domingo, janeiro 05, 2014

PARA RELER PLUMA CAPRICHOSA: DETROIT E NÓS

A questão é a eliminação do poder das constituições e das regras da justiça social, em nome da «emergência»


«Um Juiz do Tribunal de Falências para o Distrito do Michigan, um juiz federal, autorizou formalmente a declaração de falência a cidade de Detroit, e  decretou que, neste caso, a obrigação de pagar as pensões públicas deixava de ser intocável. As leis do Estado do Michigan e a Constituição proíbem que se toque nas pensões públicas. Um jurista perito em legislação municipal acha que a decisão pode vir a mudar a intocabilidade das pensões, não apenas no Michigan como em outras cidades com problemas em pagar pensões de funcionários públicos. Cidades como Los Angeles, Chicago e Filadélfia. A decisão do juiz federal considera que os benefícios  das pensões  são um direito
contratual e não estão abrangidos pela protecção especial num caso de falência municipal ao abrigo do Capítulo 9.
Detroit está na bancarrota. A cidade foi a 4ª maior e é hoje a 15ª. Perdeu centenas de milhares de habitantes (1,8 milhões  para 700 mil). Os serviços públicos deixaram de funcionar, circula apenas um terço das ambulâncias e a polícia consegue apenas fechar 9% dos casos reportados,  apesar do aumento  da criminalidade. Os bombeiros, que não têm mãos a medir, devido aos casos de fogo posto, estão mal equipados e sem meios. Udevastadorm gestor especial de falências, nomeadamente pelo Estado, Kevyn Orr, pretende iniciar já o plano de recuperação da cidade com base na decisão, pagando uma parte apenas dos 18 mil milhões em dívida (da cidade) e restaurando os serviços essenciais. Este plano chama-se «Plano e Ajustamento». A cidade vai vender património e reinvestir o dinheiro nos serviços públicos.


Para as famílias com rendimentos fixos, qualquer corte na pensão será devastador. Os sindicatos e os gestores de fundos de pensões prometem luta judicial, recorrendo a um tribunal superior, mas nenhum líder sindical tem dúvidas de que se a decisão vingar, o resto da América atacará as pensões.


 Os reformados e pensionistas ficarão sem apoios, sem comida, medicamentos, carro, e serão despejados das casas e dos lares. Um bombeiro que recebe uma pensão de invalidez depois de ter ficado gravemente incapacitado num incêndio, acha que a decisão, considerada ilegal e amoral, é o "canário na mina." Resposta oficial: "Não há dinheiro". Numa manifestação de protesto, liam-se nos cartazes as palavras Bank of America, um dos bancos americanos  resgatados  pelo contribuinte americano. Nesse caso, ninguém disse que não havia dinheiro.
O declínio de Detroit tem muitos factores. A cidade sustentava-se praticamente de uma única indústria, a automóvel (resgatada também pelo contribuinte americano) e acumulou lideranças municipais corruptas e incompetentes. Junte-se a isto a tensão racial, a pobreza e a desigualdade. A dada altura, Detroit pedia emprestado para pagar empréstimos anteriores, um círculo vicioso semelhante ao da dívida portuguesa e dos juros. Com a diferença de que Detroit não pagará a dívida toda nem os juros. E um dos últimos presidentes da  Câmara, Kwame kilpatrick foi condenado a 28 anos de recandidatar-se cadeia por crimes de extorsão, fraude e corrupção durante um mandato entre 2001 e 2008. As falhas da da liderança política foram, antes e depois dele, as grandes responsáveis pela falência de Detroit. O mayor que lhe sucedeu demorou pouco tempo no cargo e escusou, e o mayor actual teve de ceder poderes ao gestor especial de falências, Kevyn Orr.
A guerra prossegue agora nos tribunais, e as decisões finais das batalhas judiciais serão analisadas à lupa e aplicadas ou não nas outras cidades, com ou sem o sistema bancarrota. Na vida da democracia americana, nunca o princípio constitucional da inviolabilidade das pensões  tinha sido posto em causa, mas o próprio juiz que a decretou considera e das regras daque há sempre recurso para o tribunal superior. O que os sindicatos e fundos tencionam fazer. Dado o estado de emergência da cidade, o juiz acha que o processo deve ser acelerado. posto em fast track, para que a cidade não fique muito tempo paralisada pelos tribunais. A cidade e o "Plano de Ajustamento."
Não custa traçar paralelos entre o que está a acontecer na Europa e em Portugal, com os seus planos de ajustamento, embora no caso de Detroit ninguém fale em austeridade (seria irónico). O que importa reter é que o sistema dominante arranjou uma maneira definitiva de dar cabo dos direitos adquiridos das pensões públicas, um princípio sagrado desde a sua instituição. O que o futuro nos prepara é simples: a pensão é matéria aleatória. Há dinheiro mais do que suficiente na América para  salvar Detroit, e muitos exemplos do empreendorismo da cidade já se notam por todo o lado, numa espécie de renascimento urbano. A questão não é saber se há ou haverá dinheiro. A questão é a eliminação do poder das constituições e das regras da justiça social, em nome da "emergência".Lá como cá».
Revista do EXPRESSO de o4.01.2014| pluma caprichosa | Clara Ferreira Alves.

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