quarta-feira, novembro 10, 2010

DOIS ESCRITORES LUSÓFONOS BEM DIFERENTES

Nia Couto, Moçambique, as palavras transitivas

A propósito de alguns livros, de relações e confrontos entre elites de Angola e Moçambique, abordo hoje, sumariamente, duas figuras que desde há anos (Mia Couto há mais) são convocadas por universidades e outras instituições portuguesas. O escritor moçambicano, que nasceu a 5 de Julho de 1955, na Beira, pertence a um género literário ligado ao realismo mágico e à ficção histórica. Ostenta a nacionalidade moçambicana mas é natural que tenha também a portuguesa: é filho de pais portugueses e visita Portugal, onde campeia em diversas actividades culturais, com sensível assiduidade. A sua veia poética, aos catorze anos de idade, já transitara para o jornal Notícias de Beira. Mudou-se em 1971 para Lourenço Marques, iniciando estudos em medicina, embora tenha abandnado essa área e haja enveredado pelo jornalismo. Trabalhou no jornal Tribuna. Agiu pela independência da Província, sobretudo através da Agência de Informações de Moçambique, formando ligações de correpondentes entre distritos durante o tempo da guerra de libertação. Foi director da revista Tempo até 1981, passou para o jornal Notícias e aís se manteve até 1985, altura em que já publicara o seu primeiro livro de poemas, Raiz de Orvalho. Contrariando a propaganda marxista militante, demitiu-se de director do jornal a dim de continuar os estudos universitários na área de biologia.

O seu desenvolvimente como escritor tem neste percurso bases de forte interesse. É considerado um dos mais importantes escritores de Moçambique e bebe, em Portugal, apoios de Fundações e Universidades para melhor girar além fronteiras. Tem sido, assim, muito traduzido; e em muitas das suas obras tenta recriar a língua portuguesa com uma influência moçambicana, utilizando o léxico de várias regiões do país e produzindo um novo modelo de narrativa africana. As palavras inventadas nem sempre se baseiam em lexicos locais, mas o seu «abuso» de tal efeito contrinuiu em muito para o êxito alcançado e para a protecção obtida nas editoras. A sua obra já é vasta, sobretudo novelas e contos, mas falta-lhe chegar a um trabalho de maior fôlego, por via das qualidades da nossa língua e exprimindo a grandeza (a paisagem humana e do trabalho) na dimensão alargada do tempo lento e precioso vivido entre afectos e também numa perspectiva antropológica. 1
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1 Aspectos colhidos na Wikipédia e integrantes de uma análise crítica sobre o autor.

UM PENSADOR ANGOLANO

Ruy Duarte de Carvalho

Ruy Duarte de Carvalho, escritor emérito, cineasta, escultor e antropólogo angolano, foi encontrado morte na sua residêmcia na Namíbia, como tivemos oportunidade de salientar aqui, em Agosto passado. Tinha apenas 69 anos. Nascera em 1941, Santarém, Portugal e passou a infância em Angola e na Namíbia, onde viria morar anos depois. Retornou a Santarém aos dezanove anos para ingressar no curso técnico em agropecuária. O seu primeiro livro surgiu em 72, intitulado, Chão de Oferta. São poesias marcadas por temáticas portuguesas e africanas.
Optou pela nacionalidade angolana em 1983, depois de muitos anos de trabalho no sector do desenvolvimento agrícola. Morou também algum tempo em Moçambique e, depois de terminar o doutoramento em antropologia na École des Hautes Études de Sciences Sociales, em Paris, assumiu a docência na universidade de Luanda.
Ruy foi considerado pela crítica como um importante nome da literatura portuguesa, assim representando uma síntese do mundo lusófon, não apenas pela sua bografia, mas também pela dedicação às temáticas desse idioma. Muitos pontos da cultura erudita referiram a importância do autor.O esforço de unir antropologia e literatura levou Roy Duarte de Carvalho a um verdadeiro trabalho de se livrar do academismo que porcura opor as duas áreas. Os seus trabalhos antropológicos de natureza mais reflexiva, a par dos seus textos de ficção, encontram-se num mesmo ponto de vista, perspectiva de um observador assumidamente não neutro. O seu olhar para a literatura e para a antropologia exige do autor uma reflexão sobre si próprio e sobre esse mesmo olhar -- o que legitima uma observação conscientemente parcial e não por isso menor.
Nesta perspectiva, a literatura que pratica, cerca de 15 livros, pouco ou nada se pode comparar com a do moçambicano Mia Couto. O seu admirável estudo sobre os Kuvale, povo que vive no sudoeste de Angola, foi publicado em 1999 sob o título Vou lá visitar pastores. Entretanto a produção cinematográfica deste cientista e poeta (documentário e ficção) revela a intensidade do olhar que dirigia à pessoa humana, aos problemas sociais. São bons exemplos Nelisita: narrativas nyaneka (1982) e Moía: o recado das ilhas (1989). Documentários de longa metragem que se contrapõem às narrativas antropológicas e cinematográficas, tudo fazendo parte de um universo de observação empírica sem perda da autocrítica, atitude ética que o autor relevou da sua concepção do mundo.
A sua escrita trespassa os conteúdos propriamente discorridos por ter em comum o facto de reflectir sobre si, autor e autor social, não apenas sob a condição de escritor, também na perspectiva de um modo particular de ser e observar. Aliás, em Ruy Duarte, como noutros escritores de orientações semelhantes, há um fôlego (tempo, espaço, substância), a literatura não se basta enquato forma de observar o mundo, reflecte-se a si mesma e aos actos da formação da escrita.

2 comentários:

jawaa disse...

Que bela homenagem a um homem do meu tempo e do «meu» espaço.
Obrigada

jawaa disse...

Em relação a Mia Couto, é um escritor de marca própria e talvez demasiado novo ainda para a tal obra de grande fôlego.
Demos tempo ao tempo.