quinta-feira, novembro 01, 2012

O HOLOCAUSTO NÃO SE ENSINA POR CONTRATO

Numa sessão dedicada à relação Portugal/Israel, o embaixador israelita Ehud Gol no nosso país teceu críticas ao papel das autoridades portuguesas na escassa abordagem do Holocausto e outras tragédias judaicas. Foram muitas as pessoas que se espantaram. Sobretudo os que conhecem muitos casos de apoio aos judeus através de Lisboa e o extraordinário trabalho de Aristides de Sousa Mendes, entre outros. Ehud Gol, com muito zelo e pouco respeito pela história alheia, lamentou que Portugal tenha sido o único país que colocou a sua bandeira a meia haste durante três dias quando soube da morte de Hitler. Entre várias considerações desrelativizadas, o embaixador considerou, em «Portugal e o Holocausto», que, por concordância entre os dois países, o Holocausto deveria passar a ser ensinado no nosso plano escolar, agora e de futuro.
Tudo isto é um pouco estranho: primeiro, porque em Portugal, sem contratos, sempre ouvi referências, filmes, peças de teatro, tendo, a par, lido livros em português sobre aquele assunto, tema, aliás, que toca de perto a minha própria obra artística. A bandeira a meia haste mostra bem como certas entidades estiveram de costas voltadas para os efeitos e mordaças do regime de Salazar. Ele foi responsável por essa bandeira chorando o mito e uma derrota justa. Esta espécie de marketing desenvolvido em torno do Holocausto, quase proferindo a conveniência do seu ensino por contrato, é hoje um mau culto da memória desse infausto acontecimento, sobretudo quando Israel não prima pelo respeito dos vizinhos que conquistou e pelo precário ensino que desdobra sobre o mundo contemporâneo, reclamando para si direitos muitas vezes desfocados ou inexistentes. A evocação, no século XXI, do Holocausto deveria preocupar o senhor embaixador a par de outras realidades em que houve participação internacional e portuguesa, incluindo a morte, em dois meses, de 800.000 cidadãos  entre o Uganda a o Ruanda, bem como a tragédia da Somália, o avanço soviético pelo Afeganistão, a caducada intervenção nesse país dos EUA, as manchas de obscurantismo e grande número de assassinatos de marca talibã, um movimento de medonhos contornos como ameaça à parte mais avançada e lúcida da civilização contemporânea. Enquanto os nazis procuravam exterminar judeus de forma pragmática e absurda, os Aliados cediam à História quarenta milhões de mortos e ainda contribuiram, sem verdadeira legitimidade geográfica, demográfica e histórica, para instaurar na área palestiniana o Estado de Israel.
O reitor da Universidade de Coimbra, perante a referência da «nódoa» da bandeira a meia haste, disse: «Recuso-me a suportar o peso dessa nódoa. O passado é doloroso. O Portugal de hoje não é o mesmo do passado, como a Alemanha de hoje também não é a mesma do passado.» Gol ainda insistiu que os países têm de assumir as responsabilidades pelo passado, depois de ter exclamado que o facto citado «é uma nódoa para nós, judeus, vai aparecer sempre associada a Portugal». Era preciso chamar a atenção ao senhor embaixador para o contexto dos factos e sobretudo para as próprias responsabilidades de Israel, que os países europeus têm reconhecido e ajudado, incluindo Portugal em diversos campos, naturalmente sem o poder e os interesses americanos.

2 comentários:

jawaa disse...

A leitura deste texto acutilante, na linha habitual do autor, sugere-me uma realidade bifurcada, qualquer delas lamentável.
Por um lado Israel, a vitimizar-se em nome de uma tragédia inominável, sim, mas passada e irremediável, quando debaixo dos seus olhos (e até espaços)outras da mesma amplitude se desenvolvem actualmente no mundo, que poderia e deveria ajudar a colmatar, a evitar.
Do outro lado, Portugal, descendo tão baixo na sua dignidade que até Israel se arroga o direito de criticar tão injustamente a acção dos Portugueses em relação ao Holocausto.
Não basta a dor de cabeça do FMI a ensinar-nos a gerir a casa, agora Israel vem dar «aquelas bofetadas na cabeça» para curar a primeira dor.
O que mais nos pode acontecer?

Miguel Baganha disse...

Julgar um povo inteiro, seja ele qual for, pelos erros do seu governo, é uma injustiça e uma ignomínia. Sobretudo quando a época, o povo e o respectivo governo já não são os mesmos. Não existe razão nas palavras do sr. Gol, apenas revolta e ingratidão. Trata-se de uma tentativa de condenação gratuita e abjecta, sentenciada por quem não conhece o passado nem o presente do povo português.
Como diz a Jawaa, parece que todos querem "tirar um pedaço aos coitadinhos dos tugas", Pois aproveitem: batam agora que estamos de costas e de joelhos!