sexta-feira, outubro 19, 2012

ENFERMEIROS PORTUGUESES DEIXAM O PAÍS

«Diário de Notícias» (19-10-2012):  Há dez anos era uma das profissões que tinha emprego garantido, hoje os licenciados em enfermagem são obrigados a sair do País para trabalhar fora. Só em Inglaterra, há já 1778 enfermeiros portugueses, segundo dados oficiais do Nursing & amp; Midwifery Council, organização junto da qual têm de se registar para exercer no país. O Reino Unido é um dos principais destinos desta vaga de emigração nos profissionais de saúde, mas não é o único.» Portugal, infelizmente, parece votado a exportar milhares de cidadãos formados em diversas especialidades que já poderiam estar a enriquecer a nossa História e o nosso Futuro. 
Ontem partiram mais de uma centena de profissionais desta especialidade e foi, na televisão, uma terrível cena de coragem e amargura. «Queria trabalhar no meu país, foi para isso que trabalhei, mas o meu país abandona-me. Não sei se algum dia voltarei». Se a tempestade tropical, aliada à incompetência política, atirou para o lixo contingentes inteiros de famílias e pessoas que viviam nas colónias por vezes com raizes seculares, o que aconselhava outras decisões e a devida preparação, hoje, por erros igualmente estúpidos, muitos dos nossos cidadãos não ficam apenas sem casa, amigos, família: ficam sem a própria Pátria. Muitas pessoas que vieram na expulsão rápida e em força, de Angola ou Moçambique, perderam tudo, bens e familiares, a sua segunda Pátria. Se há crimes que se julgam no Tribunal de Haia, a forma como os governos provisórios portugueses desprotegeram milhares de concidadãos, deixando que o Exército não enquadrasse a transferência de pessoas e valores, sobretudo depois de uma teimosia de catorze anos, é matéria que deveria ter sido encarada de outra forma e punida constitucionalmente.
De uma carta de ontem:
Parto do meu país, com uma licenciatura em enfermagem, porque, apesar do dinheiro gasto pelo Estado com a minha formação, tal esforço e o meu próprio empenho carecem por completo de resposta em Portugal. Não há literalmente postos de trabalho para mim e para os meus colegas. Os gastos foram, de todo, desaproveitados. Parto do meu país onde porventura nunca mais voltarei. Fomos aceites em Inglaterra sem crises burocráticas nem precariedades financeiras, técnicas e de habitação. É com mágoa que o faço, mas, para além da carta dirigida ao senhor Presidente da República, nada mais posso fazer pelos futuros colegas que estão a formar-se e que, dentro em breve, talvez já nem possam usufruir dos poucos contratos de curto prazo, entre exílios e nomadismos na terra onde nascemos.
Nome ilegível

1 comentário:

Miguel Baganha disse...

É compreensível a indignação que os profissionais deste e de outros sectores demonstram. Muito poucos encaram a ideia de «sair do país para trabalhar fora» com um sorriso nos lábios, por outro lado e na mesma medida, muito poucos são «aceites em Inglaterra -- ou em outras partes do mundo -- sem crises burocráticas nem precariedades financeiras, técnicas e de habitação» -- os revoltados esquecem-se que foi a formação profissional adquirida no país de origem (que tanto e só se critica) a permitir tal «aceitação».

É fácil aceitar o que nos dão ou o que nos potenciam. Reconhecer, agradecer e retribuir é francamente mais difícil.
E agora lembrei-me de uma frase célebre daquele douto político e presidente norte-americano, o John F. Kennedy: «Não perguntes o que o país pode fazer por ti, mas o que podes fazer pelo teu país.»

Falou-se em muitas verdades, neste artigo, sobre certas injustiças que as medidas austeras originam, como o país «parece votado a exportar milhares de cidadãos formados em diversas especialidades que já poderiam estar a enriquecer a nossa História e o nosso Futuro», falou-se nas ignomínias infligidas a «contingentes inteiros de famílias e pessoas que viviam nas colónias por vezes com raizes seculares», falou-se, enfim, de exílios e nomadismos», de pessoas "expatriadas" cuja hipótese de retorno se afigura praticamente impossível, mas o que não se falou foi de como tudo isto decorre do processo de globalização -- porque este moderno fenómeno cultural a que todos aderiram, sem perguntas ou objecções, é o mais directo responsável pela destruição de certos valores deontológicos. Cada cidadão (não apenas os governos), deveria ser julgado e condenado em Haia, pela forma negligente como descuidou tais valores seculares e intrínsecos, descuido criado na na perspectiva de uma liberdade utópica que agora nos empurra para uma espécie de buraco sem fundo.