sábado, agosto 09, 2008

SOLJENITSINE, DO GULAG ÁS HONRAS DE ESTADO

Alexandre Soljenitsine (1918-2008)

Alexandre Soljensitsine, escritor russo, Prémo Nobel da Litertura em 1970, faleceu no início da semana e foi lembrado em todo o mundo. Soljensitsine, um escritor russo nas suas grandes linhas de definição, consagrou-se em parte como os artistas apanhados pela violência da História, dotados de uma grandeza trágica ou heróica. Acabou por ser assim, depois de vinte anos de exílio, ao regressar à Rússia, louvado a vários níveis, herói enfim respeitado e que veio a morrer no princípio da semana, aos 89 anos. O regresso verificara-se em 1994. Passara entretanto exilado durante 20 anos, 17 dos quais nos Estados Unidos. O seu regresso foi também a persistência da voz profunda da Rússia, a Rússia imensa e mítica.

Soljenitsin não se identificava com a figura habitual do dissidente, tendo mantido uma nítida distância crítica em relação a Sakarov. Aliás permaneceu refractário à ideia da ocidentalização da Rússia. O seu discurso, para além disso, marcou quase todos aqueles que, com o «Arquipélago de Gulag», o glorificaram. O seu retorno envolveu um discurso religioso, otodoxo, acompanhado por posições nacionalistas ou a inegável expressão de um misticismo das raízes. A mágoa dos companheiros de outrora tinha as suas razões: não porque faltassem as provas, os documentos, os testemunhos, as análises do que se havia passado na pátria do «socialismo real. De facto, a obra de Soljenitsine, cujo primeiro volume se publicou em 1973, emprestava uma dimensão grandiosa e altamente documentada dos factos, altura em que o Gulag, afinal, se tornara uma palavra-chave da consciência ocidental acerca do que acontecera na União Soviética. Em boa verdade, o livro que consagrou o autor do ponto de vista literário foi uma novela extraordinária que se intitulou «Um Dia na Vida de Ivan Denissovith». Aí acopanhamos a jornada de um camponês num campo de trabalho soviético. Obra que reflecte a própria experiência do escritor, o qual passou oito anos como prisioneiro num desses sinsitros lugares, aliás amplamente multiplicados por Staline. Após a entrega do Nobel a Soljenitsine, o herói futuro, em vez de voltar ao seu país, acolheu-se significativamente a Estocolmo. O medo não poupa os heróis. O seu retorno à terra mãe, décadas depois, pode envolver cada emigrante qualificado na liturgia do reconhecimento e da grandeza. Soljenitsine, cumpridas as suas vontades, foi enterrado com a benção grandiosa do Estado.

1 comentário:

jawaa disse...

«O seu retorno à terra mãe, décadas depois, pode envolver cada emigrante qualificado na liturgia do reconhecimento e da grandeza»
Nem todos recebem essa benção do país em que nascem.