terça-feira, julho 17, 2012

BABILANDO NA ASSEMBLEIA DO EIXO DO MAL

o eixo do mal
 



O mundo parece desfazer-se sob o véu de lixos que a sacrossanta globalização espalha sobre os povos emergentes (entre os muitos indigentes), e estes senhores do painel acima assinam um programa televisivo (O Eixo do Mal) onde operam as mais raras diatribes contra os pequenos males deste pequeno país cheio de gente ensandecida, acocorada junto do litoral, sobretudo nas grandes cidades. Por sua vez, estes senhores aceitam sentar-se num cenário de ficção científica pimba -- futurista e tudo. Pela colaboração dos participantes, o espectador é levado a suspeitar que cada qual fala por si e para si. E espera também que um fale depois do outro, em nome da boa comunicação e do bem pensar que tanto exigem dos políticos e respectivos aprendizes. Reitero o respeito que todos me merecem, meu apreço particular por Clara Ferreira Alves, sentada ao centro, como Cristo na última ceia, e tiro o chapéu ao canal televisivo que aposta neste género de algazarra de humor azedo, por vezes cínico, por vezes meramente risível -- Sócrates é convocado muitas vezes porque desbaratou as nossas confusas riquezas, às vezes lá vem a sua licenciatura de papel e agora incha o escândalo do ministro Relvas (que terá comido relva num jardim privado e logo saiu de lá licenciado, currículo irrelevante e mais quatro cadeiras que não frequentou, caricaturas reais da pequena vida nacional). Mas um programa semanal, enfatizado, merece tão pouco génio? Depois desse supremo ministro vem o pobre ministro Álvaro, arvorado em incompetente da economia, e, sempre que dá jeito e é possível, a estranha retórica do super ministro Gaspar, fala lenta e martelada que os protagonistas do mal não percebem mas vem a propósito da anedota. «Devagar, devagar, um dia ele deixa de falar». O primeiro ministro, Jesus dos Passos, dito Coelho, um homem que emagrece com o fardo da Troika e é teimoso em nome do milagre futuro. É um crente e por vezes fala tão junto do chão que ninguém sabe donde vem a esperança. E Babel é excitada, as escrituras passam a falas tonitroantes, Portas ausente, os erros de todas as explicações, Crato sem saber como justificar Educação e massificação, anos e anos de austeridade vandalizante e a Economia desidratada e anémica. É quase tudo mau, em Portugal, na Europa, e a prova chamejante são estes tribunos de aviário que cacarejam todos ao mesmo tempo a partir de uma qualquer fala isolada do início.
Mas como? Será  que não sabem nada de televisão ou, performativos, insistem em ouvir-se, sobrepondo-se, cortando a palavra a este e àquele, metendo buchas, Passos espalmado, Relvas outra vez, antecedentes e sombrias relações, tudo bombeado para a "caricatura gaguejada". E, contudo, a estes senhores foi-lhes dado, de bandeja, um espaço de intervenção excepcional, espaço que eles tratam mal em nome do mal, jamais em torno do eixo. Este meu estado de indignação, como se diz agora, não se refere só ao conteúdo das intervenções, sobremaneira erráticas, mas a elas mesmas, à forma e ao grito, uma balbúrdia de fazer inveja ao agora mais institucional Pacheco Pereira. E, depois, é o desperdício, senhores, é a falta de respeito para com as pessoas apetrechadas a tratar aqueles temas, a ouvir e a compreender. Ali sucumbe a democracia, aflora a lei do mais forte. Até o mal rebenta irredutivelmente com o eixo.

1 comentário:

Anónimo disse...

Ainda há poucos anos, havia a moda em Portugal de “denunciar”. Até abril de 1974, denunciavam-se os inimigos pessoais e os inimigos do estado novo quando dava jeito. Depois do 25 de abril, denunciaram-se os inimigos do povo e os inimigos do estado quando dava jeito. O que mudou foi a consciência do coletivo, ganhou força a opinião pública, e por isso os jornais e as televisões têm atualmente um poder quase judicial, acusando e julgando quase sempre fingindo que ouvem todas as partes interessadas. Muito pior, aspira a regular a justiça dita oficial, condicionando frequentemente as suas indecisões.
Da denúncia cobardemente anónima antes do 25 de abril, passámos para a gritaria histérica das denúncias de hoje, sobretudo em programas de “debate de opiniões”, com cenários retro ou futuristas, onde cada qual comenta o mundo com o entendimento que tem de si próprio, cativando a simpatia dos colegas de estúdio e do público, pisando frequentemente a linha que separa civilizadamente o humor da troça cruel e do insulto. É bem mais fácil que colocarem-se no lugar dos outros, tarefa quase impossível para egos de tamanha envergadura.
Confesso que ainda não vi o “Eixo do Mal” no cenário futurista. Lembro-me de ver umas sombras negras atrás de cada comentador residente. Lembro-me sobretudo da gritaria, mas pareceram-me mais queixumes, o “Queixume do Mal”. Ou do mal, o menos.