sexta-feira, junho 18, 2010

JOSÉ SARAMAGO MORREU HOJE EM LANZAROTE


José Saramago, escritor português, Prémo Nobel da Literatura, morreu hoje em Lanzarote, ilha das Canárias onde decdira fazer lugar da sua ancoragem na altura em que mais se notabilizou. Há quem considere esta escolha uma ambiguidade derivada de algum ressentimento, enquanto outros a relacionavam com a naturalidade da sua mulher, espanhola, Maria José do Pilar, uma companheira que travava a sua batalha por ele, pelos natureza da sua escrita, da sua ficção, dos seus valores ideológicos. Partilhava com ele de uma certa concepção desértica do mundo, ou da incerteza quanto aos caminhos de Deus. Ou talvez me engane, porque estou a escrever em cima do acontecimento e sem fazer consultas que escrevam direito por linhas tortas esta minha quase brumosa sensação acerca daquele amor e de como Saramago se comportava nas nossas ribaltas, com um discurso cuja arquitectura não anunciava nada de salvador para o futuro da Terra e do Homem, duas dimensões que haviam surgido na obra do escritor marcadas pela dor e a par da força e da esperança no limitar de cada luta. Falou-se na resistência às mordaças sistémicas, nessa gente ao mesmo tempo mítica e humaníssima, vozes de uma planície agreste, de um destino de pedra -- os heróis inesquecíveis do livro (talvez o maior) LEVANTADOS DO CHÃO, peça em que o corte dos planos multplicam a memória do realismo na vida de fracturas de cada casa rasa, preço amargo de um sedentarismo abismal, por ali, por caminhos que terminavam entre pedras ou raízes inenarráveis.
Claro que sim, não há razão para menorizar o MEMORIAL DO CONVENTO, um texto que nos lembra a imagística fílmica de uma certa Idade Média fora da História, algo com a elegância e a vontade esforçada como acontece em muitos momentos do filme RUBLIEV, da Tarkovsky. Não porque Saramago se tivesse voltado para esse imaignário, para a litúrgica fundição daquele sino monumental, para outras estranhas vontades, gesta também que reinventa a fundação de Portugal pela refundação a tempo inteiro daquele projecto conventual, veredas carregadas de coisas e pessoas, entre artefactos e segmentos monumentais para estruturas e perder de vista, Blimunda vogando na vaga história do espírito, lenda e poderes de fábula, o balão que se esvazia e se afunda na relva, sustentado pelos risos de quem o navega, e que mais uma vez é parte inesquecível do filme há pouco citado.
Mas José Saramago não foi um Nobel indiscutível nem olhou para nós através do discurso na Academia Sueca, isso que tantos de nós viram e ouviram na face de Camus, em cerimónia igual, quinze minutos de humildade, grandeza de alma e vontade sisifiana de preferir ajudar os homens, seus irmãos, do que salvar-se num encontro com Deus.
Seja como for, a televisão não se esqueceu de nos dizer que Saramago se despediu do real de forma tranquila e serena, frase que traduz um epitáfio sem mancha.

Lanzarote depois do Nobel pode ser a
grande metáfora para depois de Caim

o símbolo carpinteirado e acre de um lugar

2 comentários:

Lord of Erewhon disse...

Facebook O Bar do Ossian.

Abraço!

jawaa disse...

Lanzarote, uma ilha à medida dos seus desejos.
Ter-se-há despedido deste mundo segurando a mão de Pilar, que deverá espalhar as suas cinzas pela ilha. Suponho.