quarta-feira, setembro 21, 2011

MORREU JÚLIO RESENDE, BEM VINDA A SUA OBRA

JÚLIO RESENDE 1917 | 2011

obra prima de Resende (Ribeira Negra) talvez
a nossa condizente Guernica

anos 50 | 60
neo-realismo e reforço expressivo

uma certa lembrança de Chagall

a evolução para um «impressionismo» diáfano

Homenagear Júlio Resende em vida, perante a sua obra mais recente, luminosa e pacificante, era para todos nós um dia de festa. Não só atendendo às obras, grupos de pinturas abertas e leves, memórias de viagens, entre os trópicos, próprias de quem sonha pelo mundo, com o mundo, como sempre se resolveu em concordância com o tempo e as ideias passando. Resende assumiu um percurso forte nos anos cinquenta, abordou o neo-realismo e as sínteses expressivas que se lhe seguiram, desempenhando, ao mesmo tempo, um importante papel como docente da Escola Superior de Belas Artes do Porto. E acompanhou importantes personalidades desse seu tempo «inicial», autores como Carlos Ramos e António Pedro, Augusto Gomes, Barata Feio, Dórdio Gomes, Lanhas, Camarinha, entre muitos outros, atravessando várias gerações -- as de Ângelo de Sousa e Eduardo Batarda, por exemplo.

Júlio Resende foi um dos maiores autores da arte portuguesa contemporânea, influenciou muitos pintores, receber condecorações e prémios. Nunca insistiu em quaisquer oportunismos daí derivados. Tinha uma personalidade ao mesmo tempo forte e amável, com ele sentia-se o afecto da voz e das formas de estar ou de dialogar. A sua arte libertava-se cada vez mais, chegando aos breves apontamentos a pastel e em torno dos povos que visitava, sobretudo Cabo Verde e o Brasil.
Daqui volto a rever Júlio Resende, um espírito tranquilo e sensível, um professor com quem tive oportunidade de trabalhar, em júris das antigas Escolas de Belas Artes e já depois, em actos de avaliação nas Faculdades, entre os doutoramentos e a anterior agregação. A sua actividade integrada não se limitou ao espaço académico. Ele trabalhou para o espaço público e colaborou nas buscas cénicas do Teatro Experimental do Porto. Viajou e viu gente de «outros lugares», esboçando a sua vida e muito da realidade antropológica envolvente. Numa das suas vindas, em serviço, a Lisboa, fui levá-lo ao Hotel e ali estivemos horas em amena cavaqueira, com ele aprendendo a sentir o que pode ser a arte e a importância dos afectos na qualidade dos métodos pedagógicos. É comovente relembrar essa noite. Como é comovente rever o dia em que apresentei uma exposição numa galeria do Porto, dia chuvoso, pouco público. E de súbito, amparado por uma pessoa de família porque ferira um pé, a visita de Resende, o gosto de me ver e de ver as minhas obras que pouco conhecia, tudo numa nota de superação do desconforto e de pontuação atenta do tempo a par da arte que passaria a pertencer à sua memória estética.

Estes foram os Mestres. Estes conheceram bem o fio das regras no plano da liberdade

1 comentário:

Miguel Baganha disse...

Morreu Júlio Resende: o «grande Mestre da Arte Portuguesa do último século». Do pintor permanecerão vivas as imagens geométricas e, por vezes, quase abstractas do quotidiano popular. Recordo, em particular, o lindíssmo mural "Ribeira Negra" (diz bem João, quando a conota a Guernica - ainda que com a devida distância em termos pictóricos e simbólicos que a separa do colosso espanhol)onde tantas vezes os meus olhos se colaram, fazendo-me sonhar nos tempos de escola, imaginando que um dia, também eu, me poderia tornar num "autêntico pintor".
No site da Fundação Júlio Resende há uma secção dedicada a memórias, onde Júlio Resende explica como se tornou pintor:
«...mas eu queria, efectivamente, ser pintor! Talvez o destino me tenha proporcionado o primeiro passo. Aurora Jardim, figura conhecida nos meios literários e jornalísticos do Porto, intercedera junto do pintor Alberto Silva, que dirigia, então, a Academia Silva Porto, para que eu viesse a frequentar as lições de pintura aí ministradas. Comprei a primeira caixa de tintas "a sério" e aprendi a colocar as cores na paleta, segundo as boas regras».

A par de Pomar, este homem era um dos últimos e vivos mestres da arte portuguesa. Ainda bem que não teve de morrer para ser notável. Um grande bem-haja à sua alma e à sua obra.

Obrigado pela bela e justa homenagem, João (só agora tomei conhecimento da notícia).