domingo, março 11, 2012

VELHOS AO ABANDONO NUM PAÍS SEMPRE ADIADO

É nosso costume apontar a história de oito séculos que nos representa. É vulgar falar sobre as velhas famílias e os velhos avôs, irmandade e pais batendo a terra, gente sentada nos valados, os netos ao colo. Portugal foi-nos sempre mentido nas derrotas e nas vitórias, entre coroas, mortos, viagens pelos mares, povoamentos de terras descobertas, conquistadas e ocupados por mais de cinco séculos.

Hoje dizem-nos, de verdade ou novamente a mentir, que o país está em crise, o mundo também, os próprios senhores do poder por essa Europa fora, América ou Rússia, quase todo mundo, excepto os antigos impérios colonizados ou culturas milenares, a China, a Índia, alguns importantes povos asiáticos e uma orla de África, homens ganhando fortunas com o petróleo e a primavera árabe frutificando devagar e em diversas tonalidades mortais.

Ninguém se atreve a falar de velhos, preferem dizer idosos, eufemismo do medo e do desinteresse. Velhos não são os trapos. Veja-se, neste país sempre adiado, como sobram velhos por todo o lado, mais do que jovens, e frequentemente perdidos em aldeias quase desertas, casas inóspitas, paisagens de uma indevida agricultura de subsistência. Um velho sábio, aqui, conserva a força do olhar a pensar ainda no futuro. E há casas a cores, em aldeias de 200 habitantes e até um pouco menos ou mesmo abandonadas. Para 400984 velhos no interior e nas cidades, há uma taxa de mortalidade avassaladora. 35% daqueles velhos vivem sem ninguém por perto em caso de urgência; e em melhor proximidade 22%. Morreram 28722 velhos em 2011 e 103 já contados em Janeiro deste ano, 2012. Os jovens não passam de metade da população mais velha e os filhos nascem cada vez menos: a média da composição das famílias, entre pais e filhos, é apenas de 2,8.

As casas que morrem são velhas, sobretudo nas aldeias, e país abandonou-as para povoar o litoral, onde se situam as grandes cidades, num pavoroso ordenamento do território, tudo cada vez mais feio e a paisagem tomando conta de si. O mar de outrora é dedicado como ciclorama do betão onde pernoitam turistas: já não há caravelas, nem idas nem vindas, nem pesca sequer. As pessoas têm a nova religião (irracional da praia e do bronze), compraram e venderam casas, vogaram no sonho que os bancos apregoaram e hoje ouvem falar, espantadas, que Portugal tem uma grande zona marítima cheia de riquezas.


Nas grandes cidades, e mesmo na outras, mais pequenas, morrem velhos em total solidão. São descobertos por vezes dois anos depois da morte, ou meses, ou dias, caídos no chão, enrodilhados na cama, a decompor-se e sem sinal de suicídio. Morreram por que sim, porque a sociedade já não o é, e se as famílias mal têm filhos (porque já não podem na escravatura do trabalho moderno e precário) os velhos avôs e avós ficam desempregados, sem netos nem filhos, vivendo de pensões miseráveis. Porque sim. Se não comem nem pedem esmola, adoecem na sua casa de sempre, poeirenta e desarrumada, e morrem de fome, entre memórias e esquecimentos, como Deus manda. 28.722 mortos solitários, sem assistência, sem nada, nem um grito ou sinal de socorro. Deixaram-se ficar, a vida é assim. Este ano já se contam 103, só em Janeiro, como se disse, de idades entre os 70 e os 90 anos.

Não há fogo que não os ronde na terra desabitada, ervas secas em volta, casas isoladas no monte, sonho de outrora em que se ouviam gargalhadas dos netos, as fanílias ainda tinham média de dois filhos, hoje nem um lhes sobra.






Quem é esta gente que nos abandona, apesar dos socorros de comida e mantas e afectos de psicólogos? Esta gente não é ninguém, tornou-se anónima nas enormes distâncias que as cidades estabelecem entre eles e os que magoam a vida por trabalhos de duração curta. Novos e homens de meia idade. Dizem os senhores do poder, que de humanidades sabem um calhau: «Trabalho para toda a vida? Que disparate e que desperdício, a mobilidade é tudo e tudo assim nos faz felizes.» Esta gente fez cidades erradas e destruiu as actividades de manutenção de qualquer comunidade. Têm pressa, não se sabe porquê. Nem porque raio guardam o dinheiro em paraísos fiscais. Então a vida não é mobilidade, transumância, pica e corre, como o pardal urbano. O país arrisca-se a cair ao oceano: e os velhos das aldeias terão um país inteiro para eles, agradável e de pastoreio. Sem televisão. Sem Internet. Sem realidades a mais. O mar está chegando junto da bicharada e o bronze vai deixar de estar na moda.

3 comentários:

End Fernandes disse...

Nossa, que texto forte.

Eu sempre gosto de ter uma perspectiva dos fatos de quem está realmente os vivendo ao invés de ficar apenas a mercê dos noticiários.

Se baixa taxa de natalidade trás muitos problemas aqui no Brasil já se vê muitas adolescentes grávidas. Aqui muitos avós estão fazendo o papel que muitos pais não fazem e cuidando dos seus netos. Essa situação também não é nada boa.

Parabéns pelas fotos e pelo texto!

Abrç

End Fernandes

...

Miguel Baganha disse...

Pois é, tudo envelhece com o tempo. E o tempo de vida, é vivido fazendo coisas, seguindo paradigmas inúteis, e só depois, já sem tempo, é que vemos o que poderíamos ter feito de útil dentro do nosso efémero tempo.

Razão pra dizer que estamos vivos só pra criar problemas.
E a Europa? Essa está velha, nas pessoas, nos monumentos, até mesmo nas ideias e nos sonhos.

jawaa disse...

Encontrei-me por aqui nestas imagens belíssimas de velhos e velhas, jovens que foram, que pensam e não entendem como pôde este país acontecer assim, despejado no litoral, a apagar até as linhas férreas que vivificavam o interior.
Tem razão ainda, uma razão que fere a razão: porquê e para quê guardar o dinheiro em paraísos fiscais?