sábado, julho 21, 2007

DO BLOG AOS RETRATOS SEM ROSTO



A expressão de ideias e sentimentos através das condições específicas do blog é uma recente aquisição do vasto campo instrumental que o homem tem concebido em nome da grande variedade de projectos e aproximação dos indivíduos entre si, quer para trocar ou partilhar informações, quer para fazer emergir do vazio presenças ignoradas, a voz escrita de alguém, retratos com ou sem a tradução do rosto. Eu não tenho nenhuma teoria bloguista, nem de concepção estrutural, nem de qualquer especificidade linguística desse meio, sobretudo nas ligações interactivas entre a palavra escrita e a imagem paralítica ou cinética, conceitos que decorrem directamente do cinema, da fotografia ou da televisão. Antes de criar um blog, aprendendo as operações aos solavancos, como acontece frequentemente aos autodidactas, o que eu sabia era-me transmitido por outros meios de comunicação, incluindo uma iniciada mitologia em torno de modos de formar, processamento técnico, temática inusitada, debate no âmbito do testemunho e da política. A isto se adicionava o grande universo da Internet, a sua pluralidade de temas e dados do conhecimento, os patamares operativos para os quais nós próprios podíamos reenviar réplicas de coisas, criações as mais diversas: a concavidade sem medida da Internet receberia tudo isso, doutrinas inteiras. Ora essa realidade (em parte virtual) fascinava-me um pouco, ao mesmo tempo que me levava a cogitar nas lacunas possíveis, nas sobreposições, no excesso, no lado perverso de certos aproveitamentos da curiosidade e dos mimetismos humanos.
O Blog, pelas suas características, despertava-me uma grande curiosidade, não tanto nas propriedades da forma (as quais existem noutros campos assumidos da criação literária ou pela imagem) mas sobretudo pela sensação territorial que parece legar-nos, tendo no seu campo autónomo indicadores de liberdade de expressão verdadeiramente aliciantes. Esses indicadores, embora veiculados à lei geral sobre a responsabilidade do nosso poder de intervenção pública, ou diante de acontecimentos graves, concediam-me uma considerável margem operatória, a qual, com efeito, ultrapassava a mobilidade armadilhada da pintura, a escassez dela perante a grandeza de tudo o que nos habita e desejamos partilhar com os outros, a pouca circulação do quadro em contraste com a viagm imediata de cada «postagem» que me ocorresse alinhar no campo.
Mas o meu maior apelo dizia já respeito à condição de habitante do blog, sabendo que o seu nome, desde logo, atrairia visitantes curiosos, concordâncias, discordâncias, expressas ou omitidas. Isso dependia de muitas coisas relativas à minha prestação, à sucessivas presenças, gritos, imagens, que se organizassem em termos de mensagem. Como em qualquer outro suporte, essa intervenção é claramente possível em termos de abertura, de contracção minimalista ou vive-versa, na linha, por exemplo, do que aconteceu com a art pop, numa dádiva coloquial às falas trocadas, aos encontros ficcionais, às cadeias de consumo, pela oportunidade de um comentário ou pelo tratamento das mais diversas situações. Estaria sempre livre para desenhar uma escrita breve e simples, a par de dialogar, nesse mesmo sentido, com os meus pares no domínio mais erudito da teoria da arte ou mesmo da sua política em redor.
Desde da primeira pessoa a quem enviei um e-mail no sentido de que ligasse para o «desenhamento», a corrida (escorreita, no meu caso) nunca mais parou. E é aí que se verifica o problema mais profundo (embora por vezes populista) que me tem envolvido no estudo sobre a imagem ausente, a voz insonora, o retrato sem rosto. Claro que, à medida que meia dúzia de pessoas se aproximam de nós, cúmplices, a dimensão psicológica dessas entidades vai ganhando forma -- e é como se o nosso imaginário, apoiado em dados do conhecimento científico, parecesse retratar, um pouco à maneira dos retratos robot usados pela polícia, alguém aqui menos cmprometido com semelhanças corporais ou deduzindo tais semelhanças pelo retrato psicológico acumulado em páginas de textos, comentáros, formas peculiares de descrever as coisas, avisos sobre temas e eventos preferidos, o aceno da partida, o chamamento inicial. Trata-se de um argumento cujo afloramento nos filmes não passa de suporte de certas vias de acção. Eu vejo-o, ao outro que entretanto escreve, suponho o retrato sem rosto em viagem anunciada pelos amigos, olhares escondidos, sem se reportar à marca da fotografia de alguém. Alguém na pose da fábula, ou meramente como no pragmatismo do bilhete de identidade, forma por vezes difusa mas reconhecível como realidade essencial da face palpável. No retrato identificador (que o é, na cereza de tudo) a aparência passa a revelar um rosto, mas o que sentimos para além dele é mais do que rosto, aproxima-se do entrosamento metafísico entre duas pessoas e a vários níveis: a fotografia nunca diz o que o longo encontro cultural, pela escrita, promove num espaço e num tempo indeterminados, mas animicamente determinantes. Isso faz-nos sentir uma espécie de nostalgia do rosto imaginado ou na presumível semelhança dele com gente que pertenceu ao nosso círculo de relações, que ajudou em parte a formar o nosso habitat. O lado metafísico dos cruzamentos de mensagens pode perfeitamente, além de abrir afectos, ajudar-nos a perceber o mundo na ausência de muitas coisas que o formam. Ou nesses velhos quadros onde a representação de uma figura, sem nos mostrar quase nada dela apesar da pose e do ponto de vista, dá-nos contudo a ver a atmosfera psíquica que se desprende da personagem, uma cabeça voltada e apesar disso revelando tristeza, alguma espera indizível, as mãos (que não vemos) e no entanto sabemos como se encontram cruzadas.
No Blog, cada viagem após a consolidação do primeiro diálogo consistente, a aventura reside em fazer jornalismo, ensaio, montagem de imagens, iniciar contactos a favor de uma interactividade palpável ou meramente virtual mas fecunda. E sobretudo parecem verídicos os nossos passos de ensaio no escuro, passos que nos levam a tocar (por exemplo) a seda de uma folha dormindo, a face de alguém na desculpabilização da surpresa e do encontro, a iniciação de um afecto -- e até mesmo de um amor.
É fascinante, sem dúvida. É estranho também, em todo o caso.

