segunda-feira, setembro 06, 2010

POR MAPUTO: REDESCOLONIZAÇÃO EM VIOLÊNCIA

registos da reportagens televisivas
Já ouvi da boca de vários personalidades conhecidas palavras resmungadas que a descolonização, pelo menos no que se refere a Portugal, não fora precipitada, fora, pelo contrário, indevida, no tempo e nos métodos. Tem-se falado muito, também, num dos autores mais favoráveis aos processos de descolonização, Franz Fanon, que alertou, apesar disso, para os enormes riscos que se corria ao lançar povos inteiros, de súbito e ainda largamente impreparados, para a contemporaneidade. O desajustamento seria, em alguns casos, de efeitos devastadores, entre o desenho das fronteiras e a divisão das etnias ou nações. E foi afinal isso que se fez, apesar de alguns territórios privilegiados por prolongamentos coloniais enviesados, como no caso da antiga Rodésia, hoje um país vandalizado, sem ordem nem produção ordenada, esmagado por uma das mais patéticas ditaduras do Continente. Angola, por sua vez, entregue, por acordo institucional, aos três «movimentos de libertação, em breve se lançou numa terrível guerra civil, muitas vezes mais grave do que a guerra colonial, após a qual cidades haviam desaparecido, populações tinha percorrido fracturas enormes de deslocalização e outras, enquanto Luanda inchava de gente, de perturbação e um vasto tipo de carências, enquanto um núcleo em volta do Presidente e de outras entidades militares ou políticas, enriquecidas desproporcionalmente já nessa época, se entricheiravam na maior grandeza, entre o luxo, os bens e a força sobre todos os que caminhavam esforçadamente, estropiados, num largo horizonte de perigos ocultos e miséria.

Há sempre semelhanças entre estes desastres: Moçambique dividiu-se, logo após o cessar fogo das tropas portuguesas e o seu abandono do território, em duas forças opostas, em litígio bélico de intensidade muito menor do que o de Angola, mas, apesar de tudo, largamente danoso para o país. A FRELIM, desde o início da guerra colonial, apostada nos ditames libertadores, teve à sua ilharga, ainda durante esse tempo, o movimento homónimo RENAM, débil, menos municiado e ideologicamente impreciso. Mas, quando vieram as eleições de tipo democrático, a FRELIM foi vencedora, tendo na Assembleia Nacional de confrontar-se comos deputados que a RENAM conseguiu eleger. Esse perfil das forças que iniciaram os caminhos da independência não era preocupante e a sucessão dos vários presidentes tem decorrido com consensos quase nada pertrubadores. O problema, dada a escassez de meios imediatos de riqueza, coisa já existente em Angola, passou a residir nas políticas de de contenção, realidade agravada pela explosão populacional em Maputo, em termos por vezes capazes de provocar repugnância, desde o lixo, às sujidades dos imóveis e dejectos em avenidas principais. Tudo isto foi sendo combatido, como quem rema contra a corrente, pois o tipo de cultura das populações do interior não era ajustável às regras da vida citadina nesta escala. A situação, há pouco tempo, começou a degradar-se. Até que, em revolta contra o aumento dos bens básicos de consumo, a população, recrutada por SM S, entrou em estado de revolta, bloqueou a cidade, o próprio achefe de aeroporto, acabando por cometer alguns desacatos sobre lojas e pessoas. O governo reagiu em termos de espera, socorrendo-se da PSP para situar algum recato. algumas dispersões. O Chefe de Estado falou em nome do apaziguamento, sublinhado o dinheiro que se perdia em cada dia de paralisação da cidade, o que ocorreu, de forma completa, durante pelo menos dois dias. Apesar dos destroços, mortos e feridos, este incidente esbateu-se depressa: seja como for, não deixa de ser um sério aviso para aqueles que vivem acima de maior parte das pessoas, em assimetrias monstruosas, fio em certa medida anunciador dos erros cometidos nos anos 70, por Portugal e pelas Colónias. Esvaziadas dos quadros técnicos e administrativas competentes, o esforço de equilíbrio e de ordem social gerou ou agravou diversos tipos de «epidemias» que este género de subdesenvolvimento costuma tornar crónico. É o salto na contemporaneidade, seguido de catástrofes indizíveis.


Tudo isto poderia ser diferente, pausado, seguro, equilibrado, partilhado, num Continente que, em vez de entrar em agonia, deveria ser tomado pela humanidade como fundo de garantias em diferentes plataformas de produção e comservação? Por mim, penso que sim, não por achar que a descolonização estava fora do projecto nacional. De resto, a ditadura teve todos os sinais para salvar a face e os povos. Um «génio» chamado Salazar castrou toda um país com as suas sobrevivências e referências através das colónias. O que penso é que a descolonização não devria ter sido feita sob uma espécie de efeito de derrota, sem nada se preservar, indústrias, fecundação da terra, organização social, disciplina. Os portugueses e moçambicanos brancos que tiveram de abandonar de súbito aquele país, como aconteceu ao mesmo tempo em Angola, foram apenas martirizados por slogans e dirigentes cobardes que não souberam negociar e agilizar as tropas numa ajuda pós-militar. Alguém me poderá garantir, com razões técnicas e humanas de valor indesmentível, porque carga de água um exército que combate em três ferentes sem destruir os territórios e as populações tem de se retirar à pressa, com a tralha mal atada à cintura e uma cerveja para refrescar o «regresso» a Metrópole? Tratou-se de um erro grotesco, o que aliás veio reflectir-se em Portugal, num PREC maníaco-depressivo, falsamente chamado de revolucionário, proletarizando o campesinato e procurando mesmo a tomada do poder por um golpezinho patético, o qual o país conseguiu travar em pião -- e sem sanear verdadeiramente os que haviam ensandecido pelos quartéis e pelas quentes veredas do Alentejo. Assim ficaram as coisas, pela teimosia inerente a Salazar, pela incapacidade assombrosa de Caetano, pelo varrimento de toda a ética militar dos chefes que tinham «trabalhado» nas ditas colónias durante 14 anos, conhecedores dos problemas e do apoio que podiam dar no próprio espaço da independência e durante os primeiros tempos da mesma.
Franz Fanon tinha razão. Mas, como muita gente naquele tempo, achou mais rico o espectáculo das bandeiras desfraldadas pelas anharas fora e guardou no bolso as consequências que ele mesmo anunciara. Os militares portugueses, que não queriam meter-se na política, apoiaram um dos maiores desastres políticos sofrido pelo país. Hoje queixam-se de relatos que espreitam a história, como no recente caso de Lobo Antunes, mas esquecem sempre de olhar-se ao espelho e de relembrar uma guerra sobre a qual também se teceram elogios e aceitações de brandura. Não direi tanto, sobretudo nos costumes, até porque uma década dá para ensaiar uma civilização e os seus poderes ou armadilhas encobertas.

um pouco de sangue, nada mais, os motins acabam depressa, mas o futuro ainda não chegou.

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