segunda-feira, fevereiro 05, 2007

VOTO FERNANDO PESSOA

retrato de Fernando Pessoa
pelo pintor Júlio Pomar

Não sou nada.

Nunca serei nada.

Não posso querer ser nada.

À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Quando se fala da identidade de Portugal, a propósito do programa da RTP1, «GRANDES PORTUGUESES», o nosso mundo mais profundo e subjectivo é accionado de fora para dentro, retomando um sonho de oito séculos. O programa é copiado de outros que decorreram em vários países, propõe que, durante algum tempo, os cidadãos escolham e comuniquem à estação de televisão qual o português, do passado ou da contemporaneidade, susceptível de nos representar a todos. Entretanto, depois de escolhidos apenas dez finalistas entre cem nomes votados, houve um curioso debate entre personalidades cuja orientação permitiu entender votações surpreendentes e preferências justificadas. A verdade é que os portugueses se esmeraram nas escolhas e, apesar de nos dez últimos grandes nomes da nossa história surgirem Salazar e Álvaro Cunhal, em torno dos quais os pareceres foram trocados a sério, sem azedumes de maior, os «críticos» da noite (04.02.07) salientaram a bondade da lista, o facto de não haver disparates nela e até a centragem em dois dos nossos maiores poetas, Camões e Fernando Pessoa, o que pode abrir caminho a uma final bem própria da realidade poética da cultura portuguesa. Serão passado entretanto pequenos documentários sobre cada um dos dez finalistas, orientados pelas pessoas que entretanto os analisaram e defenderam, após o que se seguirá a votação final e a eleição, na contingência destes jogos, apesar do lado pedagógico deste, sobre qual será o português com qualidades e marcas para ser o «maior», de algum modo capaz de ilustrar perfil do português, a identidade do próprio país.

Tenho uma certa aversão a estes jogos e a lançamentos de sorte. Mas, seja como for, inclusive pelas personalidades implicadas, desta vez, aqui, terei uma participação, concentrando a própria declaração de voto.

Os primeiros versos do poema A TABACARIA, de Fernando Pessoa /Álvaro de Campos, indicam, com um desencanto e uma força peculiar, muito do que frequentemente determina o comportamento português. A distância e o cerco, numa espécie de pobreza congéntia e perante a grandeza de uma história onde não faltou o sangue, a aventura, a identidade territorial, a fabulosa expansão marítima reveladora de espaços inimagináveis, tudo isso aparece naqueles simples versos, fala nostálgica, sentido da solidão, impedimentos da escassez demográfica, entre outras, e, por último, numa grande certeza interior, num rasgo de que o mundo se pode alargar ou somar à atitude civilizacional que nos engrandeceu, o poeta muda a posição da vela e diz -- «à parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.» Eis o sonho predizendo ou evocando a História. Esta voz única, e simultaneamente recriada, corresponde ao mito do que é ser português, sendo-o. Sobretudo quando a pequena gesta e a tolice política são superadas pelo espírito plural, universalmente criador. Quem lê a ODE MARÍTIMA nunca mais esquecerá o que de maior existe na nossa cultura, quem somos, quem fomos, e como, por outro lado, OS LUSÍADAS se tornam tão contemporâneos como a ODE, lendários, míticos, descobridores do futuro e do génio na pacatez de um eventual quotidiano cinzento.

o cais é uma saudade de pedra

VOTO FERNANDO PESSOA

3 comentários:

Anónimo disse...

viva a recriacao de uma certa nostalgia,
parabens pelo saite.

jawaa disse...

Depois de ler o seu esplêndido texto, só posso votar consigo Pessoa.
Não tenho acompanhado directamente o programa; critiquei de início a falta de balizas mais estreitas, pois naturalmente me ocorreria Pessoa ou Camões; para si pensaria uma Paula Rego que nos representa a todos - a todas, direi antes - com um preciosismo, uma fidelidade chocante.

miruii disse...

Achei este lugar e gostei de voar por aqui.
Voto Pessoa porque Pomar o pintou, só por isso, é um tipo triste demais para mim. Apetecia-me dar-lhe uma picada.