domingo, fevereiro 22, 2009

FALECEU MESTRE LAGOA HENRIQUES

Prof. Escultor Lagoa Henriques

Tinha 85 anos. Serviu a cultura e o ensino artístico, com ardor e um entusiasmo quase pueril, durante mais de meio século, acompanhando os processos da vida, os métodos da descoberta, a natureza poética do traço em belos sentidos de deriva sobre o papel. Acompanhei muito o seu trabalho, enquanto artista e professor, em Lisboa, antes da Escola Superior de Belas Artes de Lisboa ter sido integrada, como Faculdade, na Universidade dita clássica. Ele saira antes, inconformado com os arrastamentos dos governos, num apelo por programas de televisão, temas sobre lugares e gente na margem, uma didáctica simples, feita do seu modo de representar a própria invenção da fala, entre metáfora e devaneios narrativos sobre as imagens. O mundo deslumbrava-o, e as coisas, e os restos, e as recordações da mãe, entre fotografias e pequenos objectos que povoavam, um pouco por toda a parte, a sua casa, dentro do próprio atelier. Casa alcandorada, pisos de madeira, salas intimistas, abarrotando das mais insólitas memórias da sua apetência pelo achamento de novos sentidos aqui, e em plena praia, ou além, numa viagem meio bizarra. Ao acabar as suas séries televisivas, um pouco traído nesse sonho, já não tinha a sua Escola e os seus alunos, um auditório atento, olhos de espanto perante a invenção dos gestos explicativos, dos arredondamentos, da graça e da ponderada gravidade do encadeado das frases. Retomou, apesar de tudo, a actividade do ensino nas Universidades privadas, procurando conservar a sua verdade pedagógica e a visão poética dos seres.
Era um mestre do estar, um praticante da viagem interior, comovido cultor de afectos.
Na notícia da sua morte, alguém escreveu por ele:
«Adeus, até sempre que é o tempo certo.»

4 comentários:

Miguel Baganha disse...

Alguém que parte, ficando bem referenciado no campo artístico. Bonita idade. Um grande bem-haja ao artista, e até sempre...

Júlia Coutinho disse...

Tenho estado a tentar fazer um post sobre ele e ainda não consegui. Por que todas as palavras me parecem inadequadas...
Este teu texto foi o mais bonito que li sobre Lagoa Henriques. Aqui as palavras encaixam e tudo é harmonioso. Tal como o ser e o sentir do Homem que agora desaparece.
Obrigada.

Júlia Coutinho disse...

Tenho estado a tentar fazer um post sobre ele e ainda não consegui. Por que todas as palavras me parecem inadequadas...
Este teu texto foi o mais bonito que li sobre Lagoa Henriques. Aqui as palavras encaixam e tudo é harmonioso. Tal como o ser e o sentir do Homem que agora desaparece.
Obrigada.

jawaa disse...

Para quem o conheceu, mais do que para quem dele apenas conhece a obra, ficará sempre sentado no Chiado, com Pessoa, e pode ser revisitado.