sábado, maio 24, 2014

A EUROPA AINDA JUSTIFICA O NOSSO VOTO?

eurocracia


Diz um conceituado jornalista português:«Quantos ainda acharão que a Europa vale uma ida às urnas?»
Em boa verdade, este é um dos mais graves problemas que o país viveu nos últimos quarenta anos, desde aquelas horas, após catorze anos de guerra nas colónias, quando, em vez de descolonizar, abandonou quase de súbito, aos trambolhões e sem contrato sobre valores de toda a humanidade, os tais territórios reivindicados pelo mundo inteiro. Territórios que se chamavam eufemisticamente "Províncias Ultramarinas"e são hoje países a reemergir, tendo em conta a riqueza e as ajudas de novas massas de emigrantes (entre os quais, quatrocentos mil portugueses) para trabalhar, projectar e coordenar. São os novos colonos, sob novas leis e novas alcunhas: os portuga passaram a praga dos portugueses.
Mas voltemos à Europa (chamada agora, com cinismo, União Europeia) e às metamorfoses que vem sofrendo a senda terrorista da globalização.
As grandes potências que constituem hoje a União Europeia, todas antigas nações colonialistas, no melhor e no pior sentido, livraram-se muito  a tempo e com importantes compensações dos enormes territórios que exploravam, ainda hoje a funcionar de forma sorrateira e à distância, e depois da última guerra, em que a Alemanha, mais uma vez, perdeu as pretensões de governar o mundo por mil anos, as nações enfim desocupadas e o espírito dos países Aliados, sobretudo com os dólares do Plano Marshall, entenderam-se com um sentido de razoabilidade, partindo para a grande reconstrução das nações atingidas pelo conflito. A partir de maiores patamares da estabilidade, grandes personalidades do tempo, como Konrad Adenauer, Joseph  Bosch, Gaspari, entre vários outras, sobretudo Jean Monnet, Robert Schuman ou Willy Brandt, estabeleceram e lutaram por um decisivo projecto europeu, tendo em conta um sentido solidário entre os Estados, paridades de certos direitos estruturais. O peso da Alemanha, ou da França, ou da Inglaterra, desviaram da coesão necessária o quadro dos valores de consenso e, fustigando os países em dificuldades, em particular perante uma moeda (o euro) talvez mal construída,  mal usada e relacionada, fizeram centralizações de direcção (Alemanha), o que desarticulou a construção geral, a própria comissão, o poder do parlamento (orgão vital e de orientação de conceber e planear a base legislativa), entrando a região numa enorme crise económica e financeira, apesar do papel do Banco Central, países como Portugal sujeitos a resgates humilhantes e de duvidoso resultado futuro, tudo a depender da ganância especulativa dos credores escondidos atrás das histéricas agências de "rating" a manobrar os créditos a juros do inferno e códigos de jogos de computador.
Esta Europa, a realidade que nos resta, não é a que foi desenhada nos tratados de Roma. Desenvolveu-se em derivas imprevisíveis, pressões inesperadas, numa geral impreparação para corrigir desvios e novos tratados tóxicos. A memória, cultura e e novas perspectivas de desenvolvimento das várias nações integradas na UE mal percebem que estão cada vez mais aptas a aceitar conceitos alheios sobre economia, reajustamento, austeridade, cortes de toda a espécie, em nome de um futuro modesto mas pacífico. Ora não é isso que decorre do manejo dos juros entre grandes e pequenos países, decisões unilaterais, degradação do espírito e nobreza anteriores. A falta de resposta das políticas europeias aos problemas concretos que as famílias enfrentam todos os dias, incluindo pelo contexto político, atrai os grupos políticos de uma direita que aponta aos nacionalismos, e desfaz uma já mal desenhada federalização.
As eleições para o parlamento europeu passam por tratos de insensatez, desligando-se dos grandes debates sobre a Europa e remoendo quezílias de cada país, o que nos faz pensar na má qualidade das futuras prestações e sobretudo na incapacidade de fazer frente à xenófoba divisão norte/sul.
Diz hoje Miguel Sousa Tavares, na sua crónica do Expresso: «Talvez um dia a História desminta, mas, até lá, vou continuar a acreditar que o alargamento da Europa a Leste, até ao ingovernável conjunto de 28 países que hoje constituem a UE, foi um sábio plano premeditado pela Alemanha para, de duas uma: ou liquidar a UE, tornando-a ingovernável, ou tomar conta dela, sob o pretexto de ser ingovernável.»
Como votar? Para quê votar? Votar é um direito constitucional de escolha para a gestão dos países ou grupos de países, entre outras situações. Mas agora, em Portugal,  depois de uma terraplanagem e de um governo sem voz na UE, as listas para os  parlamentares europeus são ilegíveis, em certos casos mesmo impensáveis. Há muitos cidadãos que pretendem exercer o seu direito de voto anulando a escolha, abatendo a legitimidade do boletim. Mas o não-voto por abstenção, ainda que lamentável  por todos os que se vêem cercados de vazios, é também uma escolha: a percentagem abstencionista tem a sua leitura, terrí-vel mas legítima. Escolher numa lista entre várias, por mero descargo numérico e sem confiança, pode cuidar de certos perigos, mas nunca para uma boa solução, quando não há concretamente soluções por este método eleitoral, que os políticos sabem bem que já devia ter sido substituído, a bem do país e de todos os eleitos e eleitores.
Talvez não chova amanhã.

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