3 comentários:

Miguel Baganha disse...

Uma ambiguidade, sem dúvida, meu caro João...com um potencial imenso para se divulgar valores ignorados...e não só.

Uma realidade virtual por vezes mais fiel do que a outra, que expõe rostos e encobre a alma.
Contudo, não nos iludamos com a aparente coerência e legítimidade desta observação, pois aqui, bem como no dito mundo real também ocorrem situações que geram enganos, onde almas nocivas á sociedade se escondem não atrás de rostos abonecados e cerebros ocos, mas sim de um ou vários perfis virtuais criados para iludir, cujas genialidades não passam de meros e infames plágios, onde a verdade raramente é apurada.

A web-log, além de facultar uma miscelânia de documentação a uma escala infinita, é também o meio mais potenciado desde sempre para criar falsos méritos.

Lá diz o povo: "Naõ há bela sem senão..."

Nota 10 para esta edição, João!
Uma temática actual, retratando as ramificações socio-psicológicas que lhe estão inerentes.

De quem já conhece o rosto...e se aproxima cada vez mais da alma, fica um grande abraço...até breve,

Miguel Baganha

Anónimo disse...

Ainda bem que não vemos o rosto de quem nos visita e connosco dialoga. Nem ouvimos a sua voz. Pelo menos para mim, assim é melhor. Podemos imaginar a estrutura facial e corporal de quem connosco comunica, de acordo com o outro retrato, aquele que a troca de ideias possibilita.
Porque a verdade é que, independentemente da nossa "lucidez" a visão do outro, pode condicionar-nos, de forma a gerar uma desilusão. Somos demasiado românticos, sempre à espera da corespondência do aparentemente belo com o belo interior.
Para mim o mais importante é a troca de pontos de vista, a possibilidade de encontrar algum eco, uma certa cumplicidade.
O resto é ruído.
Obrigada pela visita a alguns dos meus blogues. Como disse são "limpos e directos", sem pretensões. Virei aqui mais vezes, com todo o prazer.

Anónimo disse...

oi..olha joao quero que saibas que gostei do ke escreveste pois nao ha belesa sem bondade....abraço
...fica bem e continuaçao....