fotos do Expresso/Actual e revista Sábado

O muro de Berlim, obra aberrante que se tornou emblemática da Guerra Fria, conflito do terror nuclear para um falso equilíbrio entre os blocos de potências a Leste e Oeste (Rússia e EUA), foi rasgado e tombado há vinte anos, na sequência de desanuviamento que se deve em grade parte a Gorbachev. Aconteu de 9 para 10 de Novembro, inesperadamente, como se uma fronteira bélica e sofisticada, onde morreu mais de uma centena de cidadãos que procuravam atravessar para ocidente as terríveis barreiras, o muro, os seus adereços mortais e os atiradores especializados em torres, se parecesse com um velho castelo de cartas. Este muro, construdído pela União Soviética, começou a erguer-se e a expandir-se, cheio de
grafitti do lado ocidental, queria ser um modo de dividir Berlim em dois sectores, tornando a chamada RDA uma parte do império comunista, sujeita ao mesmo regime, organização que mantinha, na Alemanha da Leste, um informador ou agente da Stasi por cada 63 pessoas.
As condições históricas e políticas que permitiram a destruição, a céu aberto, do medo de décadas, pairavam entre murmúrios a propósito de perestroika, o muro parecia assim ter uma morte anunciada mas não esperada para tão cedo. Porque, num passado nem sequer longínquo, nos anos 70, ainda se falava a Leste da queda do capitalismo. E naqueles dias, após a derrocada consentida e tomada como resultado político de um verdadeiro desanuviamento, cerca de três milhões de cidadãos da RDA passaram para Berlim Ocidental. As ditaduras comunistas da Europa depressa, e por sua fez, foram caindo uma após outra. Dois anos depois acabou a própria União Soviética, soltando-se algumas vozesduras que anunciavam um difícil fim da história. Rui Ramos, historiador, pergunta (na revista Sábado): «Como foi possível? E sobretudo, porque é que ninguém o antecipou?» 
É o próprio Rui Ramos quem escreve: «Em 1979, quase ninguém admitia a hipótese de que o comunismo deixasse de existir na Europa dentro de uma dúzia de anos. A ditadura comunista no antigo império russo durava desde 1917; e, depois da Segunda Guerra Mundial, exportara o sistema para muitos países, até abranger um terço da humanidade». Dirigidos nesse sentido, grupos armados, de sentido marxista-leninista, coordenavam-se e haviam atacado as colónias portuguesas, chamadas então de Províncias Ultramarinas. Essa força expansiva era colossal mas ficou sob pressão. Retomados os espaços, foi o exército português, desde 61 nas picadas e matas de Angola e Moçambique, a ter de defender uma outra expansão, procurando responder replicar a uma ampla guerra de guerrilha, adaptando-se bem às condições, reestruturando as unidades de combate, mas sem grande sucesso a longo prazo, como se verificou. A influência soviética, após operações bem sucedidas, estava um pouco por toda a parte, em particular no armamento e meios de socorro, apoio logístico, treino de angolanos, nos termos apropriados à chamada guerra de libertação.

Gorbachev, em 1988, demarcava-se da ajuda de sobrevivência a outros egimes comunistas. Esta atitude, bem vista a ocidente, tinha custos pesados para aquele líder no interior da União Soviética. Mas ele esperava, com as suas medidas, reduzindo a autocracia, incrementar uma nova vontade nas populações relativamente à «construção do socilaismo». No fim dos anos 80, e porque dependiam exclusivamente da força para manterem, as ditaduras na Europa entraram em colapso político. Perante sociedades «industrializadas urbanizadas e instruídas, não podiam mais contar com o ensimesmamento rural». (R.Ramos) Ao se esfumar o quadro de garantias da União Soviética, a governação daqueles países rapidamente se teve de confrontar com grandes vagas de protesto. Em cada dia que se passava, em plena desorientação, o poder começava a ceder. Tudo mudou, a partir daí, em pouco tempo. E a queda do imenso muro de Berlim, que cortava a Alemanha em duas, foi mais um desses sinais, talvez simbolicamente o maior de todos. Podemos aqui ver, enfim, o escorço do muro na sua plenitude, algo que parece indiscutível e se dilui na distância. Parece pouca a nostalgia e a desertificação controlada a Leste. Mas quem lá esteve pode ainda lembrar-se da cor baça das casas, da estratificação dos modelos, e de uma nostalgia que uns achavam ser o desenho da paz e outros a marca da liberdade ausente.