«Provavelmente, Deus não existe. Viva a sua vida sem constrangimentos».
Esta é uma norma de fazer apelo ao consumo. A crise nem sequer se relaciona com o livre arbítrio. Já Fernando Pessoa escrevia: «Come chocolates, pequena, come chocolates, olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates, olha que as religiões todas não ensinam mais do que confeitaria»
E porque Deus, presumivelmente, não existe, a responsabilidade dos actos é dos humanos.
Na última panóplia de livros oportunistas em torno do Codigo de Deus e coisas similares, os autores não podem sacudir a água do capote. O último código de que tive notícia foi pela pena de Grahan Phlips, através do breve etudo de Susana Lúcio (revista Sábado) e ainda pela releitura da obra de Daniel-Rops.
A Igreja, que se tornou toda poderosa depois dos romanos a acolherem para melhor unificação da sua própria transcendência, nunca perceber bem a irrealidade Cristo e o apagamento (para o qual ela mesma contribuiu) da alegada mãe de Jesus, Maria. Ainda durante o Vaticano II este assunto se discutia e os bispos, antecipada- mente, degladiaram-se sobre a bondade da inclusão do nome de Maria nos textos sagrados, um texto só para ela, e se poderia ser consagrada como co-redentora, tendo ajudado o filho na salvação da humanidade e mais tarde subido para junto dele, também em carne e osso. A ideia consistia no facto desta última versão a livrar de muitos pecadilhos e coisas nada canónicas. Depois de muitas querelas ao longo dos anos (e dos séculos), lá ficou determinado, sem questões de revelação, que a mãe de Cristo, aos 58 anos, fora para junto do filho e com as mesmas prerrogativas, segundo a mesma tecnologia da transcendência capaz de transportar a matéria para qualquer lugar do Universo.
Nos documentos que se multiplicaram na antiguidade e no decurso dos séculos, a substancialidade dos irmãos de Jesus Cristo parece mais palpável do que a do nosso Salvador (ainda se esperam os resultados dessa acção, a qual, em boa verdade, não se sabe em que consiste). «Para conciliar a virgindade de Maria e os irmãos de Jesus, os teólogos cristãos recorreram ao Proto-Evangelho de Tiago, que apresenta José como viúvo e tornaram os irmãos de Jesus em meio.irmãos». * A esta fórmula contrapõem-se outras, quase todas bizarras. E Psolini, no seu filme «O Enavangelgo segundo Mateus», mostra José, talvez de meia idade, afastando-se da mulher, depois de saber da sua gravidez, caminhando, curvado, de costas para nós, numa vereda entalada entre muros.
A discutível descoberta do túmulo de Maria pelo arqueólogo Bebedetti foi silenciada pelo Vaticano. O dogma da Assunção está relacionado com outro, ausente ou expurgado de qualquer evangelho, com um outro, o da Imaculada Conceição, categoria teológica urdida nos vários concílios e entre controvérsias sobre o lugar da sua morte, hoje consensualizado «turisticamente» na cidade de Jerusalém.
Sobre a vida e os atributos de Maria, os teólogos nunca chegaram verdadeiramente a um acordo, no fundo como não concluiram nada em volta de todos os respectivos acontecimentos, inverosímeis e contraditórios. A ideia da virgindade de Maria, obviamente falsa ou simbólica para qualquer de nós (a menos que nunca tivesse tido filhos nem relações com o marido ou alguém além dele), foi sempre um dos maiores embaraços para a Igreja Católica. As explicações ascendem a dezenas, todas absurdas ou pelo menos inseridas no domínio do fantástico. Neste momento, a Igreja determina (e ensina) que Maria «permaneceu Virgem até morrer». É na fase em que José teria sido convendido a levar Maria para sua casa que ela aparece pela primeira vez referida nos evnagelhos canónicos. Tarde e a más horas. Quando Proclo apontou Maria como mãe de Deus, o Patriarca enfureceu-se, bateu no sacerdote, e explicou aos fiéis que não se podia falar de Maria como um pagão se referia a deusas. Os «primeiros» boatos da «teoria» da virgindade surgiram próximo n ano 178 d.C., sonbretudo quando o filósofo Celso escreveu que Maria «engravidara de um soldado romano». Quando o Concílio de Constantinopla, em 553 d.C., Maria é designada como sempre virgem, e por estranho que pareça, o dogma acerca desta eventualidade só foi declarado inamovível no século XIII, no quarto Concílio de Latrão. A ideia de tal virgindade, nunca afirmada nos documentos mais antigos, nem mesmo naqueles que a Igreja escolheu (entre outros) para se tornarem os verdadeiros, é música celeste apenas a partir daquela altura. Como se vê, a mãe, a pretensa mãe de Jesus, nascida entre 23 e 20 a.C., teve uma vida (afinal no futuro) muito controversa. Versões colsolidadas existem várias, mas nos textos canónicos da Igreja Católica a veneração por esta obscura mulher só se acertou no século XX, aliás até níveis fundamentalistas e penosos, como Fátima e Lourdes.
Até ao concílio do Éfeso, no qual esta doutrina da virgindade de Maria havia sido oclusa, estranha, vaga, ou mesmo de todo improcedente, as falas não se encontraram. Éfeso impulsionou esta ideia, na própria concepção do culto de Maria, com várias festividades em sua honra.
À maneira de uma «providência cautelar», e antes que o mito de Maria «prescrevesse», o Vaticano II votou um texto refreente apenas áquela figura, privilégio que lhe permitiria tornar-se co-reentora, ou seja, trabalhando ao lado do filho da mesma missão, além de que, após a sua morte, ascenderia certamente aos céus, imaculada. Acabaram assim, em termos institucionais, as lutas, arrastamentos, ocultações, tudo o que, desde o início, se havia gerado em volta desta figura.
No artigo «O Plano para Esconder a Virgem Maria», há um sub-título que sintetiza muita coisa. E que diz: A sua figura prvocou uma ds guerras mais violentas de sempre nos corredores da Igreja Católica. Houve agressões físicas, subornos e excomunhões. Quem quis apagar a História da mulher mais adorada em todo o mundo?» Alguém, num plano falhado, tentou esconder a mão de Deus. Ou a mão de Deus, num dos seus inúmeros erros de cálculo, falhou o instante em que Jesus terá nascido como qualquer de nós, com intervenção biológica de José. Assim se salvaguardará a família e se continuará para acabar com a violência doméstica».
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* Susana Lúcio, revista Sábado 18.12.08
1 comentário:
Um abraço por companhia, nesta época de festas que se querem, felizes!
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