domingo, dezembro 04, 2011

PORTUGAL: A FRONTEIRA OCIDENTAL DA EUROPA



Foi Fernando Pessoa quem antecipou o que a geografia mostrava sem eufemismos.
Ele o disse, na mensagem da sua poética: Portugal é o rosto da Europa. A grande manobra financeira que veio sobrepor-se, entre perdas, à memória histórica e geográfica da Europa, tudo sob uma moeda única, o euro, diluídas as fronteiras, concentradas as nações na ideia de União. Era um dos mais arrojados projectos no âmbito da realidade contemporânea. Mas, para além dos grandes fundadores, os tratados sucessivamente instituídos nunca foram amplamente aprovados pelas populações; e o referendo, grande instrumento democrático, escassamente usado nos vários pontos onde a voz do povo deveria assim ser consultada, teve votações negativas, acabando pateticamente por ser repetido até que a pressão política se encarregou de desfazer a teimosia «de quem mais ordena». Aquilo que pode ser, bem, o colapso do capitalismo (pelo menos na sua forma actual) veio assolar o mundo sob o peso ruinoso da globalização. Era a crise. A Europa utópica tremeu. As assimetrias aceites em solidariedade e projecto de partilha passaram a secar no quadro das evidentes fracturas de interesse e grandeza. A incompetência dos políticos tornou-se notavelmente evidente, enquanto o chamado eixo franco-alemão (donde vem esta palavra?) se sobrepôs aos órgãos estruturais da União: Sarkozy e Angela Merkel uniram os trapinhos dos respectivos interesses e calendário eleitoral, multiplicando-se em encontros supremos, assíduos, após os quais aquele bizarro casal de trabalho (sem legitimidade institucional) declarava novas ideias e novas decisões. Merkel tem vindo a abusar dos avisos aos que revelem menos ordem e menos disciplina (só financeira?), sempre a insistir, em mero disfarce, nos países da periferia, logo chamados periféricos, coisas menores, gente pobre e sem capazes métodos de vida comunitária. Falou-se em abandono da periférica Grécia, da sua saída do euro, hipótese que parecia envolver toda a periferia, criando-se duas velocidades para a mobilidade progressiva da Europa. A catástrofe começou a ser anunciada, nessa ou noutras formas, como próxima.
O
mundo agita-se, os resgates de países em dívida denegam os princípios, e a Alemanha, discordando de tudo o que pode pedir-lhe um sacrifício solidário, ajuda à perda, às contradições silenciosas, ao reforço da ideia de uma periferia minimizada e talvez dispensável. No que mostra sobrepor aos outros uma ideia centralista das fronteiras políticas e geográficas deste grande espaço, no qual uma boa parte da história universal foi fortemente influenciada pelos países mediterrânicos, a sul, e pelo lado de Portugal e Espanha, sendo o primeiro, claramente, com toda a sua importância dantes e hoje, durante quase nove séculos, a fronteira (a costa) ocidental da Europa. E isto deve começar a entrar na cabeça da chanceler da Alemanha. É deste lado que muitas coisas foram outrora pensadas e executadas, devendo passar a haver mais treino quanto à ideia de mudança. Mudar tratados não é como mudar um copo de um lado da mesa para outro lado dela, pois dessa forma tudo fica na mesma ou muito perto disso. O que importa é fazer diferente. E para isso torna-se imperativo deitar para o lixo as instituições rapaces de notificação, porque esse é que é o reino da periferia mal escondida, que nos degola na maior conspiração de sempre. E não é uma conspiração da teoria, é o rompimento da ganância e das distorcidas áreas de corrupção. Antes que a Alemanha, e a própria França, fiquem cercados de periferias sem nome, os órgãos europeus devem tomar medidas de respeito mútuo, reconhecendo que à costa ocidental da Europa (fronteira secular e aberta ao futuro, pelo Atlântico fora) é parte importante da História do espaço de civilização avançada, pós colonial, este nosso caminho de ligação entre as Américas e a União, periferia dourada, incluindo a costa voltada a sul mas pertencente à mesma coesão geográfica.
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Considerações em torno de uma recente entrevista televisiva de Pedro Bidarra, defensor desta tese

2 comentários:

jawaa disse...

A Europa, diz bem, não pode existir sem a sua face para o Atlântico e Frau Merkel sabe disso.
Nós estávamos bem se encarnássemos o espírito do Zé Povinho de Bordalo Pinheiro e deixássemos de comprar BMW Mercedes e quejandos à Alemanha, talvez os Alemães - e não só a Merkel - percebessem melhor a importância disso.
É deprimente como as pessoas preferem comprar estas marcas de carros mesmo velhos,repintados, enganadores, a terem um carro mais económico e mais útil.
As aparências... enfim, dava um tratado.

Miguel Baganha disse...

Tal como o post muito bem exemplifica, pela imagem e texto, é crucial não encubar a castradora ideia de costa leste contra o limite em plenitude ocidental daquilo que somos. A fronteira leste até pode ser mas relativamente à Espanha.
Para que a identidade da Europa não se perca por completo, uma nação com o perfil de Portugal não pode continuar no nível de submissão para onde foi remetido.