domingo, março 03, 2013

VILA MORENA CANTADA PELO POVO HUMILHADO

Grândola Vila Morena


 Ontem, sábado, dia 2 de Março de 2013, poucos meses depois de uma grande manifestação contra as medidas de austeridade a que se chama tecnicamente ajustamento, o povo voltou a sair à rua na boa ordem com que tem enfrentado os famosos "cortes orçamentais", brutais, cujo caminho visa acertar o déficit e seguir, até perdas que já chegaram ao fundo, o passo desta derrocada civilizacional, pelo eixo torto da assombrada Globalização, talvez a mais ignóbil maneira de "juntar tudo no mesmo cesto", unificando os ricos nas suas grandes redes internacionais e massificando o dilúvio universal da pobreza, a próprio Europa (que já foi uma bela utopia) escangalhada perante a pressão dos países do norte e de maior poder, alheios a um sistema de facto solidário, vinculador das realidades nacionais a um governo central, presidente eleito por todos os países do euro, Banco e Fundo coordenando projectos, orientando ajudas "a fundo perdido" e com retorno, sem que as pseudo-elites do Norte pudessem humilhar os tais pigs, os «sonhadores preguiçosos do sul».


  A História não ensina nada disso e a Alemanha, que conseguiu ignorar o parlamento europeu, a Comissão, o Presidente, "batendo o pé" ao Banco Central, e enquanto Merkel não ganha as eleições, não fez outra coisa senão convocar reuniões gerais, com agendas torcidas, vinte e tal reuniões de ministros daqui e de acolá, todos a acordarem das noites longas "com as mãos a abanar". A Alemanha dissera que não, a Alemanha reagira mal, a Alemanha não considerou conveniente. A tibieza dos outros ministros contribuiu para um rasto imperialista que poderá colocar a Europa a jeito da derrocada do euro e da explosão das misérias, num conflito de novo armado. Devia a Alemanha repensar melhor estas coisas, porque ela pode parecer grande para a Europa mas é, sem qualquer dúvida, pequena para o mundo inteiro -- o que já foi provado em duas grandes guerras cujo centro foi ela própria. A verdade é que as virtudes germânicas não são as maiores do mundo, nem podem servir de modelo canónico a toda a gente. A Humanidade enfrenta a avalanche de diferenças e semelhanças que emerge de grandes países a Leste. A deslocação de empresas para explorar lá o que não dá cá, e assim por diante, é mais um mal da Globalização do que uma virtude da mobilidade. A tecnologia e o mamutiano poder financeiro, com Goldman Sachs feito assombração das grandes manadas em todo o lado, subterraneamente a mandar em quase tudo o que pode agitar-se na vida e ser esbulhado na cabala dos dinheiros, febre infecciosa que se espalha um pouco por toda a parte e cria credores como cogumelos para entalarem, com súbitas regras contraditas, milhares de países da zona de sombra e miséria que já não tem forças suas capazes de varrerem o lixo à sua volta, nem colher plantas familiares, nem proteger as famílias e a distribuição das demografias. A fome alastra, como o desemprego, e os países mais frágeis vêem os seus filhos (na alucinação das grandezas) emigrar em massa para tudo quanto é sítio onde o dinheiro ainda fervilha e os consumos permitem ilusões por mais uma ou duas décadas.


 Portugal, preso ao contrato inflexível da Troika, tem um governo de maioria que se dispõe a cumprir "à risca" e à rasca tudo o que era corte de despesas, tendo devastado grandes estruturas industriais e económicas do país, sempre sem reservar corredores para a economia e o retorno a áreas de que abdicou cegamente às ordens de Bruxelas: agricultura, ordenamento do território, frota de pescas, marinha mercante, estabilidade do mercado interno e do emprego. Repor tudo isso com algum bom senso, mostra-se agora um sorvedor de mais dívidas e juros colossais, que algum computador na Goldman Sachs alinha em "tranches". Os cortes nas pensões, vencimentos e por aí adiante, com taxas inventadas até ao ridículo, abateu desde há dias a classe média para metade. Abandonam-se os velhos, exalta-se a juventude desempregada, aponta-se para mais uma necessidade de quatro mil milhões de euros. Se isso se reflectisse, mesmo devagar, numa parte do que foi destruído e é essencial para um nível de vida médio e equilibrado, a gente pensaria que "do mal o menos". Mas não é nada de nada: o governo não ensina o país a perceber para que serve a recessão e a pobreza compulsiva, sem medidas a médio e longo prazo visando os direitos fundamentais da pessoa humana.
 Lisboa foi atravessada por centenas de milhares de pessoas, além de outras cidades, numa mobilização à volta de um milhão de cidadãos. Muitos deles expressaram-se para a televisão com grande mágoa e uma dignidade comovente. Tem sido sempre assim, fora um ou outro acidente manipulado, incluindo cruzados nómadas, vindos do Além. A Troika está em Portugal, numa sétima avaliação. Os agravamentos da situação, que a teoria não resolve em termos de pessoas, obriga agora, apesar de divergências da oposição e de um Partido Socialista sem grandeza nem sabedoria, ao qual muitos de nós legaram as suas esperanças não há muito tempo, a planear novas soluções para vencer o desânimo e a desestruturação do tecido empresarial, tendo em conta os valores do último trimestre de 2012, confirmados pela subida continuada do desemprego. 
 "Santos de casa não fazem milagres", mas os santos da Troika mostram-se cozinheiros de uma só cozinha, sem elasticidade e invenção ou modo capazes de reencontrarem o futuro.

1 comentário:

jawaa disse...

Como sempre, a mão certeira numa visão global dos males que assolam o mundo e de que nós somos o exemplo acabado.
Os Portugueses mostram ao mundo o seu inconformismo com a maior dignidade e como só eles sabem fazer:
Sem violência, apenas cantando.
E não só em Portugal.