno.
Isabelle Caro tornou-se um caso preocupante, em 2007, quando expôs o seu corpo esquelético num cartaz cujo contexto evoca a moda, procurando assim denunciar os efeitos da anorexia nervosa, doença que a fez entrar em coma no ano de 2006, quando pesava apenas 25 quilos. «Esta foto sem roupa nem maquilhagem não me favorece. A mensagem é forte: tenho psoríase, o peito descaído, um corpo de pessoa idosa».
Nas doenças do comportamento alimentar a percentagem de casos aumentou com as induções da padronização dos corpos magros como modelo de beleza. A anorexia nervosa é rara, tem uma prevalência de o,4 por cada mil, referiu há pouco tempo Daniel Sampaio. «Mais frequente entre as jovens é a bulimia nervosa, que afecta duas pessoas em cada mil.» A bulimia tem causas mais culturais, é menos influenciada pela genética, ligando-se com razoável nitidez às escolhas contextuais da moda, à sua mitologia de perfil neurótico, o que vai alargando as atitudes críticas a este mundo ao mesmo tempo risível e patético. Os desfiles em passerelle ganham um aspecto aterrador, de péssimo gosto, em nome de uma estética afinal falseada, com raparigas muito novas, desnutridas até ao absurdo, metendo os pés para dentro porque lhes ensinaram a andar sem desalinho, acabando por trocar frequentemente as pernas, perdendo a pose do tronco cuja ideia de gentileza mais se aproxima de uma caricatura dançante.
As modelos têm sido focadas mediaticamente por tais desempenhos, fruto de uma alimentação inaceitável. Quando morreu a manequim brasileira Ana Carolina Reston, em 2006, foram impostas regras, um pouco em todo o mundo, para definir o peso mínimo que as modelos deviam ter para entrar na profissão e participar nos desfiles. Ana Carolina Reston só comia tomates e maçãs. Aos 21 anos pesava 46 quilos.
Hoje, nos hospitais e Centros de Saúde, há mais vigilância para estes casos. O factor moda é confrontador com tal problemática. Como sempre, os grandes interesses de certos sectores industriais ou do espectáculo, onde a moda tem de ser rigorosamente incluída, contribuem amplamente para estes desacertos e efeitos de sub-culturas em torno do homem, da sua beleza e da realidade natural do seu corpo. O desenvolvimento de muitos destes «costureiros de luxo», de aparecimento eufemístico no fim dos desfiles, tem de ser controlado, quer na qualidade medonha do que por vezes fazem passar (não em venda, supõe muita gente) quer na saúde e boa estrutura física das modelos, gente jovem submetida a regimes de trabalho e conservação física fora dos óbvios direitos que lhes assiste na profissão. A liberdade de se suicidarem desta forma não corresponde a nenhum direito fundamental da pessoa humana.

quinta-feira, dezembro 23, 2010

LUTAS E ERROS NATURAIS GRITAM MAIS MORTES


desastres naturais

A Europa, após uma história onde grandes tragédias se produziram, gerando milhões de mortos e milhares de derrocadas do património construido, Dresden só ruínas e silencios no limite, foi reconstruída no século em que, por duas vezes, esteve à beira do abismo ou do suicídio. Foi no século passado, século XX, estranhamente uma das épocas em que as revoluções industriais e as descobertas tecnológicas chegaram mais longe, tendo o homem aflorado o vazio do espaço cósmico e viajado, várias vezes, até à Lua, que o homem pareceu capaz de representar o futuro e anunciar a utopia das emigrações entre mundos. Mas essa Europa, trazendo consigo a memória da reconstrução e os efeitos de novos arranjos sociais, entre a defesa de direitos naturais e a concepção de novas estruturas sócio-políticas, chegou ao século XXI como uma grande instalação comunitária, na perspectiva de criar um outro espaço de poder, dotado de moeda única, congregando a adesão de dezenas de países em torno do que parecia ser a coroação de uma ideia solidária, de uma partilha do bem estar e da gestão de recursos entre todos, reguladamente, respeitosamente, segundo tratados que evoluiram de fase em fase, até ao último nesta data, o tratado de Lisboa. A breve trecho, apesar da entrega de fundos aos países menos evoluídos, tendo em conta a consolidação de meios de produção e atributos circulando livremente nas trocas de todos os tipos, algo de demasiado coordenado, calibrado, cotado, entre limites disto e daquilo sem um verdadeiro aprofundamendo das virtualidades de cada região, história, cultura, criação de bens e processos de trabalho na qualidade, começou por ensombrar uma visão menos burocrática das coisas, alargou-se insidiosamente por sinais da ordem das tecnocracias. As regras vieram desabar um pouco por toda a parte, abstractamente ditadas de Bruxelas, coração da agora chamada União Europeia. A arquitectura de minúcias começou a obstruir países periféricos, como a Grécia, a Espanha, Portugal, a Irlanda enfim, com sintomas de que a pulverização económica e os desastres financeiros à escala planetária fazem parte de contaminações absurdas e de uma espécie de super-máfia que tudo pode influenciar, tudo pode distorcer, tudo pode infectar até um novo abismo cuja fractura absorvente é preciso a todo o custo evitar, invertendo as seduções que a uma espécie apocalipse vão conduzindo, sendo geradas pelos sistemas económicos enfeudados à volúpia do crescimento, da riqueza, do endividamento, de tudo, enfim, cuja natureza deveria ter sido sonhada ao contrário.

