sexta-feira, setembro 12, 2008

CADA ESCOLA É UMA ESCOLA

Marçalo Grilo, ex-Ministro da Educação



No pós 25 de Abril de 1974, entre cravos e bandeiras de esperança, as escolas, secundárias ou superiores, ficaram reféns das mais variadas teses de reforma. Já havia a reforma da autonomia universitária (a aceitação política do facto, pelo menos) e abaixo desse patamar depressa começou a verdadeira revolução, ao sabor dos elencos partidários, maiorias, minorias de interventores, as liberdades e o caos. O caos era quase todo da mesma cor, mas as liberdades variavam consoante uma mistura capciosa de ordens, as do Povo e as do Ministério a Educação.
Quando Marçalo Grilo era Director Geral no sector da Educação, estava a Escola Superior de Belas Artes de Lisboa a procurar consagrar uma reforma posterior à de 57, mas num trajecto que já vinha de 72. A pretensão dos elementos desta instituição de Ensino Superior era a de contribuir para a actualização do país nesse domínio, numa altura em que o Ministério da Educação mantinha as rédeas do sistema como podia, ainda sem grandes ideias, Os Conselhos Directivo e Científico da Escola fizeram sentir a Marçalo Grilo que a situação das Escolas Superiores de Belas Artes do país, à semelhança do que se fizera em Espanha, e em geral, aliás, na Europa, implicava a integração daquela área, a do domínio dos estudos de índole artística, nas universidades. Estava-se num tempo em que já não se concebiam tais instituições sem investigação artística, estudos de arte avançados, incluindo o design e a arquitectura nas suas principais vertentes. Tudo, naturalmente, numa lógica de desenvolvimento a que os nossos governos saídos de Abril pelo menos tiravam o chapéu. Pensou-se que tal atitude não correspondia a uma simples gesto de cortesia. Em todo o caso, e para grande espanto dos colegas estrangeiros, em Portugal só havia, soltas, desalinhadas em inovações execráveis, três Escolas Superiores: Belas Artes, em Lisboa, no Porto, e Medicina Dentária.
Aquele membro do Governo, ao tempo, resistiu a todos os argumentos apresentados pelos representantes da Escola de Lisboa: dizia, em suma, que o país não precisava de artistas (julga-se que se referia apenas áquela altura), que o Design roçava a utopia e não tinha designação nacional, que a arquitectura sim, sobretudo pela natureza da sua produção.
Ninguém quererá discutir isto de novo, considerando o nosso estatuto na Europa e o presumível facto da natural evolução do ex-ministro da Educação, hoje Administrador da Fundação Calouste Gulbenkian e Presidente do Fórum para a Cidadania entre 2006 e 2008. Marçalo Grilo revela-se mais aberto, falando sobre o domínio da Educação entre os professores, pontos de decisão, autonomia das escolas. Foi sereno na entrevista, sem contradições de maior, advogando que «não há um sistema educativo, há escolas, e cada uma deve ter autonomia para desenvolver o seu projecto educativo». Afirmou também que «temos professores magníficos e que são eles a peça fundamental para resolver o puzzle da educação. Um puzzle que nunca estará completo sem os pais e, claro, os alunos. Que estão lá para aprender e ir o mais longe possível».
Já se ouviu isto em qualquer parte, em qualquer tempo, em diferentes situações. É como se fosse possível, demagogicamente, dizer, com a sonoridade de 74: «Menos Estado e mais Escolas Autónomas». Procurando bem, na entrevista, conceitos, métodos, que processo autonómico defende Marcalo Grilo,veremos como fala da autonomia das escolas, se a seu belo prazer, entre a vila e o cosmopolitismo, mas de forma calibrada na relação com o meio e os materiais disponíveis, se numa invenção e numa liberdade da Escola integrada. Ele acentuou, quanto à reforma da escolas, «que o parceiro que menos deveria intervir é o próprio governo. Se olhar para uma escola inglesa, o papel do governo é essencialmente regulador». Embora não se deva brincar com estas coisas e se deva respeitar a opinão dos outros, quem evoca o exemplo inglês não o pode extrapolar, sem qualquer insert regulador, para o nosso espaço sócio-cultural. Porquê? Porque não é possível: serve, em termos académicos, para colocar questões, estudar outras formas, entre a diferença e a semelhança. Há um momento da entrevista em que parece que o entrevistado é imperativamente a favor da autonomia integral das esclas, estejam elas onde estiverem, com mais ou menos limitações, com mais ou menos menoridades de contexto, origem, ausências, distâncias. Não é bem isto, como parece, pois o estado sempre regula alguma coisa, o leitinho, tecnologias novas, algumas regras universais, a da própria sobrevivência do Estado, por exemplo.
Mas vejamos que teoria floresce aqui, sensata ou utópica. Numa das suas respostas, Marçalo Grilo diz: «Mais do que tomar medidas, é preciso ser cauteloso, sensato, equilibrado na sua aplicação. A ideia da uniformização das escolas é aberrante e perigosa, porque as escolas são toda diferentes e nesse sentido devem adoptar sistemas de governo e formas de aplicação da lei que podem ser diversas. A uniformidade é inimiga da melhoria do funcionamento das escolas. Aquela ideia peregrina de ter um sistema educativo, uma espécie de estrutura tentacular em que as escolas eram todas iguais, está hoje completamente abandonada. Cada escola é uma escola e cada uma dela terá formas, quer do ponto de vista organizativo, quer do ponto de vista pedagógico, consoante as melhores soluções».
Em Portugal, neste momento, é preciso meditar nestas palavras. Não porque estejam erradas e defendam a instauração súbita da utopia no real. Mas porque um caminho destes, no caos de aptidões e estruturas que existem, na brutal distância que separa os saberes uns dos outros, precisa de outros alinhavos primeiro. Houve uma altura em que o país não precisava de artistas nem de designers. As prioridades eram outras e as vontades políticas também. Pois vejamos: se naquele tempo o Drector Geral errava a sua mira, sob a plausível verdade do seu saber, a estranheza da parte dos professores ali presentes começava pela pintura que estava atrás da secretária da pessoa que os recebia de forma tão certeira. Hoje o senhor Administrador volta, apesar de muitas outras aprendizagens entretanto conseguidas, a pecar por desajuste entre a teoria e a prática. Cada escola consigo mesma. o Estado, pouco. Entre isso e o agora, nem uma almofada? Porque há corpos que rejeitam certos remédios. E há Escolas que rejeitam certas camas. É preciso quem os socorra e as socorra numa tragédia assim, contra assombro da solidão do interior ou mesmo no recurso a um mínimo de rede contra o grande espaço urbano, onde a peste impera.

Rocha de Sousa

1 comentário:

jawaa disse...

« É preciso quem os socorra e as socorra numa tragédia assim».
Não sei se há por aí algum Fernando a salvar corpos (e almas) nas escolas deste país!