segunda-feira, janeiro 11, 2010

A IRRELEVÂNCIA DOS MEROS CONTEXTUALISTAS

A QUEDA, Camus segundo um articulista do Diário de Notícias

«Em Paris, discute-se a subida ao panteão de Albert Camus, morto há 5o anos. O debate, centrado nas acusações de aproveitamento político, ilude uma evidência, a de que Camus já não pesa no cânone literário. Na adolescência, imitei milhões e li-o de ponta a ponta com constante facínio. Hoje, nama de recorda a respectiva existência. Embora a lucidez (e o talento) o distanciassem dos intelectuais da sua geração e lugar, paradigmas da subserviência a totalitarismos, a verdade é que o «contexto» tem um preço, e que Camus paga com a própria irrelevância a merecida irrelevância de uma certa França» (Alberto Gonçalves 9.01.10)

Não é possível ler os efeitos deste azedume, em pleno equívoco, sem sentir um arrepio de pavor, percebendo a cega intenção de apagar da história as grandes vozes que ultrapassam contextos e ficam suspensas, até à morte dos homens, solidária com eles, no tecto do mundo. A temporalidade grosseira desta apontamento, a insinuação da queda na verdadeira ascese do livro com o mesmo nome, de Camus, tudo isso serviu para apontar o escritor como irrelevante, tocado apenas de uma lucidez que não passava de talento, que a irrelevância se paga caro, como a que acabámos de ler, sobretudo quando ela nos é dita na espuma da mediocridade e falsamente ancorada no esquecimento da irrelevância de uma certa França. O sinal de uma obscura ideologia aparece subjacente a quem diz que imitou milhões de vezes Camus, lendo-o de ponta a ponta com constante fascínio. O adolescente que se declara, hoje, enganado com tanto fascínio era por certo um pré-mutante incapaz de discernir a universalidade sólida dos grandes escritores com a leveza incolor de outros paradigmas. Porque alguém que leu anos a fio lbert Camus e o declara hoja que nada lhe recorda a respectiva existência, é certamente um fragmento de gelo (circunstancial) descendo da fria Árctica. Se a bruxelante França se entretem a arrematar o preço para fazer subir Camus ao Panteão, é certamente porque perdeu génio e amor próprio, coisas do degelo. Se alguma vez Camus esteve distanciado «dos intelectuais da sua geração e lugar, paradigmas da subserviência a totalitarismos, a verdade é que o «contexto» tem um preço, e que Camus paga a própria irrelevância a merecida irrelevância de uma certa França». Em toda esta ambiguidade, há aqui uma pontinha do véu a erguer-se da renúncia rasteira. Camus escolheu um certo exílio para de afastar de um certo reino, pujante na altura em que escreveu A Peste e nos falou de Oran, uma cidade sem pombos. Essa obra pertende ao património superior da humanidade, intemporaliza-se, e ele um dos autores de sempre, com uma das mais influentes obras que tocaram as gerações do pós-guerra, quer pelo seu arrebatador valor humanístico, quer pela lúcida poética com que desenvolve a crítica dos homens e da vida, nessa escrita da inquietação muitas vezes pacificada, brilando na pureza e sobriedade do estilo. É certo que a obra de Camus tece as suas ancoragens no nosso tempo surdo, mas a forma como daí se projectou no futuro, talvez espelhando Sisifo e Prometeu, tornou-a destinada a ultrapassar os limites da época. Maria ainda o olha através das lágrimas, porque ela sabia o que via aquele homem repousando de costas nas águas mornas e com os olhos cheios de azul.............................

Felizmente, O CCB homegeia Albert Camus, Prémio Nobel, 50 anos depois da sua morte. Mega Ferreira considera que a grande questão que atravessou o pensamento do escritor é a liberdade, sendo essa uma das razões que tornam a sua obra intemporal. Aqui se refere a vida plítica activa de Camus, posições polémicas, protesto à esquerda por causa da guerra da Argélia. Mas a condição humana vai mais além, no que escreve sobre a estranheza dela e sobre o absurdo. O seu «grande contributo consiste na forma como soube mostrar que o essencial é a coragem de enfrentar os valores dominantes sempre que eles são contra a moral»..F

3 comentários:

Miguel Baganha disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Miguel Baganha disse...

É de enaltecer a relevância e pertinência deste texto. Este escritor, filósofo e Nobel da literatura foi o pensador que melhor soube dar razão à existência do Homem.

«Ao contrário do que por vezes se afirma. Camus não é um escritor do desespero mas sim um esforçado cantor da esperança. Amava a condição do Homem, prezava a aspereza dos seus trilhos. Via o Homem como um sol violento que projecta na terra o esplendor da luz, mas cuja trajectória vai criando na paisagem uma geografia de sombras. No limite deste contraste colocava a própria vida, rejeitando o optimismo fácil e, também, a impotência do desesperado que em vão procura uma salvação transcendente. Para Camus, o destino do Homem resolve-se na Terra, e só o Homem pode a si próprio salvar-se. A vida terá o sentido que lhe der a nossa clarividência. O Homem lúcido situa no presente a pulcritude do Futuro e estabelece como único programa digno de si mesmo, o alargamento constante do campo da experiência, em ordem a esgotar as possibilidades infinitas da actualidade.»

Albert Camus, um "Autor de Sempre" jamais verá a sua queda consagrada pela irrelevância dos meros contextualistas. Pelo menos, enquanto vozes como a que aqui se ergueu para defender esta glória da literatura Universal se mantiverem audíveis.

Obrigado, João.

Um abraço!

jawaa disse...

Alberto Gonçalves sofre de alguma presunção e pouca humildade quando refere «quem não conhece». Só pode ser ignorância inadmitida. Não deve ter tido tempo de ler Camus.
Obrigada, também, por este texto magnífico.