Se a imagem aqui reproduzida traduz um dos maiores desastres naturais, entre muitos outros que o próprio homem tem ajudado a convocar, outras vão surgindo, entre a fúria dos elementos e a disputa dos homens em torno de novos poderes e de novas grandezas um dia abaladas como o foram as Torres Gémeas ou a imensa fraude financeira expedida por Wall Street. A América vergou os joelhos, a esperança tão bem traduzida por Obama foi confrontada com todos os desesperos emergentes. Na Europa também, e pelos mesmos pecados, enquanto os maiores operadores da especulação de valores monetários se crisparam contra o euro, através das maiores fragilidades e poupando o poder nuclear que representam a Alemanha, a França, a Inglaterra. As assimetrias abriram fendas por todos os lados, o cataclismo lembra os outros, os naturais, que tantos milhões de mortos fizeram. Com uma orientação destas, assombrando as soberanias nacionais, os tecnocratas de Bruxelas, economistas sobretudo, não vão longe. As uniformidades que vergam regiões, países pequenos mas antigos e de culturas profundas, a um quadro sem metas proporcionais, são traçados que rasgam no mundo as maiores e mais perigosas assimetrias.

Parafraseando uma nota de Pacheco Pereira, direi como ele: «só há um mérito no actual impasse europeu, é as pessoas poderem perceber melhor uma realidade que já existia antes e que se negavam a admitir. Esta realidade é a das relações de força que levam a uma evolução da União Europeia para uma oligarquia, quase uma duarquia, europeia, que decide em função dos seus interesses nacionais e não de um ¨espírito europeu.¨
«A retórica europeísta parece ser hoje pouco mais do que uma muleta dos necessitados para que os salvem da situação de desespero. Mas, se as pessoas percebem melhor aquilo que no optimismo beato europeu não queriam ver, convinha que compreendessem também que o que vai acontecer é que os que precisam vão ficar cada vez mais federalistas e integracionistas, e os que não precsam cada ves mais nacionalistas. Ou seja: não ae aprendeu nada.»

sexta-feira, dezembro 17, 2010

OUT OF CONTEXT - FOR PINA | ALAIN PLATEL

imagens apresentasa pelo Público


Trata-se de uma peça grandiosa, onde o corpo refloresce a cada instante, composição cénica que nos mobiliza intensamente o olhar: algo que parece surgir-nos pela primeira vez, em estado de absoluta recepção: OUT OF CONTEXT-FOR PINA. É, de facto, um decisivo encontro cheio de reencontros e por eles as marcas de Pina Bausch. Ela dizia que a liberdade característica do seu movimento vinha do imenso trabalho que nele colocava. Esta ideia é, porventura, uma linha convocada para a peça aqui referida.
SObre esta obra, as palavras iniciais de Tiago Bartolomeu são justas e comoventes: «Com Out of Context -for Pina é um outro Alain Platel que se apresenta. Não há efeitps cenográficos vorazes, nem uma arqui-estrutura que esmaga. Não há sequer um fio que nos conduza. Mas há, como sempre, corpos que parecem vir de um outro mundo, e, por virem de longe, nos surpreendem com o modo como se relevam, intensos, presentes, inteiros. (...) São corpos praticamente nus, embrulhados em cobertores, que falam pouco; e, quando o fazem, citam ridículas canções de amor. São corpo mudos, ou quase mudos, que usam o movimento não como matéria para a acção, mas como a própria acção. E, por isso, mais do que corpos, são espectros que deanbulam num palco vazio, imersos numa paisagem sonora hipnotizante, à espera de nada. À espera de nós.
Esta obra pode parecer «fora de contexto», mas apenas porque se oferece a Pina Bausch e a relembra no ser, na inovação, naquela forma como Pina levava aos corpos a revelação de uma brisa, ou o prazer e o medo do corpo movendo-se sobre a chuva. «Alain Platel, 51 anos, coreógrafo que se reinventou depois de mais de vinte anos à procura de uma ordem para o seu movimento, fala-nos hoje de um lugar mais sereno, onde a urgência tem mais a ver com o presente do que com o futuro.
Segunda-feira, 20, em Lisboa, no Teatro Maria Matos

CARLOS PINTO COELHO, COMO FALAR DE CULTURA

foto publicada no Público
CARLOS PINTO COELHO (1944-2010) falecido anteontem, aos 66anos, com problema cardio-vascular a cuja intervenção cirúrgica não resistiu. Jornalista de mérito, apresentador de televisão, com uma forma singular de falar de cultura, distingiu-se particularmente com o programa ACONTECE, durante uma década, facto profissional que lhe conferiu grande visibiidade. Hiperactivo, o seu curríulo, exposto pelos jornais, dá bem a determinação com que trabalho. Foi, com um ano de idade, para Moçambique: viveu em Lourenço Marques até aos 19 anos, altura em que regressou a Portugal. José Nunes Martins disse dele: «Fica como um personagem luminoso na televisão portuguesa.