quinta-feira, março 19, 2009

EM NOME DA VIDA OS DOGMAS DA MORTE

A Natureza, nas suas bondades e adversidades, coloca ao homem as mais inquietantes questões. O homem é um dos seres mais complexos deste espaço em que vive. Após milhões e milhões de anos de existências orgânicas, elementares, vegetando na Terra, a matéria viva multiplicou-se em diversidade, tamanhos, consistências grupais, conquistando espaço em força e formas híbridas de afirmação, de relação com o meio e as suas próprias engrenagens sem verdadeira utilidade. O homem acabou por se contituir, com pequenas diferenças morfológicas, no ser mais complexo e superior entre milhões de espécies, algumas mais possantes do que ele mesmo.
Quando se chegou a modos tribais, primeiro nómadas, de assumir a vida, de reconhecer grupos e meios de subsistência progressivamente mais sofisticados, os engenhos multiplicaram-se e as vidas de novos seres também. Ao tempo, centenas de milhares de anos decorridos, já Deus se desligara da sua criação (pelo livre arbítrio) sabendo embora que os homens iriam, sem contas nem disciplina espiritual, dar expressão à força e aceitar-se no desejo, praticando, por impulsos distintos, a cópula. E daí deduziu, a cada filho formado, que o grupo aumentava de cuidados e bocas e disputas pelos bens cuja administração se tornou difícil, gerando grandes desastres não naturais até aos nossos dias, tempo em que os bens do espírito se discutem e durante nuitos séculos se combateram. Mas cada homem que nascia era um bem, fortalecia os interesses e o poder. Apesar de, sobretudo depois das maiores guerras mundiais, a humanidade ter começado a temer o excesso de população.
Hoje há planeamento familiar (ou deveria haver por todo o lado) e as grandes energias vindas da industrialização começam a complicar a vida do planeta, clima, oceanos, doenças, cada vez maior sufocação por direitos adquiridos e entretanto perdidos, mal reabilitados, mal reconhecidos, entre a permanância absurda, redutora, das religiões que já fizeram há muitos milénios, e mal, o seu trabalho iluminante.
A Igreja Católica Apostólica Romana, a Ocidente, é das maiores religiões do mundo, foi responsável por guerras e genocídios indiscutíveis, cujas marcas são hoje cicatrizes «activas». A figura suprema deste espaço (no qual se afirmam culturas de fé e de salvação), é o chefe tutelar Supremo, é o Papa, actualmente Bento XVI, homem erudito mas determinado por normas filosoficamente insustentáveis, teologicamente indistintas, socialmente perturbadoras. Tendo inventado, nos primeiros Concílios, tanto a virgindade de Maria como outras concepções e práticas que em nada se ligam aos primitivos cristãos, a Igreja balança entre as «verdades» da Bíblia e as inconsequências de muitas normas disciplinadoras, anti-naturais, de que se fez refém.
Nos nossos dias, o problema da natalidade e de se gerar filhos em tempo socialmente próprio, em
nome do equilíbrio das comunidades, é uma realidade estrutural das civilizações. Dado que o conhecimento dos períodos de fertilidade, na mulher, podem ser avaliados, grande parte das vezes sem precisão, o dogma da proibição do uso de métodos mecânicos e químicos para controle dos casais e do seu plano de vida, tem gerado grande número de novas cegueiras no Vaticano. Sem a medida correspondente à filosofia e aos limites da vida humana, Bento XVI declarou: «Não se resolve o problema da sida com a disribuição de preservativos. Pelo contrário, o seu uso agrava o pronlema». É uma frase aterradora, basta pensar um pouco. A frase foi pronunciada a caminho da primeira viagem do Papa a África, justamente o Continente onde a delicadeza destas questões tem de ser tratada com solidariedade, compaixão, espírito científico e apoios sociais e de saúde altamente compartilhados por todos os países mais evoluídos. Houve indignações de toda a ordem, sobretudo porque o Papa colocava a Igreja, daquela forma, no centro do problema. Muitas organizações governamentais, que trabalham na luta contra a sida na África subsariana, onde o vírus já infectou mais de 20 milhões de pessoas, exprimiram protestos de forte indignação. Se a Igreja acha que tudo se resolve com serenidade natural e muita abstinência, mostra mais do que desconhecimento dos problemas, do próprio homem, contrai-se sobre os terrores que ela própria criou. O Papa, para evitar a sida, sem falar de outros casos onde a atitude é semelhante, defende a abstinência e a fidelidade. Mas esta posição cria fracturas entre os católicos, porque o pensamento humano não pode recuar dessa maneira, ainda que os valores citados podem ser estimáveis noutros contextos. Alguém disse que, se o Papa estivesse empenhado em evitar novas infecções, deveria concentrar-se na difusão do preservativo e na pedagogia sobre a sua utilização, não sendo este, aliás, o único processo capaz de fazer parar a investigação.
Há outras batalhas a travar pelo Papa: a espiritualidade passa também por defesas contra os conflitos regionais, outras doenças, as crianças subalimentadas, os corruptores agindo generalizadamente, os traficantes de drogas, o ambiente, o clima. Quem é este Papa que parte para África cuspindo o preservativo, como se não houvesse, a par da sua admissão e boa aplicação entre os povos, outros problemas naquele Continente a que a Igreja tem o dever moral e espiritual de prestar correntes de auxílio, trabalho e não liturgias fúteis?

1 comentário:

jawaa disse...

Como é seu apanágio, um olhar largo de lucidez sobre o mundo e os homens.

As religiões falham quando não sabem EDUCAR, foi para isso que as inventaram. A corrupção existe dentro da própria Igreja, e a eleição deste homem para Sumo Pontífice é a prova disso. O representande de Deus na Terra, como se pretende, não pode ser um homem como ele.