terça-feira, setembro 18, 2012

DE GATO A LEÃO, MIA COUTO COM O SEU MELHOR

Enfim
TERRA SONÂMBULA
A CONFISSÃO DA LEOA
Encalhei durante muito tempo na escrita de Mia Couto, porque a tentativa de dizer África e os seus mitos e os seus povos, tudo passava por uma bondade inocente e por certa disneylândia de neologismos assaz ruidosos que salpicavam poquenos livros ou contos.
Desejando corrigir o que hoje tem, para mim, outra face, agradeço ao próprio Mia Couto ter sabido alcançar uma grandeza literária bem engrenada no espaço e na cultura africana, na devida extensão, na imagética e vaga fantasmagoria de gente ou espíritos, com leões que anunciam restos de erros, assimetrias do poder e do território. Este Mia Couto é quem há muito eu esperava.
Foi com estes dois livros que me deixei convencer, porque a paisagem vista do "velho autocarro" mistura duas tragédias, milhares de memórias, ou suprema deambulação dos mortos sobre os destroços das guerras. A escrita concebe-se naquele continente a flutuar, em terra e no oceano, espaço todo feito por referências de eleição. Quando se lê «não havia aldeias no desenho do nosso futuro» estamos a navegar sem restos de canas fingidas (neologismos) a cada mergulho das pás dos remos. E a respiração aproxima-se da nossa interioridade e da próxima experiência de África, no cume do desastre que muitos de nós viveram.
Quando li a sinopse deste segundo livro, talvez pela redacção de banda desenhada, ali parecia ostentar-se um outro escritor (inicial) que não ultrapassara a curiosidade invulgar pela história real convocada. E pensei que se perderia uma colossal metáfora sobre a memória da construção colonial, entre erros e sonhos, da imensidade dos povos em espera. Mas não. Tratava-se de uma obra maior, verdadeiramente inesquecível.

1 comentário:

jawaa disse...


Muitos dos grandes escritores escreveram reticentes as primeiras obras, a escrita vai-se afeiçoando e a idade ajuda.
Eu acredito que Mia Couto ainda tem muito para nos dar.
Como Rocha de Sousa.